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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: A mulher do diabo é a diabete

Açúcar é ruim porque causa disbiose no intestino, favorecendo a inflamação/síndrome metabólica

“O açúcar é uma criação do diabo. Por isso a mulher dele é a diabete!” Reserve a piada ao seu lugar de galhardia. O açúcar faz mal, mas não pelo motivo que você pensa. O açúcar não é ruim porque aumenta o nível de glicose no sangue. O açúcar é ruim porque causa disbiose no intestino, aumentando as endotoxinas e favorecendo a inflamação/síndrome metabólica. 

Desde o início, é importante ressaltar que o “açúcar puro” – pense em açúcar de mesa = sacarose e xarope de milho rico em frutose – tem efeitos diferentes no corpo àquele consumido como parte de frutas/suco de frutas/mel etc. Chegaremos a isso, adiante. A maioria acredita que o “açúcar puro” é ruim para você porque eleva a glicose no sangue, mas há uma escassez de evidências que realmente sugiram que aumentar o açúcar no sangue seja prejudicial para os seres humanos, independentemente do diabetes preexistente.

Embora a variabilidade glicêmica possa indicar síndrome metabólica subjacente, é a síndrome metabólica que é o problema, não o aumento da glicose no sangue em si. Este é um ponto muito importante.

Há muitos exemplos de seres humanos selvagens que consomem a maior parte de suas calorias com carboidratos. Nenhuma população selvagem – que não come alimentos ultraprocessados – ​​apresenta evidências de resistência à insulina.

Por exemplo, considere os Hadza da Tanzânia, para quem o mel é o alimento mais desejado, e que representa 10-20% de sua dieta na estação chuvosa, além do açúcar das frutas, que eles apreciam – apresentam uma saúde metabólica excepcional. Ou tenha em conta os Tukisenta da Nova Guiné, que comem uma dieta composta 90% por carboidratos e permanecem magros, em forma e metabolicamente saudáveis. E os caçadores-coletores Mbuti do Congo que também valorizam o mel e o comem como a maioria de suas calorias na estação chuvosa, mas permanecem metabolicamente saudáveis ​​durante todo o ano. 

Portanto, temos um bom número de exemplos humanos comendo “açúcar” e/ou aumentando o nível de glicose no sangue com frequência, o que não resulta em síndrome metabólica. Embora o açúcar no sangue esteja elevado no diabetes, isso é um sintoma e não uma causa. Ponto final. Claro, há de se considerar a movimentação corporal de indivíduos na natureza selvagem frente aos corpos sedentários de centros urbanos, e as respectivas repercussões metabólicas. Se você discorda disso, por favor, mostre-nos evidências de que aumentar o nível de açúcar no sangue, independentemente de resistência à insulina, é prejudicial aos seres humanos.

Agora que já esclarecemos isso, vamos entender por que o “açúcar puro” (sacarose, xarope de milho rico em frutose) é prejudicial. Há muitas evidências de que o “açúcar puro”, também conhecido como açúcar processado, leva ao aumento de endotoxinas – também conhecidas como LPS (um componente da parede celular bacteriana gram-negativa, isto é, lipopolissacarídeos derivados de bactérias gram-negativas) – no corpo.

O consumo de sacarose ou dieta rica em sacarose e gordura (DRSG) levando ao aumento dos níveis de endotoxinas – conhecida como endotoxemia metabólica – foi demonstrado em humanos e modelos animais. Há também evidências claras de que níveis séricos mais elevados estão correlacionados com resistência à insulina/síndrome metabólica, inflamação e obesidade. A administração intravenosa de endotoxinas em humanos também leva à resistência à insulina e à inflamação do tecido adiposo. 

Por outro lado, dar a humanos ou animais alimentos que contenham sacarose, como mel, frutas ou suco de frutas, não aumenta os níveis de endotoxinas, não leva à resistência à insulina ou inflamação. Que tal isso? Em um estudo, dois tipos diferentes de mel mostraram reverter a inflamação causada por sacarose e DRSG em ratos ao afetar o microbioma intestinal, diminuindo assim os níveis de endotoxinas. Isso provavelmente ocorre porque o mel contém muitos compostos que previnem a disbiose induzida por “açúcares puros”.

Já que estamos falando sobre mel, devo também destacar um estudo em humanos que mostrou que sua administração melhorou as métricas de tolerância à glicose ao longo de um período de 8 semanas. Isso contrasta fortemente com o “açúcar puro”/DRSG, que são conhecidos por piorar esses indicadores em humanos. Da mesma forma, tanto o suco de laranja quanto o suco de maçã “turvo” demonstraram atenuar os níveis aumentados de endotoxinas causados ​​por “açúcares puros”.

Padrões alimentares “saudáveis” que incluem frutas e bagas também demonstraram estar associados a níveis mais baixos de endotoxinas em humanos. Portanto, há evidências bastante expressivas de que “açúcares puros”, como sacarose e xarope de milho rico em frutose, causam disbiose, levando ao aumento dos níveis de inflamação por elevação de endotoxinas, resistência à insulina etc. 

E há evidências bastante claras de que alimentos que contêm açúcar natural, como mel, frutas e sucos de frutas, na verdade fazem o oposto – provavelmente por causa das centenas de compostos, sobretudo antioxidantes, que eles contêm, impedindo o crescimento excessivo de bactérias nocivas no intestino e mitigando o aumento de endotoxinas.

Há também dados históricos de humanos selvagens (como caçadores-coletores) que comem muito mel/frutas ou carboidratos em geral – certamente “aumentando” o nível de glicose no sangue, e não desenvolvem evidências de resistência à insulina, obesidade e seus desdobramentos.

É quase como se comer alimentos que ocorrem na natureza fosse bom para nós – vejam só, quão simples e elegante! – enquanto comer alimentos que foram excessivamente modificados/processados ​​leva a doenças. De toda sorte, se eu disser isso, há chances de ser ridicularizado por acreditar em algum tipo de falácia natureba de hocus-pocus haribô. 

Com este texto estou dizendo que mel, frutas/suco de frutas não tornam alguém diabético, mas o consumo excessivo de “açúcares puros” como sacarose e xarope de milho rico em frutose certamente tornarão.

Essa é uma distinção muito importante, e entendo que os mecanismos que explicam por que os açúcares puros” causam resistência à insulina, enquanto o mel e as frutas não, são fascinantes. Se você é portador de diabetes, deve encerrar o “açúcar puro”. Se você porta diabetes, também é razoável não consumir mel/frutas em excesso, mas uma quantidade moderada deles pode realmente ser útil para o seu microbioma intestinal.

Se não extrair mais nada disto, espero que esta coluna sirva como um ponto de partida para reflexão e discussão, rejeitando a noção de que qualquer coisa que aumente seu nível de açúcar no sangue é prejudicial. Essa crença é reducionista e não apoiada pela literatura. Agora vá comer uma maçã ou se delicie com uma colher de chá de mel produzido na fazenda mais próxima de você. 

Informação é prevenção. Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente. Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado no seu Conselho de Categoria correspondente.

 

*Clayton Camargos é sanitarista pós-graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex-gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

CRN-1 2970.

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