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Terremoto na Turquia: frio e fome ampliam drama de sobreviventes

Número de mortos já passa dos 20 mil e supera o tsunami do Japão, em 2011. Condições climáticas aprofundam a crise humanitária entre turcos e sírios

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Dezenas de milhares de pessoas que perderam suas casas no terremoto que destruiu parte da Turquia e da Síria no domingo (5) se amontoam em torno de fogueiras no frio intenso e estão sem comida e água. **O número de mortos passou de 20 mil pessoas**, em meio a críticas na população diante da resposta lenta do governo autoritário de Recep Erdogan à crise.

Equipes de emergência usam picaretas, pás e britadeiras para cavar através de metal retorcido e concreto – e ainda mantém a esperança de retirara sobreviventes. Mas em muitos lugares, o foco das equipes mudou para a demolição de prédios instáveis.

Apesar das comoventes histórias de resgates milagrosos – como o da menina que protegeu o irmão sob escombros e o do pai que foi resgatado segurando a mão da filha morta – a realidade das dificuldades enfrentadas pelos sobreviventes se impôs. **O tamanho da tragédia também aumenta**. Nesta quinta-feira (9), o número de mortes superou o número de vítimas do terremoto de 2011 em Fukushima, no Japão, que provocou um tsunami, matando mais de 18.400 pessoas.

**Corrida contra o tempo**

Mais de 72 horas após o terremoto, o período com mais possibilidades de encontrar sobreviventes, as autoridades temem um aumento dramático do número de vítimas devido ao **elevado número de pessoas que, calculam, continuam presas nos escombros**.

Na cidade turca de Antakya, dezenas correram para pedir ajuda em frente a um caminhão que distribuía casacos infantis e outros suprimentos. Um sobrevivente, Ahmet Tokgoz, pediu ao governo que retirasse as pessoas da região. Muitos dos que perderam suas casas encontraram abrigo em tendas, estádios e outras acomodações temporárias, mas outros dormiram ao ar livre.

“_Com este frio, não dá para viver aqui_”, disse Ahmet. “_Se as pessoas não morreram por ficarem presas sob os escombros, elas morrerão de frio._”

O inverno mais rigoroso do que o habitual e os danos às estradas e aeroportos dificultaram a resposta na Turquia e na Síria. Alguns na Turquia reclamaram que a resposta foi muito lenta – uma percepção que pode prejudicar o presidente Recep Tayyip Erdogan em um momento em que ele enfrenta uma dura batalha pela reeleição em maio.

As estradas danificadas tornaram mais difícil o transporte até regiões isoladas do país, que também sofreram com o abalo sísmico. Nessas áreas rurais, muitos sobreviventes ficaram sem abrigo e precisaram dormir ao relento, segundo a _BBC_.

Na cidade de Gaziantep, que ficou conhecida nos últimos dias após imagens do desabamento de um castelo milenar começarem a circular nas redes, há relatos de sobreviventes passando a noite em abrigos improvisados, segundo a Al Jazeera. **No clima frio, os turcos montaram tendas improvisadas na rua ou em bancos de parques**. Alguns poucos conseguiram ainda um espaço nas raras lojas abertas em meio ao caos do pós-terremoto. Outros deixaram a cidade em ônibus e carros, já que o aeroporto encontra-se fechado.

O governo turco está lutando para abrigar as pessoas forçadas a ir para a rua depois que suas casas desabaram ou ofereciam muitos riscos para permanecer por causa dos tremores secundários.

**Fome nas ruas**

Vários sobreviventes foram obrigados a procurar alimentos e refúgio por conta própria. Sem equipes de resgate em vários pontos, **alguns observaram impotentes os pedidos de ajuda dos parentes bloqueados nos escombros até que suas vozes não fossem mais ouvidas**.

“_Meu sobrinho, minha cunhada e a irmã da minha cunhada estão nos escombros. Estão presos nas ruínas e não há sinais de vida_”, afirmou Semire Coban, professora de uma creche na cidade turca de Hatay. “_Não conseguimos chegar até eles. Tentamos falar com eles, mas não respondem._”

Centenas de milhares pernoitaram em dormitórios, escolas, mesquitas e outros edifícios públicos, enquanto outros se abrigaram em hotéis que abriram as portas gratuitamente. Fornecê-los com **alimentos e outras ajudas básicas** tem sido um desafio.

Uma tempestade de inverno deixou as estradas da região, algumas delas bastante danificadas pelos tremores, quase intransitáveis. **Muitos aeroportos locais estão fechados**, e suas pistas precisam de reparos. “_Tomamos uma pequena tigela de sopa, isso não é suficiente – diz Mehmet Cilde, 56, pai de seis filhos._”

O frio agrava a situação. Apesar da temperatura de -5º C, milhares de famílias em Gaziantep passaram a noite em carros ou barracas, impossibilitadas de retornar para suas casas ou **com medo de voltar para os imóveis**. Os pais caminhavam pelas ruas da cidade do sudeste da Turquia com os filhos no colo, enrolados em cobertores, para tentar reduzir os efeitos do frio.

“_Quando sentamos, dói. Tenho medo pelas pessoas presas nos escombros_”, disse Melek Halici, com a filha de dois anos coberta por uma manta.

Em Sanliurfa, a situação é ainda mais terrível para Filiz Cifci. Ela perdeu a distribuição de sopa na noite de segunda-feira, mais adiante na rua do hotel Hilton. Cifci e seus três filhos, que fugiram de casa antes do amanhecer de segunda-feira com apenas três cobertores e telefones, preferiram pular uma refeição do que esperar no vento e na chuva fria. “_Só tomamos chá e café à noite, nada mais”, disse ela. “Por enquanto, não temos nada além de nossos cobertores._”

**Primeiro comboio na Síria**

Nesta quinta, o primeiro comboio de ajuda para as áreas controladas por rebeldes no noroeste da Síria atravessou a passagem de Bab al-Hawa, na fronteira com a Turquia. Um correspondente da _AFP_ observou seis caminhões carregados com material como barracas e produtos de higiene.

**O comboio foi planejado antes do terremoto devastador que atingiu a Síria** e a Turquia na segunda-feira, disse um oficial da fronteira. “_Ele pode ser considerado uma resposta inicial das Nações Unidas e deve continuar, como nos foi prometido, com comboios maiores para ajudar nosso povo_”, disse Mazen Alloush, assessor de imprensa do posto de fronteira.

**A questão da ajuda é delicada na Síria, país afetado por uma guerra civil que já dura 12 anos**, com regiões sob controle dos rebeldes e um governo que sofre sanções do Ocidente. O mecanismo de entrega de suprimentos da Turquia para a zona rebelde da Síria através de Bab al-Hawa é a única maneira pela qual a ONU pode ajudar os civis sem cruzar as áreas controladas por Damasco

Nos últimos dias os Capacetes Brancos, que lideram os esforços de resgate nas zonas rebeldes, imploraram por ajuda. “_Pedimos à comunidade internacional que assuma sua responsabilidade com as vítimas civis_”, declarou à AFP o porta-voz do grupo de voluntários, Mohammad al-Chebli. “_É uma verdadeira corrida contra o tempo, as pessoas morrem a cada segundo nos escombros._”

O coordenador da ONU na Síria também pediu ao governo sírio que facilite a **entrega de ajuda humanitária** às áreas sob controle rebelde e alertou que as reservas de emergência devem acabar em breve. “_Deixem a política de lado e nos permitam realizar nossa tarefa humanitária_”, disse El Mostafa Benlamlih.

O governo de Bashar al-Assad pediu formalmente ajuda à União Europeia. A Comissão Europeia pediu aos países membros que respondam de maneira favorável aos **pedidos de Damasco para o envio de alimentos e remédios**, mas com vigilância para impedir o desvio de material.

Uma década de guerra civil e **bombardeios aéreos da Síria e da Rússia** destruíram hospitais, provocaram o colapso da economia e cortes diários de energia elétrica, combustíveis e do abastecimento de água.