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Sob o martelo do tempo: uma conversa com o leiloeiro James Lisboa

Há quase quatro décadas, James transforma leilões em espetáculos de emoção e história

Entre o silêncio de uma sala repleta de quadros e o som seco do martelo que ecoa para selar uma venda está o leiloeiro: mediador entre arte e colecionadores, um contador de histórias que transforma transações em momentos. O leilão é mais do que uma prática comercial; é um espetáculo em que obras narram eras, e lances disputam significados. É nesse universo que James Lisboa se tornou um dos nomes mais respeitados do Brasil, coroando recentemente sua carreira com seu primeiro leilão na capital federal

“Sempre começo um leilão com um ‘Boa noite, em Brasília, vinte horas’, e foi a primeira vez que fiz isso diretamente da capital”, lembra, sobre sua participação no leilão beneficente organizado pela GPS|Foundation

James recebeu nossa equipe de reportagem alguns dias depois em seu escritório, no bairro dos Jardins, em São Paulo, um espaço acolhedor repleto de obras de arte que parecem sussurrar histórias. No canto da mesa da sua sala, uma caixa transparente com vários objetos pequenos. “São santos, terços, olho grego, um super-homem, budas, pimenta – presentes que ganho e que trato como amuletos. Em todos os leilões que faço, levo alguns comigo”, confessa, sobre um dos rituais do seu ofício. Simpático e comunicativo, Lisboa revela uma habilidade nata para lidar com pessoas – um talento indispensável para quem conduz leilões como verdadeiros espetáculos.

Foto: Celso Junior

Especialista em leilões de obras de arte, James faz questão de voltar à sua própria história antes de contar sobre seu trabalho. Filho de uma pintora e restauradora, cresceu entre cheiro de tinta e histórias de artistas. James nasceu no Rio de Janeiro, mas a família mudou-se para São Paulo no início da década de 1960, acompanhando o trabalho do pai.

Foi na nova cidade que ele começou a pintar, inspirado pelo ambiente artístico que o cercava. Aos 18 anos, realizou sua primeira exposição, apresentando temas sacros que refletiam suas raízes católicas. 

Mas foi no mercado de arte, e não na criação artística, que Lisboa encontrou sua verdadeira vocação. “Em 1975 ou 1976, comprei meus primeiros quadros: duas obras de Clóvis Graciano. Limpei, emoldurei e vendi uma delas, cujo valor cobriu o custo da outra. Esse momento me mostrou o potencial comercial da arte”, conta.

A partir daí, Lisboa mergulhou no mercado. Primeiro como galerista, abrindo sua própria galeria em 1978. Sua entrada no universo dos leilões aconteceu por acaso. “A família de um amigo pintor tinha o título e ninguém tinha interesse em seguir o ofício, então, eles me cederam”. James foi oficialmente nomeado leiloeiro em 1987. 

Com quase quatro décadas de carreira, James Lisboa acumula dois mil leilões e muitas memórias. Ele recorda quando conheceu Tarsila do Amaral em uma homenagem realizada em 1972. “Ela já estava em cadeira de rodas. Ver suas obras e ouvir suas histórias foi inesquecível”. Ou ainda quando comercializava obras de Alfredo Volpi. “Volpi era uma figura singular. Ele pintava apenas à luz natural e era muito rigoroso com seu trabalho. Lembro-me de visitá-lo e esperar pacientemente até que ele terminasse seu dia no ateliê”.

 

O mercado 

A tradição dos leilões, segundo James, foi criada para lidar com falências e espólios. “Na década de 30, 40, a divulgação de um leilão era feita com uma bandeira vermelha na porta, para avisar que ali algo importante estava prestes a acontecer”, relembra. Embora o cenário tenha mudado, a seriedade do leilão permanece a mesma – a pontualidade, aliás, é uma das suas marcas registradas.

Para Lisboa, o leilão é também um rito de passagem para as obras. “Quando você pega uma obra, sabe que ela passou por gerações, carregando sentimentos”, conta. A pandemia acelerou o processo dos leilões online, a maioria atualmente. “Mas nada substitui a sensação do martelo batendo fisicamente”, enfatiza.

“O barulho do martelo, o eco que ele cria, é algo que concentra a atenção de todos. O som é intencional, é para dar força à decisão tomada naquele momento. Quando ele bate, o negócio está fechado”, completa, com um brilho no olhar. 

Foto: Celso Junior

Em família

Em 2004, James Lisboa iniciou uma nova fase em sua carreira, abrindo sua própria galeria e escritório de leilões ao lado do filho, Acácio. O leiloeiro, que já lidou com uma variedade de obras e colecionadores, fala sobre suas escolhas pessoais. “Eu tenho muitos desenhos do Portinari, do Graciano, e pinturas que guardo com carinho, não por especulação”, confessa.

Em seu escritório, entre Volpi, Portinari, Di Cavalcanti, impossível não se encantar com as artes de Sofia, Tiago e James Henrique, seus netos, devidamente emolduradas e ao lado dos “grandes”. 

Enquanto James me acompanha até a saída, lanço uma última pergunta: alguma venda marcou sua trajetória? Ele sorri, como quem busca entre memórias preciosas, e responde: “Muitas, e nem sempre pelo valor. Lembro de um leilão em que um quadro de Ademir Martins gerou uma disputa emocionante entre um casal e uma família. O casal queria a obra porque ela havia sido pintada no dia e ano do casamento deles. Já o pai da família queria presentear a filha. No fim, o casal levou a obra por R$ 30 mil”.

Ele para por um instante, como se revivendo a cena, e conclui: “É isso que faz um leilão especial. Uma obra de arte ganha novas histórias ao mudar de mãos, carregando consigo memórias de onde veio e criando outras aonde vai”.

A paixão e o respeito de James Lisboa pela arte não estão apenas no martelo que sela o negócio, mas no coração que acolhe cada narrativa que passa por suas mãos. “O leilão é onde a história das obras encontra a emoção dos colecionadores”, finaliza. E, assim, o som inconfundível do martelo encerra um lance e inicia uma nova história. 

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