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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: preciso suplementar minerais e vitaminas?

Recentemente, o programa Fantástico da Rede Globo exibiu uma reportagem que pautou a prescrição acrítica de micronutrientes por acesso endovenoso, a chamada “soroterapia”, e mostrou a posição atualizada dos órgãos de regulação e sociedades científicas condenando essa abordagem para indivíduos saudáveis, sobretudo, porque além de não trazerem benefícios poderão repercutir em prejuízos para o organismo.

Isso levanta também uma outra reflexão: sobre o consumo de complexos de micronutrientes sintéticos por via oral, os compostos multivitamínicos e poliminerais. O Brasil, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Suplementos Nutricionais e Alimentos para Fins Especiais (BRASNUTRI), é o terceiro maior mercado de suplementos alimentares do mundo, atrás dos Estados Unidos e Austrália.

Muitos compram esses produtos porque acreditam que podem impactar resultados amplos de saúde – ajudá-los a viver mais, diminuir o risco de câncer e reduzir doenças cardiovasculares. Igualmente, pessoas saudáveis também os utilizam com objetivo de preencher lacunas nas suas dietas.

Eu gostaria que fosse tão simples. Embora existam alguns dados alvissareiros sobre os benefícios dos multivitamínicos e poliminerais para adultos saudáveis, o suplemento não é uma panacéia.

Ocorrem três estudos principais que analisaram se as formulações combinadas com minerais e vitaminas têm impactos em resultados importantes para a saúde, todos com apoio público e privado, incluindo patrocínios de empresas de suplementos, o que sugere algum conflito de interesses:

Um estudo francês realizado com cerca de 13.000 adultos com idades entre 35 e 60 anos encontrou uma melhoria no risco de câncer e na mortalidade em homens, mas não em mulheres, após 7 anos e meio de suplementação diária. Clique aqui para acessar o estudo.

Outro estudo investigou mais de 14.000 médicos estadunidenses do sexo masculino com 50 anos ou mais e mostrou que o uso de multivitamínicos durante uma média aproximada de 11 anos estava associado a uma redução de 8% no câncer, embora não tenha havido diferença na mortalidade. Clique aqui para acessar o estudo.

Um estudo chamado COSMOS, que examinou o uso de complexos de micronutrientes durante um período de 3 anos e meio em mais de 21.000 adultos idosos, não encontrou nenhuma melhora para homens ou mulheres no risco de câncer, mortalidade ou doenças cardiovasculares. Uma investigação auxiliar mostrou que certos aspectos da cognição melhoraram significativamente em homens e mulheres com mais de 60 anos. Clique aqui e aqui para acessar os estudos.

Tomar uma formulação de multivitamínicos e poliminerais diariamente pode ser considerado relativamente seguro. No entanto, comer uma dieta saudável foi bem estabelecido em inúmeros grandes estudos para melhorar vários resultados de saúde, desde a reversão de doenças coronárias até a redução do risco de câncer. Clique aqui para acessar o estudo.

Muitas colegas cientistas pesquisaram os benefícios para a saúde da suplementação de deficiências nutricionais específicas com um comprimido. Por exemplo, magnésio, que é popular como suplemento e uma característica comum de muitos poliminerais. As investigações concluem consistentemente que a suplementação desse nutriente é insuficiente para alcançar os benefícios que acompanham uma dieta rica em sua oferta. Isto provavelmente se deve a vários outros benefícios à saúde associados a uma alimentação equilibrada que não são facilmente destilados em um – ou mesmo em um punhado – de ativos extraídos de suas formas originais. Clique aqui para acessar o estudo.

Existem alguns cenários em que sabemos que esses nutrientes sintéticos poderão apresentar um lugar potencialmente, com efeito:

Pessoas com carências nutricionais: isto pode incluir, por exemplo, indivíduos com alterações relacionadas ao consumo regular e excessivo de álcool ou idosos que vivem em instituições de cuidados de longa permanência que podem ter um consumo insuficiente de fruta e vegetais. Outras pessoas com déficits nutricionais específicos, como de vitamina B12 entre os veganos, também poderiam tomar um multivitamínico diariamente para equilibrar essa necessidade, se sua composição apresentar um valor percentual diário apropriado.

Pessoas que se submeteram à cirurgia bariátrica. Estes pacientes precisam de ter atenção para garantir que cumpram os objetivos da ingestão de cálcio, bem como de ferro, cobre e zinco na sua suplementação, uma vez que muitos compostos poliminerais podem não conter um valor diário completo de nutrientes.

Pessoas que estão grávidas ou amamentando. Neste caso, um multivitamínico contendo 400 a 800 mg de ácido fólico pode ser prescrito conforme orientação do médico ou nutricionista.

Os complexos multivitamínicos e poliminerais são regulamentados de maneira diferentes dos medicamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

A legislação brasileira é mais rígida que a estadunidense: nos EUA, a Food And Drug Administration (FDA), órgão que regula alimentos e medicamentos, não controla os suplementos, deixando os fabricantes livres para divulgarem o que quiserem nos rótulos. Em 2014, uma pesquisa feita pelo Ministério Público de Nova York alcançando 1200 suplementos nutricionais diferentes de fabricantes diversos, mostrou que até 80% dos produtos apresentaram alguma inconformidade, que oscilava desde adulteração do conteúdo dos itens até propaganda enganosa nas embalagens. Destarte, não recomendo o consumo de suplementos importados daquele país.

No caso brasileiro, pode haver grandes variações no que entra nas formulações de cada fabricante, portando alguma porcentagem do valor diário recomendado das principais vitaminas e minerais. As marcas podem conter 70% do valor diário de um desses nutrientes – por exemplo, vitamina C – enquanto outras apresentam 200%.

Você realmente precisa de 200% do valor diário total de vitamina C suplementado se estiver saudável? Existem poucos ensaios clínicos para dar esta resposta. O excesso será eliminado pela urina, e dependendo do quão excessivo for pode trazer sobrecargas renal e hepática. Clique aqui para acessar o estudo.

Tabagistas devem evitar suplementos que contenham mais de 20 mg por dia de beta-caroteno, uma vez que vários estudos observaram um risco aumentado de câncer de pulmão neste grupo. Clique aqui para acessar o estudo.

Com a pandemia de Covid-19 fortaleceu-se o raciocínio popular de que a suplementação sintética de nutrientes poderia robustecer o sistema imune, inclusive, “imunizando” e tratando a infecção. O que foi rejeitado pela ciência. A vitamina D3 se tornou a estrela da ocasião, não se restringindo aos leigos, mas se estendeu aos profissionais de saúde que passaram a prescrever mega doses desse nutriente. A sobrecarga de Colecalciferol pode ser tóxica, levar à hipercalcemia, uma condição na qual se acumula muito cálcio no sangue, podendo formar depósitos nas artérias ou tecidos moles. E também pode predispor à formação de cálculos renais. Clique aqui para acessa o estudo.

O fiel da balança, até que outra investigação tenha firmeza científica para contrastar seu posicionamento, é o estudo produzido pela United States Preventive Services Task Force e publicado em junho de 2022 no Journal of American Medical Association (JAMA): trata-se de uma revisão sistemática constituída por 84 publicações em língua inglesa que observaram adultos saudáveis sem doenças cardiovasculares e câncer.

Os participantes não portavam deficiências nutricionais. Esses indivíduos consumiram multivitamínicos e poliminerais que carregavam em suas fórmulas uma variedade de substâncias, cujo propósito foi avaliar o quanto esses nutrientes industrializados poderiam trazer algum benefício profilático contra desde as doenças crônicas não transmissíveis até uma variedade de cânceres. As evidências encontradas apontaram que não há proteção conferida por intermédio do consumo de minerais e vitaminas sintéticos à prevenção de câncer, doenças cardiovasculares ou diminuição da mortalidade por outras causas. Clique aqui para acessar o estudo.

É importante que as pessoas saibam que colocar quaisquer substâncias em nossos corpos envolve um risco de custo-efetividade. Muitos acham que tomar um multivitamínico é melhor do que nada, num panorama mais amplo, os danos podem advir menos do próprio produto do que daquilo que nós, como prestadores de cuidados de saúde para a sociedade, não conseguimos tratar de forma essencial. Quando um paciente saudável informa sobre seu complexo de nutrientes sintéticos, uso isso como avaliação para explorar quais minerais e vitaminas ele pode estar preocupado por não estar consumindo durante as refeições e maneiras de apoiá-lo a ter uma dieta balanceada.

Até o momento não temos evidências que consagrem a suplementação preventiva de nutrientes. A prescrição é clínico-nutricional e deve se argumentar na indicação concebida a partir da clínica do paciente, e que poderá ser consorciada com achados laboratoriais, sempre sob a supervisão de um especialista.

Evite a auto prescrição e economize seu dinheiro. Você não pode resgatar uma dieta pobre ou desequilibrada tomando um comprimido para preencher supostos vazios nutricionais. Mais não é necessariamente melhor. Na verdade, mais pode ser pior.

Em suma, comida de verdade é o melhor “remédio” para não adoecer.

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente.

 

* Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado como especialista no seu Conselho de Categoria correspondente.

Foto: Arquivo pessoal

*Clayton Camargos (CRN-1 2970) é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

 

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