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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: déficit calórico

Você provavelmente está familiarizado com a noção de déficit no que se refere ao dinheiro. Nesse sentido, ocorre um déficit quando o valor devido é maior do que o que você tem, o que não é bom. Quando se trata de calorias, um déficit é algo que muitas pessoas buscam como forma de emagrecer. No entanto, o conceito não é tão simples quando se aplica ao seu corpo como se apropria da sua conta bancária.

Emagrecer se resume essencialmente a uma coisa: gastar mais calorias do que ingere, uma solução matemática chamada déficit calórico. É o antigo princípio por trás de muitos planos de emagrecimento – use mais calorias do que você consome e produza uma deficiência, o corpo então tem que recorrer às suas próprias reservas de combustível para obter energia.

É possível criar um déficit tanto aumentando a quantidade de atividade física quanto reduzindo a quantidade de comida ingerida. Estudos sugerem que a melhor forma de conseguir emagrecer e, mais importante, mantê-lo, é fazer uma combinação dos dois – diminuir a ingestão de calorias e aumentar o gasto, por meio do exercício físico.

O número de calorias que precisamos varia individualmente: idade, sexo, constituição física (incluindo estatura, peso e massa muscular), níveis de atividade física, estado geral de saúde e genética determinam as necessidades calóricas.

O corpo converte os alimentos e bebidas que você consome em energia por um processo chamado metabolismo. Por meio de uma série de reações químicas, as calorias são combinadas com o oxigênio para formar energia. Mesmo em repouso, precisamos de energia para alimentar a respiração, manter o bombeamento do sangue, equilíbrio hormonal, glicemia, crescimento e reparação muscular.

O número de calorias que demandamos quando estamos em repouso é chamado taxa metabólica basal e é o valor mínimo que precisamos antes de adicionarmos qualquer atividade ao nosso dia e antes de levarmos em conta a energia necessária para digerir a comida e nos mantermos aquecidos.

Como calcular o déficit calórico? Primeiro você precisa saber suas necessidades diárias de calorias: há uma série de calculadoras online que afirmam ajudá-lo com isso. Essas matemáticas prevêem as necessidades energéticas com base nas informações que você fornece. Infelizmente, esses dispositivos não podem medir com nenhum grau de precisão porque há muito mais variáveis que influenciam as necessidades calóricas, incluindo o quão musculoso você é. O que isto significa é que o valor que a calculadora fornece pode ser várias centenas de calorias maior ou menor do que suas necessidades reais de manutenção, por isso é melhor tratar esse número apenas como um guia.

Se você deseja emagrecer com déficit calórico, oriento monitorar o que está comendo antes de fazer qualquer alteração. É bom entender seu ponto de partida. Use um aplicativo de registro alimentar para inventariar quantas calorias consome durante uma semana. É uma maneira inteligente de monitorar hábitos alimentares. Em seguida, use uma calculadora para descobrir a meta diária de calorias para atingir seu propósito.

Para o cálculo da necessidade de energia diária, sugiro a fórmula Mifflin-Saint Jeor, que é uma ferramenta menos genérica do que outras calculadoras. Clique aqui para acessá-la.

Diversas agências de saúde em todo o mundo sugerem que para um emagrecimento gradual e seguro é necessário um déficit calórico de 500-600 kcal por dia. Deduza esse valor de suas necessidades estimadas para atingir sua meta de redução ponderal diária.

Depois de saber sua necessidade diária de calorias, subtraia sua meta de restrição energética desse número. Por exemplo, se a sua necessidade diária de calorias for de 1.800 kcal e você deseja um déficit de 500 kcal, seu novo objetivo de calorias será de 1.300 kcal (1.800 – 500 = 1.300)/dia. Um déficit diário de 500 kcal deve permitir que você emagreça cerca de meio quilo por semana – e possivelmente até um pouco mais. Outra opção será fazer um déficit calórico menor: 200 ou 300 kcal/dia combinado com o aumento do exercício físico.

Emagrecer meio quilo por semana pode não parecer muito, no entanto, é mais provável que uma redução de peso mais lenta persista no longo prazo. E será mais fácil para o corpo se ajustar a um déficit calórico menor do que a um maior. Você pode não emagrecer peso de balança nas duas primeiras primeiras semanas. E se emagrecê-lo, provavelmente reduzirá conteúdo de água. Isso geralmente se dará à restrição de carboidratos e sódio que vinham sendo consumidos habitual e excessivamente na dieta. Depois disso, iniciar-se-á o consumo dos depósitos de gorduras.

À medida que a ciência avança, percebemos que a teoria das calorias que entram e saem pode ser uma simplificação da forma como o corpo utiliza a energia. Como a maioria dos processos metabólicos, o gasto e o armazenamento de energia são rigorosamente controlados. Isto significa que o organismo se esforça para manter um estoque energético constante, por isso, quando detecta uma deficiência, compensa reduzindo a energia que utiliza, desacelerando efetivamente suas reações.

Restringir muito a ingestão de proteína na dieta pode dificultar a manutenção da massa muscular. A redução drástica desse macronutriente degradará músculos para obtenção de combustível. Seu corpo faz isso primeiro, antes de recorrer à gordura como oferta energética. Os músculos desempenham um papel importante no estímulo metabólico, portanto, o catabolismo muscular é duplamente ruim se você estiver tentando emagrecer.

O metabolismo ajuda o organismo a transformar alimentos em energia. Um metabolismo lento consome calorias mais detidamente, o que significa que a energia é armazenada mais facilmente como gordura. Você precisa entrar em déficit calórico apenas o suficiente para fazer seu corpo usar os estoques de gordura, mas não ativar o modo de fome, onde consumirá a massa muscular. Preservar a ingestão proteica e limitar o consumo de carboidratos de alto índice glicêmico pode ajudá-lo a atingir esse ponto ideal.

O corpo precisa de uma quantidade mínima de energia para funcionar adequadamente e, além disso, demanda um amplo espectro de nutrientes para manter a saúde e apoiar o crescimento e a reparação. Não ingerir quantidades suficientes de minerais e vitaminas pode fragilizar os ossos, privar o cérebro de energia, perturbar o equilíbrio hormonal, fatigar os músculos e colocar o organismo em risco para outras condições de adoecimento. No entanto, se você consome uma dieta nutricionalmente equilibrada, ao mesmo tempo que restringe calorias, poderá obter benefícios além do emagrecimento.

As pessoas costumam perguntar se podem construir músculos mesmo sob déficit calórico. A resposta? Sim, você pode construir massa muscular com dieta de restrição. Entretanto, é importante preservar a ingestão de alimentos ricos em proteínas e a quantidade certa de calorias para ter energia para se exercitar e evitar que o corpo esgote as reservas musculares.

Dito isto, uma abordagem de déficit calórico pode ser uma forma útil de emagrecer, mas espera-se que o seu peso estabilize após alguns meses. Se você sentir isso, tente incorporar mais atividades físicas à rotina, considere ainda os horários e as quantidades das refeições.

Você pode começar bem com um grande déficit calórico. Mas em algum momento, pode ficar com muita fome e comer exageradamente. Então você compensa demais e restringe a ingestão de alimentos. Aí come em excesso outra vez. Com o tempo, essa dieta “ioiô” pode, na verdade, levar a um maior ganho de peso, um efeito sanfona. Essa abordagem poderá não ser uma forma sustentável de emagrecer e manter-se normopesado, porque o corpo se adapta à redução da ingestão energética às compensações compulsivas.

Jejum intermitente, low carb, dieta cetogênica são estratégias nutricionais, assim como várias outras, de déficit calórico, que não são melhores e nem piores entre si, e podem ser combinadas. No início do tratamento, será melhor limitar uma quantidade menor e não radical de calorias para não ficar com muita fome e fazê-lo de forma sustentável e que se torne um estilo de vida. Restringir consistentemente as calorias provavelmente deixará você faminto se o foco se limitar à energia do prato. Infelizmente, não existe uma abordagem melhor para emagrecimento e manutenção de peso, e o sucesso dependerá de você encontrar a mais adequada às circunstâncias e preferências individuais.

E o que fazer se o déficit calórico não funcionar? Não se aflija. É desanimador quando se está fazendo tudo certo com dieta e exercícios físicos e ainda assim não se consegue emagrecer. Se isso que acontecer, é hora de trabalhar com o especialista para descascar as camadas da cebola. Essas situações podem ser complexas. Entendo que caberá um rastreio laboratorial racional, além de uma revisão minuciosa do estilo de vida, para considerar possíveis alternativas a serem tentadas.

Por fim, um alerta: o centro de regulação do peso no cérebro, o hipotálamo, registra o maior peso alcançado em nossa história de vida como referência ponderal. Isto é, o maior peso que pesei será entendido pelo organismo como aquele que deve ser defendido. Portanto, se você voltar a comer como antes, provavelmente recuperará todo o peso emagrecido. Cabeça de gordo, corpo de obeso. Tenha a supervisão de um nutricionista que poderá calcular um protocolo com plano alimentar à luz das suas necessidades. Informação é prevenção.

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta em uma coluna futura.

Foto: Arquivo pessoal

*Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.