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Coluna Clayton Camargos:o fracasso das resoluções de Ano Novo

O início de um ano novo serve como oportunidade para muitos estabelecerem novas metas e buscarem hábitos mais saudáveis
Foto: Freepik

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“Adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize…” e segue a música que aqui no Brasil é um hino de réveillon. Como todos os anos, milhões de pessoas terão tomado resoluções prometendo melhorias nas suas vidas. Tudo aquilo que percebemos como potenciais derrotas das nossas conquistas terá sido renunciado. Mas embora possa fazer sentido responder às indulgências do Natal com catarse, a tradição das metas de Ano Novo é muito mais antiga do que o estabelecimento da festa cristã ou mesmo a colocação de um novo ano no meio do verão, no caso aqui do hemisfério sul, e do inverno, no norte.

Em 64 AC, o imperador romano Júlio César propôs um calendário reformado, com janeiro oficialmente estabelecido como o início do ano. Dado que esta foi a data em que os cônsules recém-eleitos de Roma iniciaram o seu mandato, marcou uma mudança na ênfase do calendário, dos ciclos agrários para as rotações civis. As festividades romanas do Ano Novo incluíam a adoração de Janus, o deus dos começos e dos fins, que dá nome ao mês de janeiro. Esse foi o calendário juliano, que em 1582 foi reformado pelo Papa Gregório XIII, o conhecido e em curso calendário gregoriano.

O início de um novo ano serve como uma oportunidade para muitos estabelecerem novas metas e se comprometerem com melhores hábitos. Mas o que acontece quando a energia e o entusiasmo depois da virada da folhinha do calendário, e as resoluções de Ano Novo não se materializaram?

Revise seus propósitos para 2023, e perceberá que são quase idênticos aos que fez para 2022 (que eram notavelmente semelhantes a 2021, 2020, 2019 e praticamente todos os anos, tantos quantos se lembrar). Há um ano, tínhamos ambições tão elevadas. Faríamos mais exercícios, usaríamos menos as redes sociais, acordaríamos mais cedo, leríamos mais livros, comeríamos de maneira mais saudável, emagreceríamos, escreveríamos mais, aprenderíamos a meditar…. Começamos fortes.

Mas, algumas semanas depois, quando o calor de janeiro se transformou nos dias carnavalescos de fevereiro, a nossa determinação diminuiu. O Instagram reapareceu em nossas telas e rolamos essa hipnose até tarde da noite. Nossas camas macias pareciam nos apertar com mais força quando o alarme tocou para nossas corridas matinais. Começamos a apertar o botão soneca uma, duas e depois três vezes. E, bem, a meditação nunca teve esperança. Falhamos em grande parte.

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Isso nos impedirá de fazer a mesma coisa neste réveillon? Absolutamente não. À medida que os dias se sucedem na mudança de um ano para o outro, milhões de pessoas decidirão reinventar-se. Em pedaços de papel de embrulho, guardanapos amassados ou em cadernos sofisticados comprados apenas para a ocasião, participaremos do ritual coletivo anual de listar as maneiras pelas quais seremos melhores, este ano.

Segundo pesquisa da Forbes Health/One Pool, a resolução de Ano Novo mais comumente selecionada para 2024 entre os entrevistados foi o condicionamento físico, o que contrasta com as descobertas do ano pregresso. O estudo anterior mostrou que muitas pessoas estavam priorizando sua saúde mental, em vez da física, em suas resoluções para 2023.

Algumas metas são mais comuns do que outras, com os objetivos mais populares incluindo:

  • Melhor condicionamento físico (48%)
  • Finanças melhoradas (38%)
  • Melhor saúde mental (36%)
  • Emagrecer (34%)
  • Dieta melhorada (32%)

Os propósitos menos populares incluem: viajar mais (6%), meditar regularmente (5%), beber menos álcool (3%) e ter melhor desempenho no trabalho (3%). Clique aqui para acessar o estudo.

Se você estiver no campo de estabelecer metas elevadas para 2024, apenas para cair fora do caminho poucos meses (ou semanas) depois, tenha certeza de que não está sozinho. Na verdade, falhar nas resoluções de réveillon é tão comum que há até uma série de datas (não oficiais) comemorando tais fracassos: algumas fontes citam o “Dia das Resoluções de Ano Novo” como 17 de janeiro, enquanto outras denotam a segunda sexta-feira do mesmo mês como “Dia do Desistente”.

A mesma pesquisa mostra que até 80% das pessoas não conseguem cumprir suas metas de Ano Novo até fevereiro. A resolução média dura apenas 3,74 meses. Apenas 8% dos entrevistados tendem a manter suas metas durante um mês, enquanto 22% duram dois meses, 22% duram três meses e 13% duram quatro meses. Dado este histórico nada estelar, vale a pena perguntar: o que faríamos de diferente se realmente quiséssemos cumprir nossos propósitos por mais do que algumas semanas?

Os tipos de metas que você define também são importantes quando se trata de sucesso. Pesquisa publicada na PLoS, sugere que escopos orientados para a ação têm maior probabilidade de resultar em sucesso depois de um ano do que aqueles endereçados à prevenção (58,9% contra 47,1% neste conjunto de dados específico). Clique aqui para acessar o estudo.

As piores abordagens envolvem o que é conhecido como “modulação de resposta”, isto é, a boa e velha força de vontade. Como bem diz o ditado: “quem persevera sempre alcança”. De outra parte, a desproporção de dimensão da meta programada, para além da possibilidade de realização e no limite da razão, quase uma fantasia, também não colabora para que seja atingida e tome concretude. Deseje o factível. Dito isto, não seja coadjuvante das suas perspectivas.

Chamando a mitologia grega, quando Odisseu se aproximou das sereias, cujas canções atrairiam os homens para a morte, ele tapou os ouvidos de sua tripulação e amarrou-se ao mastro de seu navio. Odisseu sabia que enfrentar a tentação sem um plano iria falhar, mais cedo ou mais tarde. Em vez disso, adotou uma estratégia que os especialistas chamam de “mudança de situação”. Esta é, de acordo com uma metanálise de 102 estudos, a melhor estratégia para exercer autocontrole. Prioritariamente, em vez de nos expormos às tentações e esperarmos ter força de vontade para resistir, é melhor evitar enfrentá-las. Clique aqui para acessar o estudo:

A oração do Pai Nosso pede a Deus que não nos leve à tentação. A mudança de situação resolve o problema com nossas próprias mãos. Igualmente importante, envolve prestar muita atenção às nossas circunstâncias sociais. As pessoas ao nosso redor e os grupos aos quais pertencemos têm uma influência substancial no comportamento, que pode ser aproveitada para ajudar a alcançar os nossos objetivos.

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Os grupos ajudam os indivíduos a atingir suas metas, estabelecendo normas sociais e criando um sentido de responsabilidade. Baseando-se em um exemplo evocativo, imagine que você está jantando com um colega de trabalho. Pensando na dieta, você termina a refeição com um pequeno café expresso, enquanto ele se delicia com uma apetitosa fatia de bolo. No tempo em que você toma um gole de sua bebida com tristeza, quais são as chances de se servir de uma colher de sobremesa? Tudo muda, claro, se o seu colega lhe der a opção: “isso é demais para mim. Você gostaria de compartilhar?” Imediatamente, enfrenta-se um desafio de autocontrole que não aconteceu antes; manter sua dieta ou se entregar?

Portanto, quando você elaborar uma resolução para 2024, considere se cercar de pessoas cujas expectativas estejam na mesma frequência das suas aspirações. Afinal, também existe a possibilidade de que alguns indivíduos que integram seu ecossistema contradigam o objetivo que você estabeleceu para si mesmo. Se quiser reduzir o consumo de álcool, por exemplo, talvez seja necessário evitar sair com seus amigos que bebem. Passe um pouco menos de tempo na companhia deles e mais na presença de pessoas cujos comportamentos estejam alinhados com suas intenções. É assim que os grupos podem ajudar a nos tornarmos a melhor versão de nós mesmos.

De toda sorte, a beleza do estabelecimento de metas é que não precisamos de um show pirotécnico na orla de uma praia ou de canhões de confetes para sinalizar um novo começo: você pode se comprometer novamente com seus propósitos a qualquer momento. Na verdade, 1º de junho é não oficialmente conhecido por muitos como “Dia de (Re)compromisso de Resolução de Ano Novo”, nos dando a oportunidade perfeita para fazermos um balanço do estado da arte de nossos objetivos e clicarmos em redefinir, se necessário. O calendário regula começo, meio e fim confirmando que a finitude é inexorável, diante dela devemos renascer para permanecermos existentes.

Uma curiosidade; as pessoas me perguntam o porquê do nome da minha clínica, a Metafísicos, e respondo: nossa meta, seu físico. Entretanto, não tenha como alvo apenas o seu corpo. Tenha como meta ser o protagonista da sua própria vida.

Feliz Ano Novo!

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta em uma coluna futura.

 

*Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

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