O aumento do tempo que crianças e adolescentes passam em frente a telas está moldando a maneira como eles interagem com o mundo externo e ao mesmo tempo, gerando efeitos negativos sobre a saúde mental. O uso excessivo de dispositivos eletrônicos por crianças e adolescentes é algo que me preocupa.
Um estudo recente realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou um dado alarmante: 72% das crianças avaliadas apresentaram um aumento da depressão relacionado ao uso de dispositivos eletrônicos.
O que mais atrai nas telas é a busca constante por estímulos. Porém, o estímulo gerado pelas telas traz apenas uma sensação de satisfação momentânea, mas à medida que a exposição a esses estímulos se torna mais intensa, pode criar um ciclo vicioso. Diversos estudos já mostraram que o vício em telas pode causar sintomas de ansiedade e depressão.
O que muitas vezes não é levado em consideração é que o uso de dispositivos eletrônicos por crianças vai além de uma simples atividade recreativa. Muitas vezes, os pais recorrem aos celulares e tablets para entreter os filhos enquanto realizam suas tarefas. Embora pareça uma solução prática, ela tem consequências.
As crianças observam atentamente as ações dos adultos. Se os pais estão constantemente conectados no celular, seja durante as refeições ou nas interações cotidianas, as crianças tendem a imitar esse comportamento. Essa prática acaba sendo normalizada, sem que haja uma percepção dos impactos negativos desse hábito.
O uso de dispositivos eletrônicos ultrapassou os muros de casa e tem sido uma preocupação também no ambiente escolar, atrapalhando o andamento das aulas e é uma fonte de desconcentração. Muitas crianças e adolescentes apresentam dificuldade de concentração, fadiga e baixo desempenho escolar por conta do uso de celulares.
O uso excessivo de telas também pode ser prejudicial à vida social dos jovens. Ao invés de terem interações presenciais, que favorecem o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais, muitos deles preferem interagir com outras pessoas somente no mundo virtual.
O que poderia ser uma ferramenta de aprendizado e conexão, quando mal utilizada, pode gerar uma dependência prejudicial e até mesmo atrapalhar o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que bebês até 1 ano de idade não sejam expostos ao uso de telas. Para crianças de 2 a 4 anos, o tempo recomendado é de no máximo uma hora por dia.
Além das iniciativas individuais, em casa e na escola, também é importante que as esferas públicas entrem neste debate. Diversos países, como França, Alemanha e Itália, já implementaram restrições ao uso de celulares nas escolas, refletindo a crescente preocupação com a saúde mental de crianças e adolescentes. No Brasil, foi sancionada a Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares nas escolas e talvez este seja um caminho.
Proibir não deve ser a única medida. É fundamental estabelecer limites e criar alternativas. Não se trata apenas de reduzir o tempo de tela, mas de incentivar práticas que promovam uma vida saudável. Atividades físicas, hobbies, momentos de lazer em família e a participação em atividades culturais são essenciais para o bem-estar.
Todos podemos errar e ter deixado passar isto com nossos filhos, mas toda hora é hora de mudança, mude. Faça mais interações corpo a corpo. Se precisar, peça ajuda.
*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.
Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo®”, da Campanha ABP/CFM Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.