No minuto 38 do primeiro episódio de Halston, da Netflix, uma coisa muito interessante acontece. Caso não tenham assistido à minissérie de 2021, convido-os à fazê-lo de pronto, mas por hora, recriarei a cena em outra tela.
Ewan McGregor está de toalha, acaba de sair do banho. Muitos o conhecem como Obi-Wan Kenobi, do universo Star Wars, mas hoje ele Roy Frowick: tímido garoto criado no meio-oeste dos Estados Unidos, virado designer-sensação dos chapéus de Jackie Kennedy, virado estilista emergente na cena nova-iorquina. Nada disso vem ao caso, exceto o fato de que Roy, encarando o próprio reflexo através do bálsamo dos sais de banho, tem uma ideia que redireciona a trajetória de sua vida.
Calculando a própria imagem como um dilema algébrico, puxa para trás o longo cabelo, ainda molhado: o estilo bagunçadinho, antes usado livremente, abre espaço para um look clean, alinhado, impecável.
Corre em direção ao closet, atropelando os ternos Brooks Brothers e gravatas Ralph Lauren. Veste uma simples gola rolê preta, farda há muito sancionada pelos tipos de Andy Warhol, Marylin Monroe e Audrey Hepburn (e futuramente, Steve Jobs). Erguendo o cigarro à boca, Roy Frowick está morto. Quem cobre o plano é Halston: estilista, iconoclasta, marca mais lucrativa do setor de luxo norte-americano na década de 1970.
Desse momento em diante, raríssimo era ver o designer vestindo qualquer coisa senão seu look-assinatura. Do deslanche ao declívio da turbulenta carreira, seu estilo descomplicado vendia a elegância de um minimalismo singular, exclusivo ao universo Halston. Estilo, no fim das contas, é feito não daquilo que se escolhe, mas daquilo que se abnega.
A lição que aprendemos com a gola alta de Halston é a mesma que Jane Birkin, Iris Apfel, Anna Wintour, Karl Lagerfeld e até Marge Simpson estão carecas de ensinar: um modelo de bolsa, um formato de óculos, um padrão de colar, uma espécie de luva, um corte de vestido verde. Uma. Gola. Rolê. Preta. Ímpar, indivisível — replicável. Estilo, solucionada a álgebra, é conta que resulta em um número só. É a quantificação impartível daquilo que é integralmente seu.
Tomato Girl, Eclectic Grandpa, Costal Grandma, Mob Wife… uma sopa de letrinhas do engajamento. Todo dia uma nova lorota, uma invenção supostamente inócua, criada com a intenção de ganhar likes e roubar risos. De viralizar no TikTok e virar post no Instagram. De vender roupas, sapatos, um estilo de vida. A parte mastigável de um conceito que um dia foi nutritivo — hoje, é caloria vazia, aguada e insossa.
A cultura do surf, do skate, do punk-rock… O que são se não movimentos com história, com política. A união de muitos que através do comum se tornaram um, a coragem de um que através de conexões reais se aliou a muitos. Poético, né? Coloca “aesthetic” no final que o Pinterest te dá toda essa poesia em passo a passo.
A popularização dos emblemas estéticos dessas comunidades separou os elementos visuais dos dogmas. Comunidades que ostentam estilo o fazem justamente por não fazê-lo uma prioridade. Ao invés de copiá-las, cabe mais aprender com elas.
Mas esse é um papo um tanto agridoce: democratizar símbolos é bacana, é transgressor, é a pura rebeldia de dizer “Isso pode pertencer a mim, também”. É dar dois passinhos pra trás e abrir espaço para todos na roda. Vai abrindo, vai abrindo… Coube todo mundo, mas não dá para ouvir ninguém.
Experimentar é vital, longe de mim pregar o contrário! Crescer significa invariavelmente se transformar. Exige tentativa, e tentativa contempla erro. Pregado no pronau do Templo de Apolo, a máxima délfica “conheça-te a ti mesmo” tá aí há mais de dois mil anos, instruindo não a definir-se, limitar-se, mas a consultar-se. Para se conhecer, é fundamental se mergulhar. Se estudar. Erguer papel e caneta e se entrevistar. Fácil falar, Sócrates! Logo tu que nunca logou no Instagram.
A gula pelo novo esconde uma fome por pertencimento. A bolsa desfilada na última semana de moda. O modelo de óculos que foi hit no verão europeu. O par de botas que vai falar em claro e bom tom que seus pés estão, sem sombra de dúvidas, na geração certa. “Eu estou por dentro, e, quem sabe, até no centro!”. Mas dentro de onde? Centro de que? O excesso de opção induz à perda da direção, e o bom navegador sabe escolher suas rotas.
Estilo, no fim das contas, não tem fórmula mágica — cada um resolve o problema como convém. É soma de experiências, divididas entre cabelos brancos e taças de vinho. É a subtração do rúido exterior, e a multiplicação do amor pelas poucas, mas boas coisas.
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