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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: a dieta olímpica

Você sabia que Michael Phelps era conhecido por comer 10.000 calorias por dia enquanto treinava para as Olimpíadas?
Foto: Freepik

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Os Jogos Olímpicos de Paris estão na sua última semana. É impressionante assistir os atletas participando de tantos esportes diferentes depois de todo o trabalho que fizeram durante os treinos. Alguns como Rebeca Andrade estão competindo após se recuperarem de lesões do aparelho locomotor e outros como Suni Lee e Simone Biles estão convalescendo de transtornos de saúde mental. Esses atletas têm uma equipe inteira à margem, garantindo que tenham todos os recursos necessários para garantir o sucesso. É importante estar saudável se você é um atleta olímpico, mas muito disso tem a ver com estar devidamente abastecido, descansado e priorizar a recuperação.

É surpreendente ouvir relatos de que a vila olímpica carece de alimentos e até mesmo sua qualidade é discutível. Alguns atletas relataram que foram servidos carnes malcozidas e a falta de comida levou até mesmo a equipe do Reino Unido a contratar seu próprio chef particular. A delegação brasileira tem um refeitório exclusivo aos seus atletas, que é supervisionado pelos nutricionistas da comissão técnica. Como você pode perceber, a alimentação é muito importante para os atletas, pois pode melhorar ou prejudicar seu desempenho. 

Isso faz você se perguntar como é a dieta dos tenistas profissionais, jogadores de futebol, estrelas do atletismo, nadadores e outros. Por exemplo, você sabia que o atleta da natação Michael Phelps era conhecido por comer 10.000 calorias por dia enquanto treinava para os jogos olímpicos de Pequim em 2008?  Embora possa parecer muitas calorias para uma pessoa comum, esta pode ser a norma para um atleta treinando durante horas seguidas, dia após dia.

Como você pode imaginar, a dieta de um atleta olímpico é mais detalhada do que a de uma pessoa comum, mas, assim como qualquer indivíduo que consulta um nutricionista, tudo começa com um plano. 

Não importa o esporte, o primeiro passo é rastrear preferências e gostos individuais e levar em consideração se são veganos, sem laticínios, sem glúten e assim por diante. Depois de discutir isso, avaliam-se as demandas de treinamento do esporte, gênero, metas de desempenho e resultados de exames laboratoriais. As necessidades nutricionais podem mudar e variar de acordo com a fase do treino, como folga, competição, recuperação, sessões duplas. Outras considerações são as programações diárias, viagens (domésticas versus internacionais) e disponibilidade de alimentos.   

A falta de combustível tem um impacto significativo no desempenho e nas consequências para a saúde do atleta. Existem diversas abordagens, como os métodos piramidais, começando com uma base que se concentra em calorias adequadas para atender às necessidades energéticas. À medida que subimos na pirâmide, começamos a decompor os macronutrientes, o tempo e outras variáveis ​​mais específicas.

Deve-se atentar para quaisquer fatores de risco subjacentes, lesões ou necessidades especiais que o atleta possa ter. Quando todas essas informações são coletadas, analisa-se a fase de treinamento em que o atleta se encontra. Isso ocorre porque as necessidades gerais e o equilíbrio da dieta mudam com base no volume e na estrutura do treinamento.

Uma grande proibição que a maioria dos atletas olímpicos sabe que deve evitar é o consumo de bebidas alcoólicas durante a temporada de treinamento. O álcool promove a desidratação, atrasa a recuperação e é metabolizado acima de todos os outros nutrientes. Além de ser doping. Outras maneiras pelas quais pode prejudicar um atleta é retardar a síntese de proteínas musculares (a construção e reparação dos músculos) e alterar os estágios do sono, o que é importante para a recuperação física e mental. Por ser um diurético, essas bebidas podem causar desidratação nos atletas, o que tem impacto significativo no desempenho. O álcool também atua como vasodilatador, o que aumenta o fluxo sanguíneo para determinados tecidos do corpo; no caso de uma lesão, isso pode levar ao aumento da inflamação e ao atraso na recuperação.

O sono é um elemento-chave para garantir que o atleta tenha o melhor desempenho. Sempre pergunto sobre os ciclos do sono, pois eles podem fornecer informações sobre os padrões nutricionais que podem afetar a qualidade do descanso. A ansiedade pode atrapalhar o repouso, portanto, se um atleta apresentar problemas de sono ou ansiedade, encaminho para avaliação dos profissionais especialistas em saúde mental.

É preciso raciocinar muito à prescrição de um plano de abastecimento para um atleta olímpico. Portanto, deve-se considerar o número de calorias que eles precisarão ingerir com base no esporte. Lembre-se de que cada esporte terá necessidades diferentes, por isso é útil ter um nutricionista especialista em esportes de alto rendimento nas equipes olímpicas. 

Além das necessidades metabólicas individuais que se baseiam em diferentes composições corporais, como a massa magra, as necessidades calóricas são determinadas pela demanda fisiológica daquele esporte. Atletas de esportes que requeiram maior frequência cardíaca e incluam sessões mais longas precisarão de mais combustível. Por exemplo, se você comparar o tiro esportivo com a natação. As calorias podem diferir em 2.000 a 4.000 calorias por dia – com a natação tendo as maiores demandas de combustível. 

Os atletas de esportes com maior demanda aeróbica precisarão de mais combustível para ajudá-los a acompanhar o ritmo. A maratona geralmente requer uma porcentagem maior de carboidratos na dieta do que esportes baseados em força, como levantamento de peso. Independentemente da modalidade, todos os atletas precisam de carboidratos, mas a porcentagem muda de acordo com o sistema energético que o corpo utiliza.  

Foto: Unsplash

Cada esporte tem suas próprias faixas de calorias baseadas em evidências e atingir esse número requer o uso de uma abordagem de gramas por quilograma de peso corporal. É aqui que testes adicionais são úteis para um nutricionista esportivo que assiste atletas de alta performance. 

Se um atleta fez testes metabólicos para entender melhor sua taxa metabólica em repouso, ou testes de composição corporal, posso usar outros métodos precisos baseados em evidências para ajudar a atender às suas necessidades energéticas – que são principalmente fórmulas que conectam esses valores. Isso também se aplica se um atleta usar um smartwatch ou um anel inteligente. Esses dados nos dão informações para entender melhor a quantidade de energia que gastam diariamente. Os testes laboratoriais também são úteis, pois esses resultados fornecem uma visão de como o corpo do indivíduo está funcionando internamente. Muitas vezes reviso valores laboratoriais como ferro, hormônios tireoidianos, glóbulos brancos, por exemplo, para garantir que um atleta está, de fato, atendendo às suas necessidades, pois às vezes eles variam dos calculados. 

Em vez de se concentrar exclusivamente nas calorias, procuro prescrever um programa para os atletas com base no conhecimento da demanda de exercício, dos objetivos e do horário das refeições durante as sessões de treino. Cálculo a quantidade de gramas de carboidratos e proteínas necessárias durante a atividade e a recuperação, além de líquidos e eletrólitos. Esses fatores podem variar dependendo da refeição anterior que fizeram antes de uma sessão de treino e do acesso à próxima refeição pós-treino. Destaco que em alguns esportes pode ser difícil comer e beber o suficiente durante o treino, por isso é importante que o atleta esteja bem abastecido preventivamente e o foco maior esteja na nutrição de qualidade para recuperação imediata após o treino. Para os desportos que permitem pausas para combustível e têm menor demanda energética, a nutrição de recuperação imediata não é tão necessária, uma vez que normalmente podem contar com a próxima refeição uma ou duas horas após o treino. 

Outro fator que os nutricionistas devem considerar é o local de treinamento do atleta. Treinar em um ambiente quente, úmido ou de grande altitude também pode aumentar as necessidades de combustível e hidratação do indivíduo.

Mesmo com uma dieta bem adaptada, pode haver uma oportunidade de melhoria, e é aí que entram os suplementos. Embora adote uma abordagem que prioriza a alimentação, há algumas circunstâncias em que os atletas podem precisar de suplementos para apoiar sua saúde, com efeito: os atletas podem otimizar o desempenho com comida de verdade e, conforme necessário, usar suplementos para repor ou apoiar o nível intenso de treinamento e recuperação exigido pelo corpo. Isso inclui o uso de suplementos como proteína isolada em pó ou eletrólitos, que podem ser opções convenientes para eles durante as viagens. 

Eu dou preferência aos suplementos, principalmente para apoiar a recuperação muscular e a adaptação ao treino. Estes incluem creatina monohidratada, ômega-3, suco de frutas vermelhas e colágeno hidrolisado. Também podemos recomendar suplementos com base em nutrientes limitados ou ausentes na dieta, a partir de resultados de achados laboratoriais. Nestes casos, podem ser probióticos, vitamina D, ferro, aminoácidos, cálcio ou um complexo multivitamínico e poli mineral.

O cálcio e a vitamina D são provavelmente os suplementos nº 1 que recomendo para apoiar a saúde óssea. Considero também suplementos de ferro, uma vez que muitos atletas, especialmente pessoas que menstruam e atletas de resistência, correm maior risco de deficiência desse mineral. Vale considerar os suplementos de ômega-3 por suas propriedades anti-inflamatórias. E, claro, aconselho cautela quando se trata de suplementação, portanto, é fundamental consultar um nutricionista e/ou médico antes de iniciar quaisquer desses recursos.

Os atletas têm de ser extremamente cuidadosos com os suplementos que consumirão porque precisam de ter certeza de que o que estão tomando está isento de quaisquer substâncias proibidas (narcóticos, certos estimulantes, hormônios androgênicos e peptídicos, para citar alguns), que podem ser identificadas nas testagens antidoping, cancelando suas medalhas ou banindo de competições.

Um atleta olímpico também precisa de uma pausa, depois de trabalhar tanto enquanto treina e compete. No caso deles, ocorre um período de entressafra em que não precisam treinar tão intensamente, mas precisam manter um nível básico de atividade física. Isso também influencia uma mudança em sua dieta, uma vez que eles não necessitam de tanto combustível para a rotina.

A nutrição durante o período de entressafra pode ser diferente. No entanto, ainda nos concentramos na qualidade dos alimentos, focando na cor, gorduras saudáveis, proteínas magras, grãos integrais, bem como monitorando exames laboratoriais para prescrever nutrientes de acordo com a demanda de cada indivíduo. 

A mudança calórica depende principalmente do volume de treinamento do atleta e das atividades que ele realiza fora da temporada para se manter em forma. Se eles gastarem menos energia durante o treinamento, suas necessidades calóricas gerais diminuirão. No entanto, alerto que é importante garantir que o atleta ainda atenda às suas necessidades energéticas básicas para apoiar a saúde geral e evitar ingressar num estado de déficit energético, o que pode, em última análise, afetar a sua recuperação e resposta do sistema imune. Uma conduta bem-vinda é priorizar o consumo de proteínas durante o período de entressafra para ajudá-los a manter a massa corporal magra. 

Noto o período de entressafra como uma oportunidade para alguns atletas se concentrarem em atingir outros objetivos, como ganhar músculos ou até mesmo tentar um estilo alimentar diferente. Para a maioria dos atletas, a diferença na alimentação está na quantidade e na menor estrutura, permitindo um pouco mais de flexibilidade nas escolhas. Também incentivo a pausa nos suplementos durante essa fase, se quiserem, mas não é necessário. Dependendo da abordagem fora de temporada do atleta, a dieta pode mudar para atingir esses objetivos sem afetar o treinamento e o desempenho. 

 

Dicas nutricionais que podemos aprender com atletas olímpicos

Os atletas olímpicos são disciplinados, têm os melhores recursos ao seu alcance e vivem estilos de vida saudáveis. Embora a pessoa média possa não treinar durante horas seguidas ou ter acesso a um treinador ou nutricionista, ainda existem alguns bons hábitos que os atletas olímpicos têm que todos nós podemos seguir. Sugiro que a melhor maneira de fazer isso é planejar, preparar e manter tudo simples. O segredo é construir uma rotina com refeições, horários e ser consistente. Isso inclui priorizar o cozimento em lotes, preparar as refeições, encontrar opções saudáveis ​​para viagens e ajustar as porções às demandas energéticas.  

Se há uma coisa que uma pessoa comum pode aprender com os atletas olímpicos é que você deve abastecer seu corpo de forma regular e consistente. Isso significa que você não deve pular refeições e deve priorizar as proteínas. A proteína é mais bem absorvida quando consumida regularmente ao longo do dia, por isso pode ser difícil fazer duas refeições e esperar absorver todas as suas necessidades de proteína. Além disso, os atletas olímpicos se concentram no consumo de alimentos de alta qualidade para apoiar seu nível de treinamento de elite. Consumir alimentos ricos em nutrientes pode beneficiar quaisquer pessoas, e o foco deve ser consumir uma refeição ou lanche a cada poucas horas. A maioria dos indivíduos pode não precisar da mesma quantidade de calorias que um atleta que treina quatro horas por dia demanda, mas consistência e não demorar muito entre as refeições e os lanches são importantes para apoiar um metabolismo saudável.

Por último, sua dieta não precisa ser perfeita. Mesmo a rotina alimentar de um atleta olímpico não é rigorosa o tempo todo. 

Os atletas olímpicos são como nós e gostam de comer guloseimas, e nem todas as refeições acontecem como planejado. Embora esses indivíduos se concentrem na nutrição de alta qualidade, eles também são flexíveis com a alimentação: comer alimentos de que gostamos, participar de uma festa de aniversário ou ocasiões semelhantes são bons para a alma e apoiam a saúde mental. Os atletas olímpicos, assim como todos os mortais, quando se trata de gostos e preferências de paladares diferentes; têm comidas reconfortantes, comidas favoritas e grandes ojerizas ou tabus alimentares.

Portanto, tenha isso em mente da próxima vez que pedir uma sobremesa e sentir uma pontada de culpa tomar conta de você. Se a Rebeca Andrade está pensando em receitas de bolos enquanto aguarda para performar em um aparelho, você também deve ter o seu momento de prazer pela boca, claro, sempre com parcimônia. 

Informação é prevenção.

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente.

Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado no seu Conselho de Categoria correspondente.

 

*Clayton Camargos é sanitarista pós-graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex-gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

CRN-1 2970.