Como de costume, a Schiaparelli deu início à Semana de Moda de Alta-Costura de Paris nessa segunda-feira (7). A marca apresentou sua coleção de outono-inverno 2025/2026, assinada pelo diretor criativo Daniel Roseberry, no museu de Belas-Artes da capital francesa, o Petit Palais.
Na coleção intitulada “Back to the Future” (ou “de volta ao futuro”, em português), a Schiaparelli presta uma homenagem sofisticada e conceitual à fundadora Elsa Schiaparelli, e, ao mesmo tempo, propõe um olhar radicalmente novo sobre o futuro da moda. Roseberry conta que a inspiração vem de um momento de transição histórica: em junho de 1940, Elsa deixou Paris rumo a Nova York, fugindo da iminente devastação da Segunda Guerra Mundial. O gesto marcou o fim de uma era e o início de uma nova fase, tanto na vida da estilista quanto na história da moda.
O diretor criativo atual da maison parte justamente desse ponto de inflexão para construir sua narrativa. “É uma coleção dedicada àquele período, quando vida e arte estavam à beira do abismo: ao pôr do sol da elegância, e ao fim do mundo como conhecíamos”, explica. O resultado é uma coleção principalmente concebida em cinza, preto e branco, em que a ausência de cor serve como provocação: seria possível, ao mergulhar obsessivamente no passado, criar algo que pareça nascido no futuro?
Entre surrealismo e elegância
Com referências explícitas ao surrealismo (movimento artístico tão apreciado por Elsa), o desfile foi concebido como um trompe-l’œil, do cenário às roupas. A maquiagem, as texturas e os volumes brincam com a ilusão e o exagero. Em vez das famosas silhuetas com espartilho da fundadora, surgem novas formas dramáticas, que definem cintura e quadril com técnicas inusitadas, propondo intensidade e conforto ao mesmo tempo.
Códigos clássicos da casa foram revisitados com sutileza: há iconografias anatômicas ocultas em detalhes da alfaiataria, cerâmicas moldadas à mão e foulards bordados com fitas métricas e poás em fios de seda — tudo feito com técnicas da época da estilista fundadora da marca.
Alta-costura como arte
A coleção também abraça o lado fantasioso que sempre fez parte do DNA da Schiaparelli. Um dos destaques é a releitura da icônica capa “Apollo”, transformada em uma escultura de bijuterias com camadas de estrelas metálicas em tons de preto, chumbo e prata. Também foram apresentados vestidos de tule com bordados em 3D em forma de conchas, paletós inspirados em matadores com pérolas barrocas e bordados de jato preto, e um vestido bordado com íris pintadas à mão, adornadas com cílios de fios metálicos e um dramático véu de tule.
Com peças como o novo “Else Jacket” (uma alfaiataria de ombros marcados inspirada nos arquivos da maison) e vestidos de noite cortados no viés, a marca propõe uma linguagem noturna que não depende de espartilhos nem modelagens restritivas.
Um manifesto contra o presente digital
Além de fazer referência ao passado, a coleção também propõe uma crítica ao presente: “Estou propondo um mundo sem telas, sem IA, sem tecnologia — um mundo antigo, sim, mas também pós-futuro”, declara o estilista. Ao eliminar os “marcadores óbvios do modernismo”, ele retorna a princípios elementares que, paradoxalmente, soam revolucionários no contexto atual.
Destaque da coleção
Entre os looks apresentados, o que mais chamou atenção e gerou comentários nas redes sociais foi o look 24. Totalmente vermelho, o vestido traz as costas esculpidas como um torso invertido — referência direta ao filme A Morte Lhe Cai Bem (1992). O visual foi finalizado com escarpins de cetim vermelho, cuja tira é adornada por uma joia: uma réplica do “Coração Real”, criado por Salvador Dalí em 1953.
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Outras releituras notáveis foram a jaqueta Palm Tree, originalmente apresentada na coleção de inverno 1936 da grife, e o conjunto de noite do inverno 1937.
A capa Apollo of Versailles (Apolo de Versalhes, em português), desenvolvida por Elsa Schiaparelli e Christian Bérard para a coleção de inverno 1938 de Alta-Costura, reapareceu tanto em versão com tule e plumas quanto reinterpretada como colar.
Já o icônico broche surrealista The Eye of Time, criado por Dalí em 1949, foi resgatado como motivo bordado em diferentes peças da nova coleção.
O legado de Elsa
A coleção termina com uma reflexão sobre a própria Elsa. Em janeiro de 1941, ela retornou brevemente à Europa em meio à guerra, passando por Portugal e entregando cápsulas de vitaminas a refugiados — antes de voltar a Nova York, onde se reuniu com artistas surrealistas em exílio. “É fácil romantizar o passado. É fácil temer o presente. Mas olhar para trás de nada serve se não encontrarmos algo significativo para levar ao futuro”, resume o criador.
Em um tempo em que o presente parece incerto e o futuro, indefinido, a Schiaparelli convida a moda, e o mundo, a buscar sentido na memória e ousadia na imaginação