Quando eu tinha uns 12 anos, em uma noite com a família no Carnaval, meu tio pediu para que eu fosse até a sala de TV ver qual era a escola de samba que estava desfilando. Na tela, li o nome e voltei com muita convicção: “É a Marquês de Sapucaí”. A gargalhada foi instantânea. O equívoco virou piada familiar, repetida todos os anos, como um refrão de samba-enredo.
Não sei exatamente quando começou o desejo, mas cresci com o sonho de assistir ao vivo ao desfile na Sapucaí. Todo Carnaval, a televisão me transportava para aquele universo de cores, ritmos e grandiosidade. Neste ano, recebi um convite da Pandora e embarquei para o Carnaval no Rio de Janeiro.
Cheguei ao sambódromo carregando uma expectativa imensurável. O coração disparava como um batuque da bateria. Eu queria ver tudo ali na frisa (área do camarote que fica mais perto da avenida), grudada na grade. A Mangueira, minha escola do coração, herança afetiva de minha mãe, Teresa. A Beija-Flor e sua força lendária. A Portela azul e branca como o céu. O Salgueiro incendiário. A Grande Rio, hipnotizante com sua rainha Paolla Oliveira. Eu queria sentir na pele o que sempre vi pela TV. E senti.
No camarote em que eu estava, a escola de samba chegava já com meia hora de desfile – mas enquanto isso, todos já iam aprendendo os versos do samba-enredo. Como uma cortina de teatro, quando a avenida se abre para avistarmos os primeiros integrantes da comissão de frente, tudo ganha novas dimensões. A Sapucaí pulsa, respira, grita. Um organismo vivo feito de suor, paixão e composição impecável.
“Harmonia”, “Força Carro”, “Ateliê”, “Apoio de Bateria”, “Técnica”, “Diretoria”. As palavras estampadas nas costas das camisas do staff revelam histórias silenciosas de quem trabalha em cooperação para fazer a mágica acontecer. E enquanto eles fazem a roda girar, eu me entrego à ilusão perfeita de que cada escola está desfilando só para mim.
O brilho das fantasias é hipnótico. Os carros alegóricos são castelos ambulantes de criatividade. As coreografias, milimetricamente ensaiadas, parecem desafiar o tempo e o espaço. De repente, um detalhe me escapa e depois me agarra: a ala da Viradouro não finge ser bombeiro, ela é bombeiro. A fumaça que sai das roupas é real.
As baianas rodopiam como se a Terra girasse ao redor delas. O casal de mestre-sala e porta-bandeira desenha no ar um bailado ancestral. As passistas sambam sobre saltos impossíveis, de onde tiram força? Os garis, operários desse teatro a céu aberto, assistem por um instante, registram selfies quando o carro passa. E, ao final, tomam a Sapucaí para si, limpam a avenida com um ritmo próprio, entoando o samba-enredo como um hino de devoção.
A cada desfile, minha alma se entrelaça mais com o espírito carnavalesco. Basta ouvir algumas vezes um samba-enredo para que ele grude na pele, no peito. A bateria não toca, ela reverbera dentro de mim. O público vibra, sorri, chora, canta como se fosse o último carnaval da vida. Os cantores do carro de som são os últimos a deixar a passarela. Atrás deles, os “Amigos da Escola” caminham com a expressão de quem concluiu um ritual sagrado.
Doze escolas desfilando. Três noites sem dormir. Três madrugadas entregues ao inenarrável. Volto ao hotel quando o sol nasce – e dou aquela escapadinha na praia para ver esse presente da natureza. Exausta e, ao mesmo tempo, completamente preenchida. E agradecida. Como dizia Elis Regina: “viver é melhor que sonhar”.
E se me permitem, volto ao começo. Talvez aquela menina de 12 anos não estivesse errada. Porque a Marquês de Sapucaí não é só um endereço. Ela é, de fato, uma entidade viva que desfila, canta, pulsa. E como desfila.