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Ao condenar réus, STF conclui que houve tentativa de golpe em 8 de janeiro. Entenda

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nessa quinta-feira (14) os três primeiros réus do 8 de Janeiro por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito. Foram as primeiras sentenças da história do país por esses crimes, incluídos no Código Penal em 2021. Aécio Lúcio Costa Pereira, 51 anos, e Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 23 anos, foram condenados à pena mais dura, de 17 anos de prisão. A Thiago de Assis Mathar, de 43 anos, foi imposta reclusão de 14 anos. Todos terão, ainda, de pagar multas. O quarto réu desse lote de acusações deverá ser julgado ainda este mês. 

A discussão sobre a existência de crime de golpe de Estado opôs o relator, Alexandre de Moraes, ao revisor, Kassio Nunes Marques, e ao ministro André Mendonça.

De acordo com a maioria da Corte, Costa Pereira – o primeiro a ser condenado – produziu contra si mesmo provas suficientes para fundamentar a sentença. Ex-funcionário da Sabesp, o morador de Diadema chegou à capital federal com outros apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na véspera dos ataques na Praça dos Três Poderes. No dia 8 de janeiro, gravou vídeos dentro do Senado e foi preso em flagrante pela Polícia Legislativa.

Nós poderíamos estar em algum lugar contando a história da nossa derrocada, mas nós estamos aqui, graças a todo um sistema institucional, contando como a democracia sobreviveu“, disse ontem o ministro Gilmar Mendes, no segundo dia de julgamento dos acusados pela invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo.

Todos os ministros defenderam a condenação de Costa Pereira, mas divergiram sobre crimes e penas. Moraes e Nunes Marques, que começaram o julgamento de Aécio votando ainda na quarta (13), sugeriram dois extremos na dosimetria. O relator propôs 17 anos de prisão e o revisor, 2 anos e meio. Ontem, prevaleceu o entendimento de Moraes, seguido por Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber

Crimes

Nunes Marques havia defendido a condenação parcial pelos crimes de deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência, considerados mais leves, e sugeriu a absolvição por associação criminosa, golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito, com penas maiores. Indicado para a Corte por Bolsonaro, Nunes Marques afirmou que o 8 de Janeiro não representou “risco à democracia“.

O ministro Cristiano Zanin seguiu Moraes, e votou pela condenação de Costa Pereira por todos os crimes, mas divergiu sobre a dosimetria. Ele sugeriu 15 anos. “O réu não ingressou no Senado para passeio ou visita. Ele ingressou juntamente com uma multidão em tumulto, que defendia, mediante violência física e patrimonial, o fechamento dos Poderes constitucionalmente estabelecidos, além da deposição do governo democraticamente eleito”, afirmou Zanin.

Em seu voto, Mendonça defendeu a absolvição de Costa Pereira pelo crime de golpe de Estado. Ele argumentou que os radicais não agiram para tentar depor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A deposição dependeria de atos que não estavam ao alcance dessas pessoas”, afirmou Mendonça, que chegou ao STF por indicação de Bolsonaro e sugeriu a segunda menor pena ao cientista da computação (8 anos).

Luís Roberto Barroso se manifestou contra a “dupla condenação”, por golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito. Para o ministro, isso seria punir o réu duas vezes pelo mesmo pelo crime.

Costa Pereira está preso preventivamente e recebeu autorização para acompanhar o julgamento no presídio. Segundo seu advogado, Sebastião Coelho da Silva, a conduta de seu cliente deveria ter sido individualizada na denúncia.

Provas

Também sentenciado por maioria a 17 anos, Matheus Lázaro, de Apucarana (PR), foi preso pela Polícia Militar perto do Palácio do Buritis, sede do governo do Distrito Federal. De acordo com os agentes, ele confessou que invadiu o Congresso com um canivete. Conforme Moraes, a denúncia de Lázaro era a que tinha mais provas de responsabilidade, uma vez que o envolvimento do réu foi comprovado por confissão, vídeo e fotos.

O relator destacou ainda a gravidade da conduta de Lázaro, ao apontar que ele é ex-militar do Exército. “O réu sabia o que estava fazendo ao pedir intervenção militar“, afirmou Moraes, ao sugerir a pena de 17 anos, além de multa de R$ 30 milhões a ser paga de forma solidária. O voto de Moraes foi integralmente acompanhado por Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.

Planalto

Segundo réu julgado ontem, Thiago de Assis Mathar, de São José do Rio Preto (SP), foi condenado a 14 anos de prisão pelos mesmos crimes atribuídos a Costa Pereira – abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa.

No dia dos ataques em Brasília, Mathar foi preso pela PM dentro do Planalto. Em sua manifestação, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos afirmou que há provas de que o réu “se associou criminosamente aos demais indivíduos para, armados, buscar atentar contra o estado democrático de direito, depor governo eleito e danificar bens públicos e patrimônios protegidos“.

O advogado Hery Waldir Kattwinkel Junior alegou que seu cliente foi a Brasília se manifestar por “um país melhor“. “Nós temos, mesmo em crimes multitudinários, que olhar para cada grupo“, disse o advogado. Ao defender as condenações, Moraes encampou o entendimento jurídico dos crimes multitudinários, praticados por multidão. Por esse raciocínio, quando um crime é cometido por muitas pessoas, não é possível nem necessário individualizar as condutas.

Moraes chamou de “mentira deslavada” a declaração do advogado segundo a qual Mathar foi a Brasília “passear“. O relator, porém, disse ver diferenças entre as condutas de Mathar e de Costa Pereira. “Diferentemente do réu anterior, ele (Mathar) não postou (vídeos)”, afirmou ao propor a pena de 14 anos, acatada pela maioria da Corte.

Mendonça sugere culpa de Dino nos ataques; Moraes reage

Os ministros André Mendonça e Alexandre de Moraes protagonizaram ontem bate-boca sobre o ministro da Justiça, Flávio Dino. Mendonça sugeriu que houve culpa de Dino no 8 de Janeiro, o que Moraes chamou de “absurdo“.

Mendonça lembrou que foi ministro da Justiça e disse que a Força Nacional poderia chegar rapidamente. “Não consigo entender como o Planalto foi invadido da forma que foi”, disse. “Vossa Excelência vem dizer que houve conspiração do governo contra o próprio governo. Tenha dó“, retrucou Moraes. “Não coloque palavras na minha boca“, reagiu Mendonça.

No fim, os dois pediram desculpas.

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