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Criadora do primeiro festival de mulheres negras do País, arte foi fundamental na trajetória de Jaqueline Fernandes

Natural de Planaltina, a brasiliense Jaqueline Fernandes, de 43 anos, hoje se define como comunicadora, ativista, gestora cultural e artista, porque é difícil encontrar uma única palavra que se aproxime de todas as funções abraçadas e atribuídas a ela.

Diferente da realidade no Plano Piloto, Jaqueline viveu em locais com altos índices de violência durante a infância, inclusive dos maiores índices de letalidade contra a juventude negra. Acompanhar e fazer parte desse cenário se tornou combustível para ela entrar no ativismo e tentar mudar a realidade.

Filha de empregada doméstica que criou três filhos, ela diz que as dificuldades e contradições enfrentadas na comunidade sempre chamaram a atenção. “Só que eu sempre fui juntando a minha inquietação com as coisas que eu via, que me indignavam, com os problemas sociais e o racismo”.

A arte foi um dos primeiros caminhos que a fez encontrar o seu propósito. Muito ligada a diferentes linguagens artísticas desde a infância, Jaqueline começou através da dança, com o jazz, foi para poesia e depois criou uma banda de rock.

“Eu estava querendo me comunicar e quando eu quis que essas coisas que eu estava fazendo fossem visibilizadas, eu comecei a fazer produção sem querer”, diz. Foi aí que entrou na produção cultural. Ela conta que foi intuitivo, quando percebeu já estava fazendo produção para a sua banda, conversando com pessoas e pensando em eventos.

Ela é criadora do Festival Latinidades, o primeiro festival de mulheres negras do Brasil, realizado pelo Instituto Afrolatinas — também idealizado por Jaqueline —, que tem como objetivo a formação e impulsionamento de trajetórias dessas mulheres, além do fortalecimento da identidade, em busca de um mundo mais justo, desde 2008. 

“Eu não sei se eu sou ativista e o trabalho por isso, ou se eu trabalho e trago o ativismo no trabalho”, comenta

Atualmente está mais ligada à poesia, literatura, design de moda, e curadoria. Há alguns anos, teve uma marca, mas hoje cria apenas roupas uma vez por ano, para o festival. “Sempre tenho alguma coleção de camisas, moletons, sempre coloco um dedo ali”, comenta. 

Como tudo começou

O primeiro insight de Jaqueline que a fez entender melhor o contexto em que estava inserida e o mundo à sua volta foi aos 13 anos, quando recebeu um fanzine — uma publicação informal produzida por entusiastas de uma cultura particular — em que questões econômicas e sociais no Brasil eram problematizadas.

“Quando eu peguei aquilo na rodoviária aqui de Brasília, eu comecei a falar: é sobre isso que eu me indigno, são essas coisas que eu me pergunto e ninguém fala sobre. E aí eu começo a entender a relação desses movimentos sociais através do movimento punk”, lembra. Ela diz que o movimento punk a explicou muita coisa sobre política, mas foi o movimento hip-hop, mais tarde, que a “racializou”.

“O Brasil é racista e várias coisas que eu estou indignada têm a ver com esse racismo estrutural. Esses jovens que estão morrendo, a violência doméstica que a minha mãe sofre, o contexto de falta de direitos trabalhistas, de falta de grana que ela tem como doméstica. E aí o hip-hop vai me fortalecendo e me explicando essas coisas”, explica.

Entre 16 e 17 anos, Jaqueline começou a estudar e entender melhor questões raciais, mas ainda não se afirmava uma mulher negra, porque não se via dessa forma. A virada de chave se deu quando passou a conviver com outras mulheres negras: “Sendo uma das pessoas menos retintas da minha família e da minha comunidade, eu demorei ainda mais, quase uma década, para falar que eu sou uma mulher negra”,

Sobre os motivos que a levaram a demorar para se reconhecer uma mulher negra, a ativista diz que são inúmeras questões e que o racismo no Brasil é um “crime perfeito”. “Ele cria essa confusão de identidade. Na minha família, por exemplo, por ser uma pessoa não retinta, tinha falas da minha avó, da minha mãe, que era como se fosse quase um alívio”, analisa.

Atuação

Jaqueline é formada em jornalismo e tem especialização em políticas públicas em gênero e raça. “Desde cedo,eu queria muito ser jornalista. Eu falava e as pessoas da minha família, na escola, achavam que eu estava ficando maluca, porque a gente não tinha referência de pessoas formadas. Ninguém na minha família tinha um diploma de educação”, diz.

Na universidade, começou a se interessar por estudos sobre América Larina e Caribe e comunicação política, mas decidiu focar na produção cultural. Quando se especializou em gestão de políticas públicas na Universidade de Brasília (UnB) recebeu um convite para trabalhar para o governo, como subsecretária de cidadania e cultura.

“Aí foi quando eu comecei a colocar toda uma vivência da prática com aquilo que eu tinha acabado de absorver na especialização para fazer um trabalho sobre ações afirmativas dentro da cultura”, conta Jaqueline.

Em 2019, Jaqueline deixou o governo para voltar a ficar à frente da organização do festival e do Instituto Afrolatinas. Neste mesmo ano, o Latinidades foi realizado pela primeira vez fora de Brasília. São Paulo foi a primeira a receber e apoiar o evento no ano em que não teve apoio na capital federal.

A última edição se expandiu ainda mais e foi para outras cidades, como forma de retribuição às visitas que recebia de pessoas de todas as regiões do País e até do exterior. Em 2024, além de Brasília, o evento foi realizado em Salvador, São Paulo e Goiás.

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