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Trajetória de Canisso marcou importantes capítulos do rock nacional

Nascido em em São Paulo, baixista do Raimundos fincou raízes em Brasília e dialogou com diferentes gerações de amantes da música

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Conciliador, calmo e família, como Canisso é descrito por pessoas próximas, são características que até podem destoar do perfil de um rockstar. Mas essa personalidade do baixista do Raimundos foi decisiva para que a banda tivesse uma longevidade, entre tantas idas e vindas. 

 

Em mais de 30 anos de estrada, José Henrique Campos Pereira, nome de batismo que ficou em segundo plano, dialogou com diferentes gerações de Brasília e do Brasil, com hits que fizeram sucesso nas rádios brasileiras, especialmente nos anos 1990. O músico, falecido em 13 de março de 2023, foi peça fundamental para o Raimundos, a última banda de rock brasiliense que alcançou sucesso nacional.

 

Origens

 

O início da história começou no fim dos anos 1980. Canisso, nascido em São Paulo, havia chegado em Brasília aos três anos de idade, depois de morar ainda bebê no Rio de Janeiro. Frequentou ainda adolescente o chamado Gilbertinho, um espaço na QI 11 do Lago Sul que reuniu a geração punk do rock de Brasília. Antes do Raimundos, já era figura relevante e conhecida na cena musical da capital.

 

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Os primeiros anos do Raimundos, ainda nos anos 1990 (Reprodução)

 

Mais tarde, após o sucesso de bandas como Capital Inicial e Legião Urbana, se juntou aos amigos Rodolfo e Digão para formar o Raimundos. O baterista Fred veio anos depois, já depois de 1990. O nome foi inspirado na banda norte-americana Ramones. O nome também combinava com a descoberta musical de Digão e Rodolfo, que combinaram o punk rock e o forró, originando um ritmo batizado de forrocore.

 

Foi no fim dos anos 1980 que aconteceu um episódio icônico na vida de Canisso e na história do Raimundos. Quando ia encontrar os amigos para ir ao cinema, o baixista capotou um Fusca 1976 que possuía. Mesmo depois do incidente, manteve os planos e chegou na sala de cinema machucado. “Ele entrou e falou ‘Digão, capotei o carro’. A sala inteira riu”, lembrou o colega de banda em entrevista ao podcast À Deriva. Essa anedota deu origem à música Eu Quero Ver o Oco, uma das mais lembradas pelos fãs. O músico seguiu apaixonado pelos Fuscas décadas depois do capotamento. O filho mais novo, Pedro, compartilha da mesma paixão do pai e é dono de um exemplar preparado para as pistas.

 

Canisso nasceu sete anos antes de Rodolfo e cinco anos antes de Digão. A diferença de idade também refletiu na forma como ele via a banda. No fim dos anos 1980, os primeiros shows começaram, mas logo a banda se dissipou, já que Rodolfo foi morar no Rio de Janeiro e Canisso ingressou no curso de direito, na Universidade de Brasília A ideia de retomar a carreira foi fomentada pelo baterista Fred, devido à onda grunge que tomava conta do mercado.

 

Sucesso comercial

 

Em 1992, a retomada começou, com apresentações principalmente em Brasília. Os jornalistas Carlos Marcelo e Marcos Pinheiro, que comandavam o programa Cult 22, ajudaram a difundir a banda até então desconhecida do resto do país. Foi em 1994 que veio o primeiro homônimo, Raimundos, lançado pelo selo independente Banguela. Anos mais tarde, o então representante da Warner Music em Brasília, Gian Marco Uccello, enviou uma fita demo ao produtor musical Miranda. A partir daí, conseguiram gravar o segundo álbum, Lavô Tá Novo, que já trouxe um peso maior, com influência do heavy metal.

 

Lançaram Cesta Básica (1996) e Lapadas do Povo (1997). O quarto álbum abandonou a pegada engraçada, o que causou surpresa nos fãs. Mais tarde, em 1999, o Raimundos gravou Só no Forévis, que retomava as características que conquistaram os fãs e estourou nas rádios com Mulher de Fases, Me Lambe e A Mais Pedida. Foi depois dessa produção que veio talvez o maior baque da banda, a saída de Rodolfo Abrantes. O vocalista havia se convertido evangélico e não via sentido em continuar cantando as mesmas letras.

 

Só no Forevis trouxe sucessos como Mulher de Fases, A Mais Pedida e Me Lambe (reprodução)
O álbum Só no Forevis trouxe sucessos como Mulher de Fases, A Mais Pedida e Me Lambe

 

Mudança de rumo

 

O baixista Canisso decidiu abandonar a banda em 2002 por discordâncias com os colegas de banda. Em uma entrevista registrada no Youtube, ele detalhou a situação. “A gente tinha perdido o vocalista e insistia em andar com aquela estrutura que a gente usava e isso não estava dando lucro. A gente fez vários shows e voltei para casa com pouquíssimo dinheiro. Eu tenho família para sustentar. Estava me desgastando muito e não vi alternativa se não sair da banda”, afirma.

 

A família foi a tônica de Canisso, pai de quatro filhos (Mike, Lori, Nina e Pedro) e casado há mais de 30 anos com Adriana Toscano de Vilhena. Quando se conheceram, ela era remadora com índice olímpico e ajudava uma outra banda que tocou no mesmo evento que os Raimundos. Paixão à primeira vista. Mantiveram-se juntos até a morte de Canisso. Adriana é psicóloga, produtora musical e também se aventurou na música, tocando bateria. 

 

 

Nos últimos anos de vida, Canisso morou em São Paulo com a família. Foi na região Sudeste, que ele fez amizade com nomes conhecidos do rock. Nas redes sociais, Tico Santta Cruz lamentou a morte. “Com ele, aprendi muito sobre a estrada, o sucesso, a família, sobre banda, amizade, lealdade e tantas outras coisas que passávamos conversando”, disse. Na banda de Santta Cruz, o Detonautas Roque Clube, Canisso chegou a fazer shows como substituto do baixista Tchelo, que havia machucado a mão.

 

Volta

 

Depois de sair da banda, Canisso tocou no Rodox, formado por Rodolfo Abrantes. Até chegou a reunir em São Paulo outra banda, que acabou não saindo do papel. Em 2007, o baixista voltou ao Raimundos, para nunca mais sair. A última formação com o também fundador Digão, na guitarra e no vocal, Marquim, na guitarra, e Caio Cunha, na bateria.

 

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Última formação dos Raimundos, com Canisso, Marquim, Digão e Caio (Reprodução)

 

Nos últimos anos, o lado conciliador entrou em cena. Em meio à pandemia, Digão foi criticado por declarações contra o isolamento social. Canisso até chegou a dizer que o colega de banda “estava surtando”. Entretanto, gravou um vídeo explicando aos fãs que não endossava as reações contra as opiniões políticas do vocalista e guitarrista.

 

A morte de Canisso trouxe comoção de artistas e fãs nas redes sociais, muito por conta do legado deixado pelo músico ao rock de Brasília e do Brasil.

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