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Uma sociedade intoxicada por excessos de psicotrópicos

Será que estamos nos dando conta da amplitude e dos comprometimentos que fomentamos para o que significa o bem viver ou a intolerância a qualquer mal estar?

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A sociedade contemporânea tem sido fortemente **afetada** por um movimento que já é tema de debates em várias áreas de estudos. **Os excessos de medicalização**, principalmente no que se refere ao uso dos remédios **psicotrópicos**, têm sido um assunto tratado de forma muito espontânea e natural por toda e qualquer pessoa, como trocas e dicas de receitas pessoais nas relações sociais.

O **constrangimento** existente no passado ao assumir o uso de tais medicações **já não existe mais**, o que anda acontecendo é uma certa inversão, pois **a queixa** de uma noite mal dormida ou de uma certa **angústia** inerente a nossa condição de vivente é que está se **ausentando** das conversas, o mal-estar comum a ser compartilhado como algo corriqueiro some e **dá lugar a outro tipo de resposta**, afinal: qual é o tolo, ou o fora de moda, que não tem ainda um **Paxil**, um **Frontal** ou um **Rivotril** na sua dieta _healthy fitness_?

Tais trocas de receituários e dicas têm ocupado o lugar das antigas conversas, em que nossas avós se sentavam com as amigas para dividirem suas receitas de culinárias, de crochê e suas preciosas dicas domésticas. Não que os apoios medicamentosos não sejam eficazes, que não sejam indicáveis para que sirvam de estacas e de amparo para determinados momentos e que não tenham um importante peso para determinadas condições psíquicas e psiquiátricas, mas a questão é: **será que estamos nos dando conta da amplitude e dos comprometimentos que estamos fomentando para o que significa o bem-estar e bem viver?**

Estes como outros assuntos evidenciam que o nosso “grande outro dr. Google”, com seu fornecimento de material que nos propicia a detenção e apropriação de saberes, não só sobre nós mesmos, mas, sobretudo, sobre o outro, contribui assim para uma nova matriz interpretativa hegemônica sobre todas as esferas de um conhecimento compartilhado. E como vemos o sofrimento psíquico não escapa a tal escala pasteurizada de imperativos, em sua nova versão estética: _”The cool instagram lifestyle”_.

Há exatos 63 anos, em 1957, o médico americano **Nathan Kline** foi o primeiro a ter seu trabalho divulgado na imprensa, com bons resultados de pesquisas feitas com a **Iproniazida**, substância derivada de um aditivo do combustível que apareceu primeiramente usada como remédio para tratamento da tuberculose e que tinha como efeito colateral um sintoma de euforia. Uma década marcada pela _”promessa de adeus ao baixo-astral e ao sofrimento psíquico”_. Mas foi em 1980 que a modificação determinante para os efeitos polêmicos provocados no que entendemos por bem-estar e felicidade foi desencadeada, com a modificação das categorizações dos sofrimentos psíquicos, feita no **DSM-III** (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

A nova classificação trouxe como resultado um processo de **reconfiguração completa** da forma de descrever o sofrimento psíquico, como nos coloca **Vladimir Safatle** em Neoliberalismo como forma de sofrimento psíquico. Entre os principais fatores que, longe de serem neutros e isentos de valores, mudaram de posição interpretativa ao DSM anterior, temos a depressão.

A individualização das depressões concebida num espectro fora da estrutura mania-depressão e a sua ascensão como quadro clínico principal para se descrever o sofrimento psíquico aparecem como um importante dado para o que hoje se tornou um fator de alerta sobre a intolerância desenvolvida para que os sujeitos suportem experienciar o mínimo de qualquer mal-estar, que, como já colocado por **Freud** há mais de um século, é parte inerente a nossa condição humana.