Elis Regina não estava nada bem naquele outubro de 1981, três meses antes de morrer. Ao subir ao palco do Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, para mais um show de sua turnê Trem Azul, a primeira sem a direção do agora ex-marido Cesar Camargo Mariano, seu tradutor emocional mais notável, ela vinha de humores perturbados num grau que a plateia percebeu.
Caetano e Gal Costa dividiam uma das mesas, e comentaram. “Não era normal.” Roberto Menescal também viu: “A letra da música dizia uma coisa e ela interpretava o contrário”. Era tudo estranho. Elis, que não separava palco de vida, sentia-se insegura nos dois. E a saída para suportar aquilo levaria à sua última viagem.
A gravadora Som Livre lança nesta sexta, dia 17 de março, o álbum Trem Azul em streaming. É um álbum delicado não só pelo contexto de vida da artista. Seu áudio foi captado direto da mesa de som de forma precária, já que não havia projeto para que aquilo se tornasse um lançamento. Um LP foi lançado pouco depois de sua morte, com um tratamento acústico que, pelas limitações do tempo, não ficou bom. Agora, a Som Livre promete honrar o anseio dos fãs.
A gerente comercial da empresa, Daniela Barcellos, fala sobre o trabalho. “Vamos fazer esse lançamento com muito carinho a partir do original em cassete, gravado no dia do show. Houve uma remasterização das 25 faixas para fazer justiça ao trabalho de Elis.”
A cantora faria hoje, 17 de março, 78 anos. Além dos áudios, Daniela conta que haverá também um vídeo comemorativo, com frases de Elis em destaque. “Havia uma preocupação de que o álbum não caísse em esquecimento, era preciso mostrar esse disco para as novas gerações”, diz a gerente.
Sobre isso, a busca pelo passado entre os consumidores de streaming, executivos da Som Livre observaram que houve mudança de comportamento durante a pandemia. “Nossos catálogos antigos passaram a ter relevância”, conta Daniela.
O álbum de Elis mostra a artista em uma transição artística que ela não teria tempo de fazer. Sua morte se daria em 19 de janeiro de 1982, três meses depois do show gravado. Elis começava a olhar para outros autores considerados à época mais pop, sem deixar suas convicções poéticas de lado. Assim seu repertório trazia Aprendendo a Jogar, de Guilherme Arantes; Alô! Alô! Marciano, de Rita e Roberto de Carvalho; e o bolero Me Deixas Louca, de Armando Manzanero com versão de Paulo Coelho.
Foto: Acervo / Cortesia Som Livre
O produtor João Marcello Bôscoli, filho da cantora, sabia do projeto, mas não participou do processo de remasterização. Ao Estadão, ele diz o seguinte: “Nos últimos 25 anos estabelecemos junto às gravadoras detentoras dos masters de Elis Regina (Universal, Warner e EMI) um método de trabalho para seus relançamentos. O centro de todas as decisões sempre foi a melhoria do áudio original gravado por ela, utilizando os instrumentos tecnológicos vigentes mais adequados para alinhar a excelência dos valores da marca Elis Regina aos padrões contemporâneos de áudio”.
Ele conta que o lançamento “prescindiu da minha participação na construção dessa agenda de trabalho técnico – um direito da empresa responsável e que não tem problema nenhum”. Mas concluiu que não tinha como opinar, já que não havia participado “desse capítulo da história”. “Ressalto ter confiança nos critérios artísticos e técnicos dos profissionais envolvidos e desejo o melhor lançamento possível, reforçando haver entre os herdeiros de Elis Regina e a Som Livre uma relação saudável há mais de 40 anos.”
* As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.