No Japão, onde a cultura corporativa é conhecida por sua rigidez hierárquica e formalidade extrema, uma solução inusitada tem ganhado força: o serviço de demissão por procuração. Cada vez mais populares entre jovens trabalhadores japoneses, empresas como a Momuri são contratadas para fazer aquilo que muitos evitam — pedir demissão no lugar do funcionário. A reportagem é do jornal The Washington Post.
Fundada em Tóquio, a Momuri — termo que significa “não aguento mais” em japonês — tem se destacado ao oferecer agentes que ligam para o departamento de recursos humanos dos empregadores e oficializam a saída dos seus clientes.
Por um valor que gira em torno de 50 mil ienes (cerca de US$ 350 ou pouco mais de R$ 2 mil), o funcionário evita o desconforto da conversa com o chefe. A demanda, que explodiu após a pandemia, reflete uma mudança significativa no mercado de trabalho japonês.
A cultura tradicional do “emprego para a vida toda”, com jornadas exaustivas e pouca mobilidade entre empresas, tem perdido espaço nos últimos anos. Hoje, jovens de 20 e 30 anos — e até trabalhadores de meia-idade — têm buscado mais autonomia e equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e recorrem a empresas como a Momuri quando percebem que suas condições de trabalho se tornaram insustentáveis ou emocionalmente desgastantes.
De acordo com Shinji Tanimoto, presidente da Momuri, a empresa atende em média 2.500 clientes por mês, número bem superior aos 200 atendimentos mensais registrados quando a agência foi fundada, em 2022. Entre os usuários do serviço estão profissionais que sofrem assédio moral, enfrentam jornadas exaustivas ou simplesmente desejam evitar a tensão de um confronto com superiores.
O modelo de demissão por procuração é considerado um alívio para muitos. É o caso de Toui Iida, de 25 anos, que pagou à Momuri para sair de uma empresa de manutenção depois de ter suas queixas ignoradas. Ele conta que se sentiu aliviado com a confirmação da saída e, desde então, passou a trabalhar na própria agência, ajudando outros a fazerem o mesmo.
Dados do governo japonês mostram que, embora ainda seja baixa, a mobilidade profissional vem crescendo: em 2024, cerca de 3,3 milhões de pessoas mudaram de emprego, em um universo de 68 milhões de trabalhadores. O cenário revela uma mudança de mentalidade que desafia décadas de práticas inflexíveis, como a promoção por tempo de serviço e o culto à lealdade incondicional à empresa.
Para Kaoru Tsuda, pesquisador do Centro de Pesquisa Indeed Recruit Partners, esse movimento indica uma mudança real na forma como os japoneses veem o trabalho. “Hoje há mais oportunidades e os profissionais estão menos dispostos a aceitar condições abusivas apenas para manter um cargo”, afirmou.
Apesar do crescimento, o serviço de demissão por procuração ainda é alvo de controvérsia. Em alguns casos, agências foram investigadas por oferecer orientações jurídicas não autorizadas, como negociar rescisões ou aconselhar sobre direitos trabalhistas — ações que, no Japão, são exclusivas de advogados.
Mesmo assim, a demanda continua alta. Segundo uma pesquisa de 2024 da Tokyo Shoko Research, cerca de 1 em cada 10 empresas japonesas já recebeu pedidos de demissão por meio de terceiros. Para muitos empregadores, a prática ainda causa estranhamento, mas reações como “Ah, entendi” têm se tornado mais comuns, segundo especialistas.
Com a pressão por mudanças, algumas empresas começam a revisar práticas internas para reter talentos e reduzir a evasão. Há casos em que o RH tem buscado compreender melhor os perfis dos novos contratados, adaptando rotinas e benefícios à geração atual.
O impacto da pandemia também contribuiu para esse novo cenário. Keisuke Ochi, de 45 anos, trabalhou por décadas em uma grande distribuidora com o objetivo de se aposentar ali, até que mudanças na gestão e a experiência do home office o fizeram repensar sua trajetória. “Percebi como é precioso jantar com a minha família. Descobri o valor de tempo de qualidade, algo que nunca tive antes”, contou.