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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: por que os franceses são magros?

Viajo para frança para mais de duas décadas e praticamente todos os anos visito Paris. Posso me considerar um francófono; o jornal de notícias diárias que assistimos em nosso lar ao final do dia é a emissora TV5. E agora com os Jogos Olímpicos de verão não seria diferente, com as tecnologias de comunicação digital sem fronteiras, enviei o conteúdo dessa coluna desde terras gaulesas até a redação do GPS|Brasília numa prosaica operação ultramarina.

Lá atrás, nos primórdios dos anos 2000, nos meus primeiros contatos com o país, como nutricionista e pesquisador, tinha curiosidade de saber como um francês se alimentava – ou pelo menos descobrir como é que permaneciam tão magros, tanto os homens quanto as mulheres.

Esse é um país onde numa esquina você encontra uma boulangerie com doces de dar água na boca e, na outra, um café onde os parisienses ficam horas. É um lugar conhecido pela riqueza das sobremesas, baguetes feitas com farinha refinada, foie gras, carnes gordurosas,  vinho e champanhe. No entanto, a maioria dos habitantes parece ter pouca dificuldade em manter um peso saudável. Isto é, o conhecido “Paradoxo Francês”.

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14676260/

Uma das minhas primeiras observações foi que os franceses não são todos magros. Embora a percentagem de pessoas portadoras de excesso ponderal não seja tão elevada quanto no Brasil, por exemplo.

Em parte, os franceses culpam a infiltração de ultraprocessados, batatas fritas (isto é um paradoxo) e sorvetes super-premium pela sua crescente circunferência abdominal. Ainda assim têm uma mentalidade que os ajuda a permanecerem magros.

Na mesma direção, as mulheres francesas recusam-se a aceitar o excesso de peso. Não é segredo que elas querem ser lindas, elegantes e cuidar de si mesmas para pacificarem suas imagens corporais.

Na verdade, segundo o Ministério da Saúde da França, dois terços das mulheres têm um índice de massa corporal (IMC) inferior a 23, que está na faixa de normalidade, entre 18,5-24,9. Com efeito, as taxas de obesidade no país são um terço das dos Estados Unidos.

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28497238/

Se olharmos para as estatísticas atuais, os franceses têm menos doenças cardiovasculares e mortalidades correspondentes do que nós (brasileiros).

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34238998/

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os países com as taxas mais baixas de doenças cardíacas incluem:

  1. França;
  2. Austrália;
  3. Suíça;
  4. Japão;
  5. Israel.

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34497402/

Uma percepção é que os estilos de vida francês e brasileiro são muito diferentes. Comer é uma experiência que precisa alcançar para além do paladar, mas também prazer, lazer, bem-estar, socialização, cultura, hábitos regionais e até mesmo religião. No Brasil, muitas vezes devoramos as refeições em tempo recorde ou comemos enquanto dirigimos ou sentados em nossas mesas de trabalho. Mas os franceses parecem ter todo o tempo do mundo para sentar, almoçar e jantar. Eles comem por prazer, usando todos os sentidos.

No Brasil, as dietas com baixo teor de carboidratos fazem com que muitos de nós digamos não aos alimentos brancos, como pão e macarrão, mas na França, todo mundo parece estar carregando uma baguete fresca embaixo do braço para levar para casa.

É preciso comer uma grande quantidade de pão ou macarrão para que as calorias aumentem e, na maioria das vezes, as refeições francesas são bastante leves e as porções são pequenas.

Confit de pato, foie gras e muitos outros alimentos gordurosos são consumidos ocasionalmente – talvez uma vez a cada duas semanas. O vinho e champanhe são apreciados regularmente, mas em porções limitadas.

Muitas pessoas têm a sensação de que os franceses frequentemente se entregam a comidas sofisticadas, como tortas doces e carnes de caça produzidos com uma carga generosa de manteiga. A realidade é que a maioria só come esses alimentos muito eventualmente, e não o dia inteiro. Quando se defrontam com banquetes calóricos, tendem a comer porções menores.

E você não encontrará adoçantes artificiais em todas as mesas. Isso porque os franceses preferem pequenas porções de comidas de verdade, como açúcar e manteiga.

Peça um sanduíche de presunto na França e você ficará surpreso ao receber uma fatia fina desse embutido e alguns tomates com mostarda em uma baguete. Não chega nem perto das calorias encontradas em um antagonista recheado ao estilo “podrão” acompanhado de batatas fritas.

E aí está outro segredo da magreza dos franceses: controle da quantidade!

O que pude notar ao longo dos anos vindo para França: o café da manhã normalmente é café com algum tipo de pão, ovos, iogurte ou cereal. Os croissants são uma delícia e servidos principalmente aos visitantes. Os lanches são apreciados principalmente pelas crianças depois da escola; os adultos geralmente fazem três refeições por dia. A sobremesa é obrigatória, mas as porções são pequenas – assim como os bolos e tortas.

Os franceses tendem a fazer a maior refeição no meio do dia, em vez de tarde da noite, e teoricamente poderiam gastar essas calorias o dia todo. Talvez isso os deixe com menos fome ou menos propensos a lanchar o resto do dia.

O iogurte é um alimento básico que ajuda os franceses a controlar a fome. A maioria deles come uma ou duas unidades por dia, muitas vezes no desjejum – e especialmente depois de uma noite de excessos para ajudar a equilibrar as calorias.

Esse laticínio é um produto perfeito porque é rico em cálcio, contém carboidratos, lactobacilos, proteínas e gorduras – tudo que você precisa em cada refeição.

Na maioria dos mercados franceses, os iogurtes ocupam um corredor inteiro, enquanto salgadinhos como batatas fritas, refrigerantes e biscoitos têm muito pouco espaço nas prateleiras.

É difícil descobrir o valor nutricional de muitos dos alimentos nos mercados franceses. Diferentemente do Brasil, a rotulagem nutricional é opcional.

A julgar pelos alimentos que venho  assistindo nesses anos de Paris, o consumidor francês médio parece estar mais interessado na adição de vitaminas  e minerais do que na redução de gordura ou calorias. Encontrei alguns alimentos cujos rótulos ostentavam 0% de gordura, mas não chegava nem perto do número de produtos com calorias reduzidas e sem gordura que se alinham nas prateleiras dos supermercados brasileiros.

Outro ponto, os franceses não treinam; eles andam. Essa atividade física diária é um dos motivos pelos quais tendem a ser mais magros. Ter carro em qualquer cidade europeia é um desafio. Como resultado, os moradores caminham bastante ou andam de bicicleta. E quando caminham ou dirigem, geralmente não comem, bebem café em copos de plástico ou falam ao celular.

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34161372/

Os europeus – os franceses em especial – fazem da atividade física parte do seu dia. Nós, no Brasil, somos muitas vezes obcecados com exercícios físicos, mas, no outro extremo, também podemos ser  voluntariamente sedentários irredutíveis.

Os franceses tendem a ser muito ativos no seu dia a dia. Eles podem não correr tantas maratonas ou até frequentar uma academia, mas vão a pé para o trabalho e para pegar os filhos na escola, além de não usarem tanto elevador.

A OMS recomenda 150 minutos de atividade moderada por semana. Os franceses alcançam isso sem muito esforço. Experimente caminhar durante o horário de almoço ou depois do jantar, e suba escadas sempre que puder para incluir mais passos em sua rotina.

Nota lateral: é praticamente impossível encontrar uma local na França, sobretudo em Paris, livre de tabagismo. Na cidade ou no campo, fumar é um modo de viver, assim como sentar-se em cafés.

Talvez todo o excesso de café e cigarros ajudem a diminuir o apetite e expliquem, em parte, por que os franceses são magros. É claro que todos sabemos que fumar não é saudável e certamente não é uma boa maneira de controlar o peso.

Chegamos a um ponto em que nós, brasileiros, comemos muito, em excesso de quantidade – muito mais do que necessitamos. Embora não precisemos cessar definitivamente o consumo de nossas guloseimas favoritas, deixemos para deliciar-nos com elas ocasionalmente. E optemos por uma porção menor.

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente.

Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado no seu Conselho de Categoria correspondente.

 

Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de  Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

CRN-1 2970.

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