Vilarejo mais antigo do Brasil, como atesta a documentação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), disponível no Museu do Descobrimento, em Porto Seguro, Caraíva é uma pérola da Costa do Descobrimento. Atraindo turistas do Brasil e do mundo, e às vésperas de completar seus 500 anos – a serem celebrados em 2030 –, a pequena localidade tem uma mistura de cores e de sotaques e experiências de total imersão cultural.
Embora todos possam aproveitar Caraíva com a modernidade e a tecnologia do segundo milênio, cresce na localidade uma série de experiências que remetem aos tempos de sua fundação, ocorrida com a chegada dos primeiros portugueses, por volta de 1530, que foram viver nas diversas tribos dos povos nativos da região.
Uma das mais interessantes é chamada de Bangalô Detox. Criada pela pataxó Lorruama Ferreira, dona da Nuhatê Casa Hotel, ela permite a sensação de ser um nativo de antes de o Brasil existir. “O conceito é se desconectar totalmente durante a estadia. O hóspede deixa o celular e outros eletroeletrônicos em um cofre ao chegar. Durante a estada, tem opções de passeios e atividades para o corpo e a mente, como massagem, yoga, visita a uma tribo, contemplação do nascer e pôr do sol e caminhadas na praia”, conta.
Essa desconexão inclui ainda outros dois pontos importantes: sem celular e sem wi-fi, a proposta é o hóspede ficar também sem TV, mas mantendo o ar-condicionado e a luz elétrica. Caso ele queira, a experiência pode ser mais radical. Neste caso, o banho, por exemplo, é tomado em um ofurô, com água aquecida em uma fogueira.
Nossa ideia é proporcionar bem-estar e experiências únicas. É uma verdadeira imersão na natureza, em um paraíso praiano sem conexão com o mundo digital. Tenho visto que muitas pessoas tiram férias, mas não descansam de verdade. Em geral, estão aqui, mas ficam conectados, resolvendo pendências pessoais e do trabalho. E isso não é tirar férias”, afirma Lorruama.
Há opções intermediárias da desconexão completa da tecnologia, como o fornecimento para usar o celular fora da pousada e a oferta de passeios de buggy ou lancha e a prática de stand up paddle no Rio Caraíva. “Nossa pousada é intimista, temos dois bangalôs equipados com ar condicionado, frigobar, tv a cabo, wifi e Nespresso, para quem quer ficar pé na areia com todas as comodidades de casa. E teremos mais bangalôs assim. Para quem quer se isolar, adaptamos o bangalô a essa experiência detox digital”, completa a pataxó.
O GPS Brasília experimentou, por três dias, a sensação de estar fora do mundo em Caraíva. E optou pela forma mais radical, sem sequer pedir um ventilador – afinal, na Bahia, à sombra e após o entardecer, o vento compensa qualquer calor. A sensação é única. Durante este período, a única tecnologia usada foi um buggy, para ir ao Ritual da Lua Cheia na aldeia pataxó local.
Nas 72 horas sem tecnologia, você passa por momentos de angústia. Ficar sem notícias de parentes, nos dias de hoje, é complicado, mas como sou pai de duas mulheres adultas, consegui manter certo controle. No primeiro dia, complexo foi manter a distância do celular, e quase pedi ao recepcionista, o cubano Danny Rubio, para dar uma conferida no WhatsApp. Felizmente, preferi conversar com ele sobre a ilha de Fidel Castro – o que foi mais enriquecedor que o trajeto Zap-Insta que marca muitas noites.
O mar foi meu maior prêmio nos dois primeiros dias. Além de tomar sol, pude observar aspectos da natureza que já havia esquecido, como a maré alta e a maré baixa, que marcaram minha juventude. Relembrar este movimento mágico foi único, e a conexão com bons momentos do passado foi emocionante. Aos poucos, o isolamento da tecnologia foi fazendo efeito, ainda mais após o banho de ofurô, quando assistia, primeiro, a água aquecer na fogueira, lentamente. Entender como meus avôs e avós, dos dois lados do mundo, faziam para ter um banho confortável há cem anos foi muito interessante e me ligou às origens luso-brasileiras que tenho – afinal, tanto meus parentes de lá, quanto os de cá passaram dificuldades semelhantes em um passado quase recente.
Como estava focado na experiência zero tecnologia e zero energia elétrica, nos dois primeiros dias me alimentei dentro e fiquei da pousada, com pães, frutas frescas, queijos, sucos e comida feita no fogão a gás, mas sem que eu o manipulasse. Para mim, estava completamente fora do mundo, tendo apenas a praia como companhia. A alimentação que pedi, mais natural, ajudou meu corpo a encontrar rapidamente seu equilíbrio. A tal ponto que, depois de dois dias, não sentia falta da tecnologia.
No terceiro dia estava programada a ida à aldeia pataxó, onde haveria o Ritual da Lua Cheia. Programei-me para aproveitá-lo por completo, logo fui de sunga por baixo das roupas, já que haveria um banho de ervas, feito com água aquecida. A sensação e os cheiros são indescritíveis. Um ritual que me preparou para o que viria, com as danças, o fogo e o culto à lua. Era o primeiro dia que via outros seres humanos que não fosse o recepcionista e a massagista. O contato, entretanto, não foi desagradável. Todos estávamos irmanados pela energia que brotava dos céus e fluía pela terra.
De pés descalços e usando apenas a sunga, consegui uma conexão completa com a natureza, desenhando nas areias da aldeia minhas mandalas, estrelas e outras figuras. A brisa leve batia na pele, os olhos admiravam a lua que despontava na oca sem teto, ouvia as palavras do cacique e o calor da fogueira completava tudo.
Depois, aproveitei o jantar, com peixe cozido na folha de bananeira, beiju e farinha. Comi com a mão, algo que nunca havia feito depois de adulto. Repeti algumas vezes e bebi a água dos filtros de barro. Não chegava a ser um nativo, mas compreendia a pureza e o vigor da vida simples, que é contagiante. E me perguntei, ao fim da passagem na aldeia: “eu realmente tiro férias ou apenas viajo?”, como diz o lema da experiência ofertada por Lorruama Ferreira.
Nos dois dias seguintes, já de volta à conexão, aproveitei o passeio na comunidade que viveu da pesca até a década de 1970, quando a vila começou a receber os aventureiros que se dispunham a encarar a precária estrada e a longa caminhada pela praia ou o frete de um barco de pesca. Hoje, você chega a uma das margens do Rio Caraíva de carro, em uma estrada melhor que a dos anos 1970, e atravessa de canoa, por módicos R$ 7,50.
Na volta pelo centrinho de Caraíva, conheci vários bons restaurantes, com cardápio internacional. Chegar a eles da pousada é, também uma experiência única, já que você se embrenha pelas ruas sem luz – a integrante do Parque Nacional de Monte Pascoal, os moradores da Vila de Caraíva não admitiram a colocação de postes. Você se sente completamente seguro, só com a luz da lua cheia.
No dia seguinte, fui à Praia do Espelho de lancha. Um passeio incrível, mas confesso que o barulho do motor me incomodou um pouco após o detox – o mesmo ocorreu quando estava no buggy. Nada que se comparasse a voltar para Porto Seguro, para pegar o avião e voltar a Brasília e à vida corrida. Mas esta é minha sina, e cada um tem a sua.
No final de tudo, não tem como não recomendar, mesmo que por breves dias, a experiência que resisti tanto para aceitar. Tecnologia é bom, mas estar escravo dela, como me senti após ficar três dias longe, não é agradável. Por isso, é interessante desintoxicar-se um pouco de tudo o que consumimos em excesso – celular, TV, roupas, eletricidade. A vida natural segue sendo atraente. E, o que é bom, está logo ali.
Serviço
Bangalô Detox
WhatsApp: (61) 993170874
E-mail: nuhatecasahotel@gmail.com
No Booking, a pousada está registrada como Nuhatê Casa Hotel
No Airbnb, a pousada está registrada como Bangalô Raiz e Bangalô Vista