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Uma conversa com o artista Antonio Veronese, o pintor de sentimentos

Com a mostra "O Traço e a Escala – Dessins à Paris", na Galeria Celso Junior, o artista Antonio Veronese fala sobre a vida, a carreira e as novidades que chegam a Brasília nesta quarta-feira, 20
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Foto: JP Rodrigues

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O mesmo impacto que Edvard Munch causa com uma de suas obras mais famosas, “O Grito”, o artista Antonio Veronese assemelha-se ao sentimento e profundidade de seus rostos expressivos e densos. Começou a desenhá-los ainda quando garoto, na cidade de Brotas, interior de São Paulo. Por lá, o chamavam de “louco” por conta de suas expressões — para muitos assustadoras — que eram marcadas com tinta de parede, no máximo três cores, em sacas de café. Naquela época, principalmente no interior, tinha-se muita pouca relação com a cultura, mas o garoto de 10, 11 anos, já conseguia expressar-se por meio dos rostos sempre presentes em sua imaginação. 

“Veronese não pinta rostos. Ele pinta sentimentos.” É assim que um dos jornais mais renomados do mundo, o The New York Times, define o artista brasileiro. Veronese, hoje, está com 69 anos, e dentro do universo da arte é considerado “um dos dez pintores vivos que já deixaram marcas na história da Arte”, segundo a crítica francesa. Mora na França, em Paris, mas vive na ponte aérea desde que se casou com a empresária brasiliense Elizabeth Amorim, mas essa história de amor, conto mais para baixo.

É autodidata e provou para seus conterrâneos que de loucura a arte está cheia. Mostrou, por meio de um livro do modernista Lasar Segall, que aquilo que desenhava já era expresso por mentes brilhantes no Brasil e pelo mundo. Egon Schiele e Francis Bacon são os pintores mais presentes nas inspirações de Veronese, ambos modernistas, o expressionismo é marca, também, do artista brasileiro. A pintura, no entanto, não é escolha de Veronese, muito menos os temas os quais ele registra. 

“A gente não escolhe o que quer pintar. A pintura se impõe, o tema se impõe. Não vou para o atelier dizendo ‘vou fazer isso ou falar disso’. Não. A coisa vem como uma pulsão que você precisa fazer e não pode se escapar. Não é realmente uma reflexão que nos permite escolher o tema. Não. Eu nunca fiz outra coisa. Sempre fiz esse tipo de trabalho que tenta não só reagir a uma perplexidade que se tem sobre tudo na vida, de todo sofrimento, de toda exclusão, de toda a violência, uma perplexidade de tudo o que poderia ser o Brasil, no que ele é e deixa de ser. Um país com todas as potencialidades, com todas as possibilidades, mas ao mesmo tempo com uma violência e uma indiferença terríveis. Aqui existe uma exclusão impressionante. Eu sempre disse que no Brasil parece ser um fato consumado ser pobre. Isso sempre me causou espanto. O que eu faço é reagir a isso através da pintura, não tenho outra arma para lutar”, afirma Veronese. 

O pintor retorna ao Brasil com esse sentimento por meio da mostra “O Traço e a Escala – Dessins à Paris“. Serão 30 desenhos e alguns pasteis, todos fotografados por Celso Junior, que em sua galeria receberá o amigo e suas obras cheias de significado. 

A pintura como reação

Depois de 1990, Antonio Veronese realizou pelo menos 78 exposições pelo mundo. Sua arte é uma reação a situação brasileira, sempre presente em suas pinturas. Essa indignação já chegou ao Japão, Dubai, Chile, França, Estados Unidos, Itália e tantos outros países que, por causa de Veronese, consegue sentir, mesmo que seja um pouco, a incoerência do contexto sociopolítico e econômico brasileiro.

Uma das peças mais icônicas de Veronese, que está exposta na ONU, é “Save the Children”, símbolo dos 50 anos das Nações Unidas. Também trouxe ao mundo a criação “Just Kids!”, símbolo da UNICEF, que está na PUC do Rio de Janeiro. “La Marche” está em exposição fixa no Congresso Nacional desde 1995. “Fome”, na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), desde 1994 , em Roma. No Museu Nacional de Belas Artes, o pintor trouxe “Os 600 meninos”, onde denunciou o assassinato de 600 meninos menores por ano, somente na cidade do Rio de Janeiro, nas palavras do próprio “uma violência inacreditável, um genocídio de jovens que existe em curso do Brasil”. 

O adeus com um retorno de amor

Em 2004, Veronese despediu-se do Brasil. Após anos de denúncia contra as mazelas sociais, o adeus veio por sentir que no país de origem havia pouco espaço para a sua pintura. Foi para a França, onde conseguiu uma grande plataforma internacional e passou a ser reconhecido de forma constante pelo seu trabalho coerente, coeso e forte sobre os sentimentos que acumulava a respeito da desigualdade.

Não só o New York Times, como também outros veículos da imprensa e renomados artistas e curadores estrangeiros reconheceram o valor do brasileiro.

“Antonio Veronese é um artista completo, cujas preocupações estéticas confundem-se com as qualidades humanísticas. Seu enfoque essencial é o Homem ou a condição humana. Sua preferência pelas cabeças demonstra que somente através delas ele pode capturar o horror, o horror da condição humana. No diálogo, Timeu Platão afirma: ‘A cabeça humana é a imagem do mundo'”, escreveu o amigo Francisco Brennand sobre o brasileiro.

Retornou ao Brasil e, ainda, a Brasília, 27 anos depois da última vez — em 1996, quando fez um trabalho com os meninos do antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE), que já foi demolido. Por aqui selou o amor com a sua mais recente esposa, Elizabeth Amorim. Com isso, também encantou-se novamente com o seu país.

“Na primeira manhã em Brasília, saindo do quarto, eu vi as araras, escutei o canto dos curicacas, vi a altura do céu do Brasil e, imediatamente, me arrebatou uma emoção de estar de volta. Foi como que instantaneamente a sinfonia de Tom Jobim, a sinfonia por Brasília voltasse e eu, minha paixão, minha emoção de estar no Brasil me tomaram completamente. Estou muito feliz não só pelo amor que encontrei em Brasília, como também por ter reencontrado a minha paixão pelo Brasil”, destaca.

Casamento

A história de amor de Veronese com a pioneira Elizabeth Amorim causa o mesmo impacto que as obras do artista: é de tirar o fôlego. Como bem descreveu a jornalista Paula Santana:

“Paris, 8th arrondissement, 2022. Elizabeth Amorim, em mais uma temporada parisiense, convida um grupo seleto para jantar em seu apartamento, como de costume. Anfitriã exímia e afeita a mesas ornadas com muito requinte, aquela seria mais uma agradável noite para colocar a prosa em dia”, iniciou a jornalista em mais um de seus contos reais.

Naquela noite, a amiga Carmem Lúcia (sim, a ministra do STF) disse para Elizabeth que gostaria de levar um artista plástico de fama, Antonio Veronese, paulista residente na cidade francesa. Levou, eles se conheceram e a partir dali um sentimento ficou, mas só foi consumar-se um tempinho depois, na própria Cidade da Luz.

Chegaram ao Brasil namorando e o casamento ocorreu em 2023, em agosto, com um reencontro bom, cheio de memórias e alegrias. Foi ao entardecer do dia 25 que Elizabeth dirigiu-se ao encontro de Antônio para selar a união civil sob as bênçãos de oitenta convidados, sendo sessenta familiares. Aconteceu no jardim da casa da empresária, agora, uma das casas do casal.

A amizade com Tom Jobim

Veronese era amigo de Tom Jobim. Em sua primeira mostra individual, na galeria Anita Schwartz, convidado pela própria, no Rio de Janeiro, Tom fez questão de escrever sobre a exposição do paulistano. Disse, então, por meio de suas palavras assertivas: “Rio de Janeiro, a parte que Deus fez continua linda, mas a parte dos homens vai mal. A pintura de Veronese é uma heroica reação civil que denuncia essa realidade. Nela, existem os personagens do que Veronese chama de guerra civil carioca. Mas existem, também,  moças bonitas que, se eu fosse um rapaz solteiro, gostaria de namorar”.

Conheceram-se por uma investida de Veronese, em um bar no qual Tom estava sentado. O artista tinha apenas 17 anos e, passando de ônibus, em Ipanema, o jovem viu Tom Jobim à mesa, no restaurante Veloso, que depois se tornaria Garota de Ipanema. “Eu era tão apaixonado pela música do Tom, que saltei do ônibus e fui falar com ele. Ele me convidou para tomar um chopp e foi a primeira vez na minha vida que tomei álcool, só para não deixar de falar com o Tom”, relembra.

Os amigos tinham o mesmo nome, Antônio. Por isso, Tom Jobim, ao dar-lhe discos escrevia: “De Antônio para Antônio”, uma marca registrada dessa relação sempre afetiva e amorosa. 

Mostra em Brasília

A Galeria Celso Junior, localizada no Lago Sul, receberá os rostos do artista Antonio Veronese. A mostra conta com desenhos trazidos de Paris, fotografados por Celso Junior. Será aberta nesta quarta-feira, 20, a partir das 18h.

“Começo hoje uma exposição na Galeria Celso Junior. Juntos, tivemos a ideia de ampliar os rostos em pequenos formatos para grandes formato por meio da fotografia”, conta o pintor. O nome da exposição, “O Traço e a Escala”vem exatamente dessa ideia. “Remete a uma reflexão sobre a diferença de reação que uma obra provoca em decorrência do seu tamanho, da sua escala”, finaliza o artista.

Na exposição, o público poderá visualizar o desenho original, em escala, e, ao lado, as fotografias de Celso que projetam o desenho de forma maior.

 

SERVIÇO
O Traço e a Escala – Dessins à Paris
Data: Quarta-feira, 20 de setembro
Horário: A partir das 18h
Local: Galeria Celso Junior, QI 17, Lago Sul, Brasília