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Vício em apostas destrói relações e orçamentos

GPS|Brasília conversou com jogadores e mostra o drama de quem não consegue se controlar

Antes de mais nada, esta não é uma reportagem que busca condenar uma atividade econômica. Seu objetivo é claro: mostrar que, à reboque da febre das bets, há um silencioso sofrimento crescendo no seio da sociedade. Ele pode ser visível ou não. Pode afetar famílias, salários e patrimônios. Mas na complexidade das cabeças de quem joga é que reside o problema. Com a liberação das bets, não há mais limite para as apostas: qualquer adulto (em princípio) com um celular na mão, ou com um desktop, pode estar no meio de uma Las Vegas virtual, e já há alguns anos.   

Todos os dias, o leitor de GPS|Brasília deve passar, sem se dar conta, por alguém que está em uma bet, no celular. Seja fazendo apostas, seja nas áreas de cassinos, a febre que estas plataformas causaram no Brasil traz reflexos até mesmo no programa Bolsa Família – em agosto, segundo nota técnica do Banco Central (BC), os beneficiários do programa gastaram R$ 3 bilhões nestas empresas de apostas eletrônicas, via Pix. É um volume imenso de recursos, destinados às despesas mais básicas, que alimentou esperanças vãs – a chance de ganhar com apostas é sempre pequena. 

O número é assustador e indica a ponta de um iceberg que vem devastando contas e patrimônio de famílias. A reportagem acompanhou a evolução destes prejuízos após se cadastrar (e apostar) em várias plataformas – algumas têm redes sociais para os participantes interagirem. Nem todos os jogadores que conversaram conosco contaram suas histórias. Poucos acreditam estar viciados em apostar, mas um traço é comum nas conversas: ninguém acumula fortuna com cassinos e apostas virtuais. 

A não ser, claro, as casas que exploram a atividade no Brasil.

Selecionamos quatro relatos, mais impactantes. Caso, por exemplo de Jogador 1 (vamos batizar assim os personagens desta matéria). Em conversa que começou em um chat e depois passou para o direct do Instagram, ele revela que o dinheiro gasto não faz falta, pelo seu padrão de vida. Mas admite que, após começar com as apostas, conheceu um meio ainda mais cruel de perder seu dinheiro: os cassinos virtuais, que estão à disposição em todas as plataformas – por isso, não vamos citar nenhuma delas.

“Como já diz a música, tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo. No trabalho, a gente passou do tradicional bolão para uma nova forma de aposta. Todos fizemos apostas da Copa do Mundo em um site. Depois, copiamos e fizemos o bolão no trabalho. Claro que todos perdemos no site, mas iniciei ali um hábito: apostar sempre”, conta.

A partir daí, Jogador 1 seguiu nas apostas. Campeonatos estaduais, Brasileirão, ligas estrangeiras. Chegou a ganhar algumas vezes, mas nunca acima de R$ 4 mil. O problema foi quando contabilizou os gastos. “Tinha apostado pelo menos três vezes mais. Não compensa. É como jogar nas loterias: a gente não tem chance de ganhar”, avalia.

O drama, para ele, estava apenas começando. Ao ver a área de cassinos, logo se interessou – afinal, como ele mesmo disse, eram proibidos no Brasil desde antes que ele nascesse. E perdeu mais dinheiro nas chamadas slots – que funcionam como os caça-níqueis dos cassinos físicos. “Aí a coisa degringolou. Em um ano, perdi mais de R$ 20 mil”, contou. Sem revelar a idade, fez uma analogia interessante. “Sou do tempo dos fliperamas. Slots parecem muito com as máquinas de pinball. A gente acaba querendo o desafio. Eu sou doido pela adrenalina da vitória. Nem me importo se gastar tudo depois”, conta.

Assim, ele perdeu R$ 24 mil em 12 meses, média de R$ 2 mil mensais, entre apostas e slots. “Cheguei a ganhar, mas o balanço é esse. Ganho bem, sou sozinho e não tive problema com isso. Mas tem gente que deve ter. Mesmo assim, de vez em quando eu penso em parar. Fico dois ou três meses sem apostar, mas a vontade vem. E eu jogo”, conta.

A viagem não saiu do papel
Se para Jogador 1 perder tanto dinheiro não chega a ser um problema, Jogador 2 viu no chamado Jogo do Tigrinho a ruína completa. Ali deixou, simplesmente, dois anos de suadas economias. “Sempre sonhei com uma viagem e juntei dinheiro para isso. E ele se foi em menos de um mês”, conta.

Quando perguntei o motivo, foi sincero. “Faltava pouco para poder comprar o pacote à vista e pensei em um caminho mais rápido: se todo mundo ganha, por que não eu?”, questionou-se. Logo, a aposta pareceu o passaporte para a tão sonhada ida viagem. Mas, em vez de embarcar para o exterior, o destino o levou para o esgotamento completo das reservas financeiras.

“Comecei apostando R$ 100. Ganhei um trocadinho e me animei. Em seguida, fui só perdendo. Em 20 dias, joguei mais de R$ 15 mil, peguei empréstimo, não viajei e devo R$ 15 mil a uma financeira”, conta, entre uma aposta e outra. “Não tenho nenhuma chance de juntar o dinheiro para a viagem novamente”, escreveu, desolado. Mas não pense que desistiu. “Acho que vou vender meu carro e tentar recuperar o prejuízo”, disse.

Quando alertei para o risco de seu endividamento piorar, Jogador 2 interrompeu a comunicação em definitivo.

A religião como saída
Essa esperança de reaver o dinheiro perdido não habita a consciência de Jogador 3. Ele dá como certo o prejuízo. Seu esforço é parar de vez. “Não quero mais. Jogar acabou com meu dinheiro, com minha família e com minha dignidade. Já era um esforço não jogar cartas a dinheiro, não jogar no bicho e nem na loteria. Agora ficou pior, e só a igreja tem me ajudado a evitar o fim completo”, afirma, contando que está tomando coragem para fazer contato com os parentes, pois ainda não se considera curado do vício.

Jogador 3, diga-se de passagem, perdeu a família antes de apostar nas bets. Desenvolveu depressão, curada a base de remédios e consultas médicas. E na igreja, pouca gente sabe do seu sofrimento. “Somente o meu pastor. Nem acho que tenho tanta fé, mas a força que ele me proporciona tem sido importante para me superar”, conta. Quando a vontade bate, ele pega a Bíblia e lê, para tentar resistir. Tem sido sua distração. “Mas ainda jogo, pois caio em tentação e pego o celular para isso. Meus tropeços estão raros. O que é bom. O pastor me ensinou a não me cobrar tanto”, afirma.

Nos raros contatos pelas redes sociais, Jogador 3 pouco informa como anda seu atual processo de recuperação, mas diz que mantém o tratamento para a depressão causada pelo vício. Na última troca de mensagens, afirmou que só gastou R$ 200 nos últimos seis meses. “Para mim, é uma vitória. Mas só me sentirei feliz quando eliminar isso da minha vida”, concluiu.

Análise racional
A rigor, os relatos, de certa forma, são semelhantes. Mas o de Jogador 4 é elucidativo. Profissional da área de exatas, diz que não há como ganhar em nenhuma modalidade dos jogos ofertados pelas bets. “Nas slots, você vai perder, na roleta também e em todas as outras maneiras de se jogar ao vivo. E nas apostas esportivas, a chance de perda é imensa. Quem vem a um espaço destes em busca de lucro, vai ter prejuízo”, avalia.

Mas o que alguém tão racional está fazendo ali? Segundo ele, compensando uma vida triste. “Não sou feliz e quando jogo, me sinto bem. Mas estabeleci uma regra. Meu banco me permite separar parte do dinheiro em uma espécie de caixa. Fiz uma para jogos. Coloco ali R$ 400 por mês. É o que gasto. Quando ganho, deposito o lucro de volta. Até tenho um pouco mais de R$ 400, mas é mixaria. O bom é que acaba sobrando em alguns poucos meses. Aí compro uma roupa, saio para paquerar. Mas jogar é uma distração que eu preciso”, acredita.

Por ele, o jogo virtual deveria ser proibido e dar lugar aos cassinos presenciais. Admite, porém, que nos tempos atuais, isso é uma fantasia. “O cassino real, como existe em vários países do mundo, proporciona empregos à população. Mas todo mundo preferirá ficar entocado dentro de casa. Esse é o mundo de hoje. Então, a relaidad eé que as leis precisam ser duras para que as pessoas não se percam para o jogo. Eu te digo que tenho controle, mas sou 0,0001% do mundo. E jogar não é para todo mundo”, conclui.

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