Conciliar o papel de mãe com a liderança de um negócio próprio é mais do que um desafio de agenda: é um exercício constante de presença, renúncia e força emocional. Para muitas mulheres, empreender após a maternidade não é apenas uma escolha profissional — é também uma resposta às mudanças internas que a chegada de um filho provoca. Em comum, quase todas que vivem esse cenário escolheram abraçar a jornada dupla estando à frente de um negócio com coragem e afetividade, mesmo diante de uma rotina exaustiva e repleta de exigências.
Em muitos casos, o nascimento de um filho marca também o de uma nova mulher e uma nova profissional. Foi o que aconteceu com Lissa Cisneiros, mãe do pequeno Levi, que viu no puerpério uma oportunidade de reencontro consigo mesma. “É como se eu tivesse renascido junto com o Levi”, diz. Lissa, que trabalhava com moda, passou por dificuldades com a amamentação e buscou, nas flores, um espaço de cura e reconstrução. “As flores me curaram em muitos sentidos.”
Assim nasceu a Lis Flowers, empresa de arranjos florais que se tornou extensão do processo de autoconhecimento e liberdade. Para ela, empreender foi também uma forma de criar uma rotina mais conectada com a própria maternidade, já que passou a trabalhar em casa, perto da família.

Lissa e Levi
Já Bebel Lobão, ainda grávida da primeira filha, tomou uma decisão antes mesmo do nascimento: deixou a carreira na engenharia civil para se dedicar exclusivamente à Azul Joias, sua própria marca. “Chegou num ponto que eu decidi assumir o cargo de CEO da Azul Joias. Então, acabei me afastando da minha vida de engenheira civil, onde eu era sócia do meu pai, para me dedicar 100% à Azul“, conta.

Bebel e Francesca
A presidente do Conselho da Mulher Empreendedora e da Cultura do Distrito Federal (CMEC-DF), Beatriz Guimarães, explica que esse movimento de transformação é recorrente entre as mães. “Maternidade e empreendedorismo não são caminhos fáceis, mas podem ser profundamente transformadores. A gente aprende a priorizar, a escutar mais e a liderar com o coração“, comenta.
No entanto, ela alerta para uma realidade não tão bonita por trás dessas escolhas. “Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que cerca de 50% das mulheres saem do mercado de trabalho formal após a maternidade — não por escolha, mas por falta de estrutura de apoio“, observa. Empreender, então, vira então uma alternativa, mas que também carrega peso emocional e físico. “É como viver em dois mundos que exigem 100% de você o tempo todo”, ressalta Beatriz.
Quando o trabalho nunca para
Se para algumas mulheres a maternidade marca um ponto de partida, para outras, a rotina nunca desacelerou. É o caso de Mirella Montella, sócia local do Grupo Alife Nino, dona da Dulce Patagônia e mãe da pequena Martina, que literalmente trabalhou até o último dia da gestação. “Martina nasceu dia 9 de agosto, no domingo, 8 de agosto, eu ainda estava no batente, foi um Dia dos Pais com loja aberta”, lembra.

Mirella Montella e Martina
Apenas dez dias depois da cesariana, Mirella já estava de volta ao trabalho — e não porque queria provar algo, mas porque precisava. A maternidade, para ela, veio acompanhada de senso de urgência e resistência.
A arquiteta Marcella Schiavoni vive situação semelhante. Embora busque conciliar os turnos com o filho — manhãs em casa, tardes no escritório, noites no computador —, ela nunca chegou a se desligar do trabalho.
“Durante a gestação, eu trabalhei muito, até a exaustão. No último mês, consegui pisar um pouco no freio para me preparar para receber o novo membro da família. Minha participação nos projetos é muito ativa, então eu não pude me ausentar por completo no pós-parto. Consegui reduzir o ritmo e me distanciar um pouco, mas não me ausentei totalmente nem por um único dia”, revela a arquiteta.

Marcella Schiavoni e Antonio
Se há um ponto em comum entre todas as histórias se chama rede de apoio. Sem ele, muitas mães não conseguiriam empreender e cuidar de seus filhos ao mesmo tempo.
“Ter alguém que fique com a criança quando há uma reunião importante, poder contar com políticas públicas de creche em horários flexíveis, tudo isso faz diferença”, diz a presidente do CMEC.
Mirella, por exemplo, optou por não contratar babá, mas conta com a mãe e os avós na criação de Martina. “Esse suporte é o que me permite trabalhar com tranquilidade e me dedicar ao que precisa ser feito, sabendo que minha filha está bem cuidada e cercada de amor”, comenta.
Já Bebel trouxe do Maranhão a babá que cuidou dela e de seus irmãos na infância. “Ela está na família há 27 anos e ela hoje é quem cuida da minha filha com muito carinho e amor e me traz toda tranquilidade de conseguir me afastar às vezes para trabalhar, para me dedicar à minha empresa e estar com ela quando eu posso”, conta a empresária.

Bebel e Francesca
Para Lissa, o apoio também é emocional: “Saber que estou cercada de amor, de pessoas que acreditam em mim e que amam meu filho tanto quanto eu, me fortalece”.
Beatriz reforça a importância desse suporte, mas destaca a urgência de um respaldo mais institucional. “Precisamos de políticas públicas voltadas à parentalidade empreendedora: licença maternidade-paternidade, acesso a crédito específico, capacitação, flexibilização de impostos no pós-parto, inclusão de creches públicas com horários flexíveis e em zonas comerciais. A ausência de políticas cria um ciclo de exclusão que afasta as mães do crescimento econômico“, analisa.
Segundo ela, o CMEC tem atuado com programas de capacitação, encontros de escuta ativa, apoio ao acesso a crédito e advocacy por políticas públicas específicas. “Iniciativas como as Missões Empresariais, os Fóruns de Liderança Feminina e os encontros de rede têm fortalecido mulheres com filhos pequenos e médios negócios. O nosso foco é escuta, formação e construção de uma ambiência mais justa”.
Sem motivo para culpa
Para Beatriz, é possível perceber uma mudança geracional em curso. Segundo ela, as novas gerações de mulheres empreendedoras são mais conscientes e sentem menos culpa: “Elas constroem negócios com propósito, priorizam a saúde mental e redes de apoio, e rejeitam o modelo de mulher-heroína”.
Uma prova dessa constatação pode ser vista na experiência de Lissa, que afirma que seu filho a inspira a empreender com propósito, enquanto Marcella acredita que filhos precisam de mães felizes — e que isso inclui, claro, a realização profissionalmente.

Lissa e Levi
Para além dos obstáculos, a maternidade também modifica — para melhor — o jeito de liderar. “Desenvolvemos mais empatia, resiliência, flexibilidade e visão de longo prazo”, afirma a presidente do CMEC-DF.

Marcella Schiavoni e Antonio