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Artigo | Compliance de gênero; um passo rumo à equidade global

Mercado de trabalho carrega marcas profundas da desigualdade de gênero, mas há uma ferramenta poderosa para virar o jogo

Toda mulher conhece a sensação de ter que provar duas vezes mais para ser reconhecida pela metade. O mercado de trabalho ainda carrega marcas profundas da desigualdade de gênero, mas há uma ferramenta poderosa para virar esse jogo: o compliance de gênero. Ele não é apenas uma regra corporativa, mas um compromisso com a equidade e o reconhecimento da competência feminina para garantir que essa igualdade não seja apenas um discurso, mas uma prática consolidada no mundo corporativo.

Mas antes de aprofundarmos no assunto, precisamos entender o termo compliance cuja origem vem do latim complere que significa “cumprir completamente”, e no inglês “to comply“, que remete a “obedecer” ou “estar em conformidade”. No âmbito jurídico, compliance refere-se à implementação de mecanismos de controle e governança, voltados para a prevenção, detecção e correção de condutas ilícitas dentro de organizações.

A Academia Brasileira de Letras define compliance como a criação de procedimentos para mitigar riscos e garantir a conformidade com normas legais e regulatórias. Diante da crescente complexidade regulatória e da necessidade de transparência corporativa, o compliance tornou-se um pilar essencial para a integridade das instituições.  O conceito de compliance de gênero é ampliado para incluir a diversidade e a inclusão, especialmente no que diz respeito à representação e ao tratamento de mulheres no ambiente corporativo.

As atividades econômicas do mundo vem reconhecendo a importância de uma governança que inspire e transforme, integrando a ética, a diversidade, a transparência, a inovação e a transformação socioambiental para além de criar ambientes de trabalho inclusivos, onde a diversidade de gênero seja valorizada e promovida. Esse é o entendimento da leitura do Relatório Anual de 2023 do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC 2023. 

Políticas públicas, stakeholders, governos e agências reguladoras de diversos países ao redor do mundo têm implementado políticas que promovem a igualdade de gênero, a exemplo de implementação de plano de carreira e como pré requisito para habilitação de empresas aos processos licitatórios para compras governamentais. Nesse sentido, o Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2023 do Fórum Econômico Mundial informa que os países nórdicos lideram o mundo na redução da disparidade de gênero e, nos últimos anos, se enraizaram no topo do ranking global. 

O relatório enfatiza que em 2003, a Noruega implementou uma política ousada: empresas eram obrigadas a garantir que pelo menos 40% de seus conselhos administrativos fossem compostos por mulheres. Vinte anos depois, o impacto é inegável. 

O mesmo relatório informa que a Suécia é amplamente reconhecida como referência em Compliance de Gênero. O País ocupa o 4.º lugar (em 142) no ranking do Fórum Económico Mundial que mede a igualdade de género (depois da Islândia, da Finlândia e da Noruega). Existem leis rigorosas que exigem a igualdade de remuneração para trabalhos de igual valor, visando eliminar a disparidade salarial de gênero. Além disso, o governo sueco promove ativamente a presença de mulheres em cargos de liderança, tanto no setor público quanto no privado, além de licenças parentais igualitárias que incentivam a participação equitativa nos cuidados infantis. Essas iniciativas posicionam a Suécia como um modelo global na implementação de práticas de compliance de gênero, servindo de inspiração para outras nações que buscam promover a igualdade de gênero em suas estruturas sociais e corporativas. 

Na União Europeia, a Diretiva 2014/24/EU permite que os Estados-Membros considerem aspectos sociais, incluindo igualdade de gênero, nos critérios de adjudicação de contratos públicos. Embora não seja uma exigência obrigatória para todos os contratos, a diretiva fornece uma base legal para a integração de considerações de gênero nas políticas de compras governamentais. 

Em outro hemisfério geográfico, o Diversity Council Austrália informa sobre as boas práticas de governança do país. A Política de Compras Sustentáveis incentiva a consideração de fatores sociais, como igualdade de gênero, nos processos de aquisição pública. Ainda que não seja condição legal obrigatória, há um incentivo claro para que as agências governamentais promovam a inclusão e a diversidade em suas contratações. Um exemplo é a Política de Aquisição de Negócios Indígenas, que visa aumentar a participação de empresas de propriedade indígena nos contratos governamentais. 

Outro exemplo que enriquece o que estamos falando é o governo canadense que implementa a Política de Compras Inclusivas. Recentemente, em 20 de janeiro deste ano, foi publicada no jornal oficial do Governo nova regulamentação que facilitará a  contratação de mulheres, pessoas com deficiência, minorias, populações indígenas para cargos de elevada responsabilidade, indo em direção oposta a política adotada pelo país vizinho, Estados Unidos, sobre inclusão e diversidade. 

No Brasil, porém, a realidade ainda é outra. O compliance de gênero tornou-se uma exigência legal com a Lei nº 14.457/2022 que estabelece diretrizes para a promoção da igualdade de gênero no ambiente de trabalho. Entretanto, a sua obrigatoriedade se restringe a empresas com mais de 20 funcionários, que atuem em setores específicos definidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que desenvolvam e executem um Programa de Compliance de Gênero. 

A busca pelo direito ao reconhecimento da força do trabalho feminino encontra amparo constitucional nos artigo 5º, I e 170 da CF/88, cuja análise deve ser respaldada em uma ótica multidimensional que contemple garantias estruturantes que não estejam em nível de subordinação nas estruturas organizacionais dos grandes grupos de econômicos. A carta magna confere prioridade aos valores da igualdade e da dignidade humana, tendo como premissa a diminuição das desigualdades sociais a partir da distribuição igualitária de bens públicos e da igualdade de oportunidade, o que é assegurado pelos direitos fundamentais sociais. 

Se por um lado esses comandos constitucionais constituem respaldo à luta pelo reconhecimento da força de trabalho feminino, de outro a exigência de compliance de gênero para transação da iniciativa privada com o setor público é considerada inconstitucional pelo princípio da isonomia que proíbe qualquer tipo de discriminação, inclusive no âmbito das contratações públicas. Tal regra violaria diretamente o artigo 37, inciso XXI da Constituição. 

Embora o impasse persista, ele abre caminho para inovações normativas e sociais capazes de transformar as relações institucionais, contribuindo para a construção de um ambiente mais justo, igualitário e sustentável para todos.

Mas se o ritmo atual for mantido, serão necessários mais de 130 anos para que homens e mulheres alcancem plena igualdade no mercado de trabalho, segundo o Fórum Econômico Mundial. Em um mundo que se diz moderno e progressista, por que a equidade de gênero ainda parece uma promessa distante?

*Escrito por Claudia Maldonado: advogada com especialização em Administração e Marketing. Referência no setor de turismo, é
Presidente do Brasília Convention & Visitors Bureau e vice-presidente institucional da UNEDESTINOS, também é leader no BRICS WBA. No CODESE-DF é lider nos eixos de Turismo, Esporte, Cultura e Economia Criativa. Com assento nos Conselhos Nacional e Distrital de Turismo, é sócia da Smart Ways Consultoria Ltda e embaixadora do Clube de Mulheres de Negócios de Portugal, promovendo conexões estratégicas e inovação no setor.

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