A cada quatro anos, o mundo relembra histórias dos Jogos Olímpicos. E, por pouco, eles não foram disputados em Brasília. A paixão por esportes de um empresário e então deputado federal fez com que a Capital elaborasse um projeto para sediar competição de 2000 para Brasília.
Ao longo da vida, Paulo Octávio praticou automobilismo, tênis e judô, entre outras modalidades. Em 1980, com 30 anos, assistiu os Jogos Olímpicos pela primeira vez, em Moscou. Com sua visão empresarial, encantou-se com as disputas e mas enxergou um diferencial: o marketing espontâneo em torno da hoje extinta União Soviética.
Saiu da capital da hoje Rússia com uma ideia: Brasília era a cidade ideal para ser a sede da primeira edição do evento na América do Sul. Estava plantada a semente do primeiro projeto olímpico brasileiro. À época, Paulo Octávio chegou a comentar a ideia com o então embaixador Sinízio Nogueira, que servia em Moscou.
Dez anos mais tarde, a ideia a ganhou contornos de realidade. Em 8 de março de 1990, juntou-se aos então atletas Eduardo Nascimento e Heleno Fonseca Lima para elaborar o projeto dos Jogos Olímpicos Brasília-2000. O trabalho tinha de ser rápido, já que a candidatura de Brasília-2000 deveria ser lançada durante a Copa do Mundo de 1990, na Itália, quando membros do Comitê Olímpico Internacional (COI), convidados pelo então presidente da FIFA, João Havelange, assistiriam à competição.
O primeiro desafio para Paulo Octávio foi conseguir o aliado mais importante: o presidente da República. Em 27 de março, em audiência no Palácio do Planalto, o então presidente Fernando Collor de Mello conheceu uma síntese do projeto, que objetivava fazer a capital e o Brasil mais conhecidos em todo mundo.
Inicialmente, comprou a ideia, mas com um senão. “A candidatura de Brasília pode contar com o apoio do Governo Federal, mas não colocarei um centavo de dinheiro público”, alertou. Após o encontro, Paulo Octávio foi visitar Wanderley Vallim, então governador do DF. Saiu com o apoio oficial foi chancelado no mesmo dia.
Diante das adesões, ele instalou a equipe do Projeto Brasília-2000 em salas de sua propriedade, na 201 Norte. Ganhou, ainda o apoio de Joaquim Roriz, candidato ao GDF. Após ser eleito deputado federal, voltou a Vallim e a Collor, para reforçar apoios, e procurou o então secretário nacional de Desportos da Presidência, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, maior jogador da história do Flamengo.
Com Zico, costurou o decreto que constituía a Comissão Pró-Olimpíada Brasília 2000, sancionada em 31 de setembro daquele mesmo ano de 1990. Vallim nomeou os oito membros: Zico, como presidente; Paulo Octávio, como vice; e os membros Márcio Cotrim, Sérgio Graça Lima, Ronaldo Monte Rosa, Ruy de Lima Casaes e Silva, Antônio Simões e Heleno Fonseca Lima.
Sem dinheiro público na empreitada, Paulo Octávio e Zico fundaram a Associação Brasília Olímpica 2000, sociedade civil sem fins lucrativos, independente da comissão, que tinha como objetivo angariar patrocínios. Com o apoio do influente publicitário Mauro Salles, as portas do mundo empresarial nacional foram se abrindo. Quatro empresas decidiram bancar os custos do projeto: Varig, Perdigão, Sanbra e Bradesco se tornaram sócias-beneméritas da Associação.
No dia 10 de dezembro de 1990, a associação foi oficialmente criada. Paulo Octávio era o presidente, tendo como co-fundadores Mário José Gonzaga Petrelli, Eduardo José da Silveira Nascimento, Heleno Fonseca Lima, Luiz Henrique Scala Manzolillo, Gabriel Domingos Barreto Soares, Carlos Eduardo da Silveira Nascimento, Sérgio Lima da Graça, Mauro Salles, João Carlos Di Gênio, Maria Luiza Dornas, Danilo Ferreira Venturini e Luiz Augusto Vasconcellos.
Em 1991, Paulo Octávio decidiu ir a Atlanta, cidade que sediaria, cinco anos mais tarde, os Jogos Olímpicos do centenário. Queria entender mais da organização do evento e da elaboração do projeto. Recebido pelo presidente do Comitê Organizador de Atlanta-1996, William Porter Payne, conheceu os detalhes e ficou impressionado com o apoio das empresas à candidatura.
Por lá, os patrocinadores só apareceram após a aprovação da cidade pelos membros do Comitê Olímpico Internacional (COI). A agenda também teve visita técnica às obras das instalações desportivas, com destaque para as obras da Vila Olímpica. Mas o que o encantou foi o apoio popular ao projeto olímpico.
Em território nacional, o projeto avançava. Após a escolha e escolha da logomarca da candidatura e da realização da primeira maratona do Correio Braziliense, Brasília-2000 ganhou o apoio oficial do maior jornal da capital, com um editorial assinado com o título “O Correio acredita no sonho olímpico”. Pouco antes, em 12 de abril, o governador Joaquim Roriz encaminhou carta ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), André Richer, pedindo que Brasília fosse oficializada como candidata aos Jogos de 2000.
O time de técnicos ligados ao projeto cresceu, assim como os apoios de deputados, senadores, governadores e autoridades. Pouco antes de Zico deixar a Secretaria de Desportos, que seria ocupada pelo ex-jogador de vôlei Bernard Rajzman, Paulo Octávio ainda esteve em Barcelona, sede das Olimpíadas de 1992, para as primeiras sondagens em torno da candidatura. A concorrência seria pesada: Brasília disputava com Sydney, Milão, Pequim, Berlim, Manchester e Istambul.
Após a primeira viagem oficial do grupo, a agenda seguinte foi o Congresso da Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa), que seria realizado em Havana, capital cubana. Ao chegar lá, em 31 de julho de 1991, o grupo comandado por Paulo Octávio sabia que Fidel Castro, então líder absoluto de Cuba, nutria simpatia pela candidatura de Brasília aos Jogos Olímpicos. A sinalização havia sido dada pelo embaixador cubano, Jorge Bolaños.
Além de comandar a organização de eventos de divulgação da candidatura e de participar da montagem dos showrooms, Paulo Octávio teve um encontro preliminar com Fidel. Na conversa, falou brevemente da pretensão do Brasil e convidou o líder da revolução cubana de 1959 para que comparecesse a um jantar oferecido aos membros do COI e presidentes dos comitês olímpicos da Odepa.
A candidatura de Brasília ganhou, então, o apoio do presidente da Odepa, Mário Vázquez Raña. Pela primeira vez, um país da América do Sul apresentava-se para tentar sediar a competição e ele, mexicano de nascimento e empresário de comunicação, logo se entusiasmou com a ideia. Mas Paulo Octávio saíra do encontro com Fidel sem a confirmação de que o líder cubano estaria no jantar que seria promovido pela delegação brasileira no restaurante Le Cecilia.
O sim de Fidel viria em 5 de agosto, quando um emissário do cerimonial do presidente confirmou a presença. O evento seria naquela noite e o comandante cubano chegou atrasado e cercado de forte esquema de segurança, pois a ilha caribenha estava lotada de turistas. Mesmo com a retirada repentina da delegação norte-americana, o jantar foi um sucesso.
Anfitrião dos Jogos Pan-Americanos de 1991, que começariam três dias depois, Fidel foi a estrela do jantar. Ao saber que Anna Christina era neta de JK, não economizou nas perguntas sobre o ex-presidente, que conheceu em abril de 1959, quando visitou Brasília ainda em obras, já como novo premiê do regime cubano, que fora reconhecido pelo Brasil. Ao se despedir, anunciou o apoio à candidatura.
“Estarei incondicionalmente ao lado de vocês”, disse um enfático Fidel Castro.
O roadshow por Havana colheu apoio não só de Fidel. Os 17 membros das Américas e do Caribe no COI demonstraram simpatia à candidatura, e Vázquez Raña marcou uma visita para outubro, com o objetivo de conhecer a cidade.
Em consenso com o secretário Bernard Rajzman, Paulo Octávio indicou Carlos Arthur Nuzman para ocupar o cargo de diretor-executivo do grupo. Atleta olímpico defendendo a seleção brasileira de vôlei nos Jogos de Tóquio, em 1964, Nuzman presidia a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e era vice-presidente da Federação Internacional de Voleibol (FIVB), o que dava mais peso político.
Em 30 de outubro de 1991, Mário Vázquez Raña veio a Brasília e foi recebido pelos executivos que cuidavam da candidatura. E deu importantes dicas da abordagem ao Comitê Olímpico Internacional (COI). Depois, entregou prêmios a atletas brasileiros, que iriam competir nos Jogos de Barcelona-1992, oferecidos pela comissão da candidatura. Após um dia de compromissos, Vázquez Raña confessou ter aprovado a capital, pelo projeto urbanístico que iria fascinar o mundo.
O projeto vinha ganhando corpo, mas decisivo seria o apoio oficial do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). O GDF já havia encaminhado o pedido de inscrição ao COB, que ficou de analisar a proposta em 10 de dezembro de 1991. Em reunião que contou com expoentes da política desportiva, como João Havelange e Sylvio de Magalhães Padilha, a candidatura poderia ter, enfim, o selo da entidade.
A fala contundente de Havelange coroou os trabalhos. Por aclamação, todos os dirigentes esportivos brasileiros aprovaram a candidatura de Brasília para os Jogos de 2000. Pela primeira vez, a candidatura de Brasília frequentou os mais importantes telejornais do País.
Ainda em 1991, João Havelange viria à capital. O projeto de Brasília-2000 previa a realização do torneio olímpico de futebol em Taguatinga. A visita técnica, feita em 20 de dezembro, deixou boa impressão no então presidente da Fifa, que percorreu os locais destinados às instalações e aprovou os pré-projetos do estádio que iria abrigar as partidas.
Havelange também esteve na sede da Comissão Pró-Olimpíadas, onde sabatinou técnicos, fez sugestões e elogiou o que estava sendo pensado, especialmente a Vila Olímpica e o Centro de Mídias, que ficariam onde hoje é o Noroeste.
A proximidade com os locais de competição, a segurança para os atletas e a possibilidade de as instalações transformarem-se, após os Jogos, em um bairro empolgaram o dirigente. O coroamento do dia seria a reunião de Havelange com o presidente Fernando Collor, na qual o comandante do futebol mundial garantiu que eram boas as chances de Brasília ser escolhida como sede dos Jogos de 2000, e que ele se empenharia para isso.
A vinda de Havelange trouxe prestígio e contatos para a candidatura. Pouco antes de embarcar para o Rio de Janeiro, revelou a Paulo Octávio que iria agendar com o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antônio Samaranch, a entrega da carta que marcaria a inscrição oficial de Brasília como candidata aos Jogos.
Em janeiro de 1992, Havelange estaria na França, para receber a Légion d’Honneur, entregue pelo presidente François Mitterrand. Hospedado pela Federação Francesa de Futebol no Hotel Ritz, teve a oportunidade de apresentar a candidatura de Brasília a eles, que pleiteavam a realização da Copa do Mundo de 1998. Um acordo tácito para o trabalho em torno das duas candidaturas, pois a França contava com dois votos no COI.
Tudo estava andando em ritmo acelerado para o encontro marcado para 7 de fevereiro de 1992, em Courchevel, nos alpes franceses. Naquela manhã fria, com termômetros marcando -3°, Paulo Octávio teve o primeiro encontro com Juan Antonio Samaranch, o presidente do COI. Levado por Havelange, ele capitaneava a delegação, composta ainda por Bernard Rajzman, André Richer, Carlos Arthur Nuzman e Ronaldo Monte Rosa.
Um dos maiores defensores dos Jogos de Barcelona, que seriam realizados naquele ano, Havelange havia aberto os caminhos para que Samaranch recebesse bem a delegação brasileira. Em uma hora, o grupo expôs em detalhes os planos para os Jogos de 2000. Documentos importantes foram entregues ao dirigente, como a carta de indicação do COB e as garantias oficiais do governo. Depois de ver o vídeo preparado para ocasião e folhear o livro da candidatura, revelou que pretendia visitar a cidade em setembro, após a visita dos membros do comitê técnico.
Na mesma viagem, Paulo Octávio e o grupo de dirigentes ofereceram um jantar aos membros do 38° Congresso do COI, no Hotel Byblos. Ao final do evento, Havelange e Sylvio de Magalhães Padilha já contavam com 32 votos – 16 das Américas, 11 da África e cinco da Ásia. O quadro ficaria mais fortalecido na noite seguinte, quando Mário Vázquez Raña, da Odepa, organizou recepção para a delegação brasileira, e discursou dando apoio aos Jogos em Brasília.
Paralelo à costura política, a equipe técnica fechava os projetos das 21 instalações desportivas. Um evento em 21 de fevereiro de 1992, na sede da comissão, marcou o engajamento de Joaquim Roriz, então governador do DF, lembrando que o projeto vinha sendo concebido sem dinheiro público, mas acenando com o apoio necessário.
Naquela ocasião, ao lado de Márcia Kubitschek e Oscar Niemeyer, Paulo Octávio anunciou as cinco empresas e consórcios selecionados para executar os projetos relativos à competição. A cereja do bolo era o projeto de Oscar Niemeyer para a Vila Olímpica. Ele pediu três meses para entregá-lo – o que foi cumprido em 4 de junho de 1992. Fora convidado por Paulo Octávio em abril do ano anterior, e sempre se mostrou interessado.
Na tarde daquele dia, ele conheceu os terrenos que abrigariam a Vila Olímpica e a Vila de Mídia – reservada a jornalistas. A instalação para atletas era bem localizada e fronteiriça a áreas de preservação ambiental. E seu projeto cumpria o prometido, pois integrava-se perfeitamente à capital planejada nos anos 1950: os 19 prédios de seis andares, com 2 mil apartamentos, eram circulares e voltados para jardins com exemplares nativos do Cerrado. Cercado por 6 mil vagas e com uma cidade de serviços de apoio, deixava cada atleta a cerca de 5 quilômetros dos locais de competição.
Um apoio extra daria ainda mais fôlego. Em encontro com Lúcio Costa, no dia 23 de abril de 1992, ele apresentou o pré-projeto e ouviu do urbanista da capital a seguinte frase: “Não pensei em uma Olimpíada quando planejei os espaços de Brasília. Mas não vi nada tão adequado para se adaptar ao projeto original da cidade”.
Descentralização e desenvolvimento
As competições não se resumiriam a Brasília. As cidades estavam integradas no projeto. Taguatinga teria jogos de futebol e competições de luta. O Guará receberia o hóquei e o halterofilismo. Na Granja do Torto seriam sediados os esportes equestres e o pentatlo moderno. Sobradinho ficou com o badminton e o Núcleo Bandeirante com beisebol, esgrima e uma parte da disputa do pentatlo moderno.
O Setor de Clubes Sul receberia tiro e vôlei. O de Clubes Norte, canoagem e remo. A Asa Norte ficaria com arco e flecha e boxe. A Asa Sul com o judô. O Parque da Cidade abrigaria tênis, ginástica e a final do handebol. O complexo olímpico sediaria o atletismo, a final do futebol, hipismo, basquete, natação, pentatlo moderno, polo aquático, saltos ornamentais, nado sincronizado, ciclismo e vôlei.
Essa divisão legaria às cidades instalações desportivas permanentes. Taguatinga teria o Serejão ampliado e modernizado, pronto para abrigar 30 mil pessoas. No Guará, o estádio e o ginásio da Cave passariam a abrigar 25 mil e 6 mil espectadores, com conforto. O ginásio do Gama passaria para 10 mil lugares e o do Cruzeiro, para 7 mil, ocupação quase igual ao de Sobradinho – 6,5 mil. Ainda de pé à época, o Estádio Rei Pelé seria modernizado.
Isso em contar o que seria construído em instalações já existentes, como o Centro Educacional Leste e o Gisno, além de novos equipamentos esportivos em vários pontos do Plano Piloto – o Mané Garrincha e o Nilson Nelson seriam os lugares que mais receberiam obras. Para buscar apoio, outros estados e cidades foram envolvidos na organização. Haveria futebol em Belo Horizonte, Goiânia e Uberlândia. Búzios seria a sede da vela e o Rio de Janeiro ficaria com o remo.
Consolidando-se internamente, a candidatura de Brasília não esquecia dos parceiros continentais. Em 24 de abril de 1992, Paulo Octávio estava em Acapulco, no México, para a assembleia-geral da Odepa. Ali estariam membros com votos no COI, e era preciso buscar apoios, como fariam cidades rivais. Com Carlos Arthur Nuzman fazendo a apresentação, e dando ênfase ao meio ambiente privilegiado de Brasília, o projeto surpreendeu. E veio mais uma boa notícia: Juan Antonio Samaranch, presidente do COI, iniciaria por Brasília as visitas às cidades candidatas aos Jogos de 2000, acompanhando por membros do comitê.
O grupo saiu de Acapulco para Mônaco, onde haveria novo encontro com Samaranch na assembleia-geral das Federações Internacionais dos Jogos Olímpicos de Verão. Novamente com Nuzman à frente, recebeu um feedback animador: o presidente da comissão de Milão admitiu que a proposta de Brasília o deixara “de queixo caído”.
Outra parada importante seria em Barcelona, sede dos Jogos de 1992. Com mais de uma tonelada de material da candidatura, o trabalho era abordar membros do COI presentes. Ação que teria em João Havelange um parceiro essencial, pela sua capilaridade no mundo esportivo.
Para auxiliar na dura tarefa, um showroom da candidatura foi montado no mega-iate El Bravo, de Max Frey – bilionário suíço casado com uma brasileira e que o cedeu ao grupo. Em seus 212 pés, as cabines viraram salas de exibição de vídeos e distribuição de materiais. Ancorado no porto de Barcelona, o El Bravo se tornou uma atração à parte no verão espanhol.
Mas nem mesmo o poder de articulação de Paulo Octávio poderia prever alguns problemas. Joaquim Roriz não viajou para Barcelona. E Fernando Collor, que esteve na Cúpula das Américas, realizada em Madri, não estendeu sua permanência na Espanha para acompanhar a abertura dos Jogos de Barcelona. Sua presença, certamente, auxiliaria na percepção de apoio oficial à candidatura de Brasília-2000.
Ao mesmo tempo, o COI fixou regras mais rígidas para o lobby das cidades. Vetou atividades sociais – como jantares, almoços e coquetéis – e limitou presentes a um máximo de US$ 100. O El Bravo, então, virou uma espécie de embaixada informal do Brasil, por sugestão do empresário Arthur Falk, amigo de Max Frey e intermediador da cessão do barco. Por ali passaram homens importantes, como Antônio Carlos de Almeida Braga, Havelange, Sylvio de Magalhães Padilha e André Richer.
Mas a presença mais influente foi a do casal Lily e Roberto Marinho. O dono das Organizações Globo, antes reticente com a candidatura de Brasília, saiu de Barcelona como um dos apoiadores, após muitas conversas nos 15 dias em que esteve hospedado no El Bravo – chegou, inclusive, a vestir a camisa da campanha.
Com a candidatura homologada junto ao COI, era preciso elaborar o dificílimo Dossiê Técnico exigido pela entidade para embasar a candidatura de Brasília, comprovando as potencialidades para realizar os Jogos. Era escrito em francês e inglês e sua encadernação deveria permitir o desmembramento dos capítulos.
Escrito e paginado entre novembro de 1992 e janeiro de 1993, era acompanhado da carta-garantia do presidente da República, Itamar Franco, que sucedera a Collor após o impeachment. A obtenção deste importante documento contou com um apoio fundamental: o de Fernando Henrique Cardoso. Então ministro das Relações Exteriores, foi ele que disse a Itamar que o projeto era importante para o Brasil.
Os documentos que oficializavam a candidatura de Brasília junto ao COI foram entregues a Juan Antonio Samaranch e equipe no dia 2 de fevereiro de 1993. Paulo Octávio fez uma breve apresentação, entregou o Dossiê Técnico e passou a palavra a Márcia Kubitschek, que, em francês perfeito, deu suas garantias não só como vice-governadora, mas como filha do fundador de Brasília.
No almoço que se seguiu, Paulo Octávio, João Havelange e membros do comitê fizeram o lobby para convencer o COI que Brasília era a melhor cidade da América do Sul para sediar os jogos. Mas já se sabia que o projeto corria riscos. Mesmo dando aos patrocinadores a garantia que a candidatura de Brasília estava mantida, mudanças feitas por Itamar Franco começaram a atingir a pretensão da cidade.
A primeira foi a saída de Bernard Rajzman da Secretaria de Desportos, absorvida pelo Ministério da Educação e entregue a Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo e ex-deputado federal. Com Bernard fora do governo, Nuzman deixou o cargo de diretor executivo da Comissão. E os patrocinadores saíram do projeto em 31 de dezembro de 1992.
Sem apoios, Paulo Octávio passou a bancar salários e custos. Acreditava que novos patrocinadores surgiriam. Mas já se contentava em apenas mostrar a candidatura de Brasília e do Brasil ao mundo em Monte Carlo, no dia 23 de setembro de 1993. Foi com esse espírito que recebeu Juan Antonio Samaranch no dia 15 de fevereiro de 1993.
Em 9 de março, Paulo Octávio e Joaquim Roriz foram a Mar del Plata, na Argentina, para a 30ª Assembleia-Geral da Odepa, onde haveria a chance de retomar o lobby em de Brasília. E Roriz fez uma defesa apaixonada da cidade perante os 13 membros do COI ali presentes.
“Essa é a maior oportunidade que o continente sul-americano tem de revelar ao mundo inteiro as riquezas que aqui existem”, discursou.
Mas o lançamento da candidatura de Buenos Aires como candidata aos Jogos de 2004 deixou uma impressão amarga de que Brasília seria alijada do páreo. No final daquele mês, Paulo Octávio conseguiu novos apoios financeiros para a Associação Brasília Olímpica. Com o caixa reforçado, foi possível receber a missão do COI, que veio avaliar instalações esportivas, condições de infraestrutura e adesão da população.
Em 26 de março, chegaram o sueco Gunnar Ericsson, chefe da inspeção, o nigeriano Henry Edmundo Adefope, o filipino Francisco Elisalde e quatro técnicos e assistentes. Por seis dias, estiveram em 26 eventos, de reuniões técnicas a atividades sociais. Saíram bem impressionados de Brasília, e tudo levava a crer que a candidatura iria chegar com força em Mônaco.
Mas dirigentes esportivos nacionais e internacionais começaram a pressionar pela sua retirada. Ao mesmo tempo, o governo federal não demonstrava atitudes firmes para defender a proposta. A credibilidade internacional começou a ruir graças a posições pouco claras de Itamar, Márcio Braga e do então ministro da Educação, Murílio Hingel.
Em 29 de julho, Itamar Franco pediu a Samaranch o adiamento da candidatura de Brasília para os Jogos de 2004. Alegava condições desfavoráveis na política e na economia nacionais. Neste clima, em 15 de agosto de 1993, a candidatura foi oficialmente retirada. No artigo “Morte na Praia”, publicado pelo Correio Braziliense, Paulo Octávio resumiu seu sentimento.
“A nossa candidatura, além de ter consumido três anos de trabalho de 40 técnicos, movimentando escritórios do porte de Oscar Niemeyer e Ruy Ohtake, cumpriu todos os requisitos exigidos pelo Comitê Olímpico Internacional. A candidatura estava oficialmente inscrita e homologada. Fizemos todo o percurso, ultrapassamos todas as dificuldades. Não perdemos. Fomos vencidos pela pressão interna e pelo adversário externo”.
A convite de Samaranch, ele esteve em Monte Carlo, no dia 23 de setembro de 1993, ao lado de Márcia e Anna Christina Kubitschek, onde assistiu à vitória de Sydney e os bastidores de como se vence uma disputa olímpica. Saiu de lá com a constatação que era preciso afinar a sintonia entre poderes. Apesar do compromisso de Havelange, Itamar e Samaranch, o Rio de Janeiro já se movimentava para se candidatar, cooptando executivos que trabalharam em prol de Brasília.
Sentindo o clima favorável aos cariocas, Paulo Octávio retirou a candidatura. O Rio não conseguiu ser a sede de 2004 – os Jogos foram realizados em Atenas. Mas os cariocas tentaram outras vezes, até conseguirem ser escolhidos, em 2 de outubro de 2009, para realizar os Jogos de 2016, derrotando Madri por 66 votos a 32.