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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: “Ozempic natural”?

A berberina é uma substância fitoquímica comercializada como suplemento em pó ou comprimido. Nas redes sociais alguns a apelidaram de “Ozempic natural”, uma comparação enganosa com o medicamento para a diabetes tipo 2 que alcançou popularidade como tratamento para o emagrecimento. No TikTok, a hashtag #berberine tem mais de 73 milhões de visualizações e continua aumentando. É só subindo!

O termo “Ozempic natural” é puro marketing e implica que o produto químico berberina é semelhante em qualquer formato, forma ou mecanismo ao Ozempic, e não é. Só porque um suplemento diz que é natural e tem um preço que não é um assalto, não significa que funcione ou que seja seguro.

Mas, afinal, o que é a berberina? Trata-se de um fitoquímico encontrado em diversas plantas, como bérberis europeu, goldenseal, goldthread e açafrão-da-árvore, incluindo também um grupo de arbustos denominados Berberis. Esse fitoterápico tem sido usado na medicina tradicional chinesa para tratar diarreia bacteriana devido às suas propriedades antimicrobianas. Algumas pesquisas sugerem que pode reduzir o açúcar no sangue e diminuir a resistência à insulina em portadores de diabetes tipo 2. Estudos também aventam a hipótese de que a berberina poderia tratar dislipidemia e hipertensão.

Ainda assim, grande parte das investigações é limitada, de baixa qualidade e, em última análise, inconclusiva. Muitos estudos incluem amostras pequenas e períodos de estudo curtos ou analisaram a berberina em combinação com outros fitoterápicos. Posto que esse produto tenha sido estudado para uma variedade de coisas diferentes, eu não diria que foi comprovado para o tratamento de coisa alguma.

Embora um estudo com ratos obesos tenha mostrado que a berberina reduziu o peso secundário à ingestão diminuída de alimentos, os ensaios clínicos em humanos não mostraram queda de peso significativa. Uma recente revisão sistemática e meta-análise de 12 ensaios clínicos randomizados descobriu que a berberina ajudou as pessoas, em média, a emagrecer cerca de 2,5 kg. Os conteúdos incluídos na investigação utilizaram diferentes doses desse fitoativo durante cerca de um a três meses. A análise também foi recebida com ceticismo pela comunidade acadêmica; porque as pesquisas envolvidas são de baixa qualidade, e a equipe de cientistas iranianos nos bastidores delas foi denunciada por adulteração de dados. Você pode acessar os estudos aqui e aqui.

A berberina não é potente o suficiente para facilitar o emagrecimento per si. Dieta adequada e exercícios físicos regulares são sempre mais importantes em qualquer jornada para redução ponderal, não importa se há suplementos de ervas envolvidos. A perda de peso que ocorre enquanto se toma esse fitoterápico é na verdade um “subproduto feliz” do seu efeito sobre outros fatores. A redução do açúcar no sangue, por exemplo, diminuirá a quantidade de glicose armazenada como gordura corporal.

Portanto, a berberina não deve ser considerada uma erva para emagrecimento. Em tempo algum foi usada dessa forma e jamais será porque esse não é o seu mecanismo de ação. Pode ser um componente relacionado à melhora da sensibilidade à insulina? Absolutamente. Mas a dieta é mais importante? 100%! Seus efeitos a longo prazo à diminuição do peso também não são claros: a redução ponderal, não importa como você a consiga, é notoriamente difícil de mantê-la. Você deveria tomar berberina, ou mesmo Ozempic, para sempre para manter o peso emagrecido? Nós simplesmente não sabemos.

Os mecanismos por detrás da berberina e do Ozempic não poderiam ser mais heterogêneos. O segundo, uma das marcas da semaglutida, reduz o apetite e faz as pessoas se sentirem saciadas ao imitar o hormônio GLP-1 que o trato gastrointestinal libera em resposta à alimentação. Também ajuda o corpo a produzir mais insulina, o que reduz o açúcar no sangue. A berberina aumenta a captação de glicose pelas fibras musculares e melhora a sensibilidade à insulina ao acender a proteína quinase ativada por AMP (AMPK).

Na verdade, a berberina seria uma “metformina natural”, que é um medicamento usado para tratar diabetes tipo 2 que funciona pela mesma via da AMPK.

A berberina causa mais comumente distúrbios gastrointestinais, incluindo alterações da função intestinal que oscilam entre diarréia, prisão de ventre e gases. Se essas manifestações perseverarem por mais de duas semanas, o tratamento deverá ser interrompido. Em casos mais graves, o suplemento pode causar náuseas e vômitos se as doses forem demasiado elevadas, bem como sintomas neurológicos, como dormência nas mãos e nos pés, embora sejam raros. O potencial de sensibilidade ou reação alérgica à berberina, ou a qualquer suplemento ou medicamento, também é possível.

Pessoas grávidas ou amamentando não devem consumi-la porque pode atravessar a barreira placentária e também, posteriormente, a lactação, prejudicando potencialmente os recém-nascidos. O suplemento pode retardar a remoção de uma substância química chamada bilirrubina, um subproduto da degradação dos glóbulos vermelhos do fígado, causando um tipo raro de dano cerebral chamado Kernicterus. Os bebês que nascem com níveis elevados de bilirrubina (icterícia) enfrentam maiores riscos se forem expostos à berberina. Clique aqui para acessar o estudo.

Indivíduos que tomam determinados medicamentos também devem ter cuidado com esse fitoterápico, pois pode afetar a forma como o fígado decompõe alguns fármacos, o que aumentaria seus efeitos. Ingeri-la junto com remédios para diabetes, por exemplo, pode reduzir muito o açúcar no sangue. O mesmo raciocínio se aplica à mistura de berberina com anticoagulantes e drogas anti-hipertensivas. Poderia haver mais interações potenciais com outros remédios, no entanto, simplesmente não há dados suficientes disponíveis considerando à prescrição assistencial.

A associação da berberina ao consumo de bebidas alcoólicas é proscrita: ambos podem afetar a função hepática. Sabe-se que o álcool causa danos e a berberina interage com as enzimas do fígado. A combinação das duas substâncias pode sobrecarregar ainda mais e aumentar o risco de lesões no órgão.

As empresas que comercializam suplementos não precisam provar que seus produtos são seguros ou eficazes antes de serem colocados nas gôndolas das farmácias. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), assim como entidades análogas em outros países, só intervém para revisar um produto se surgirem preocupações sobre segurança. A falta de regulamentação também significa que esses itens podem conter outros ingredientes na suas composições, como estimulantes, que podem interagir negativamente com inúmeras drogas.

Tem havido muitas ondas de novas terapias e suplementos para emagrecimento que parecem estar na moda, mas, em certo sentido, o tempo dirá todas as verdades. As redes sociais não oferecem a imagem completa e ainda não há nenhuma maravilha fitoterápica que isoladamente possa ajudar as pessoas a emagrecerem de forma segura e eficaz.

*Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

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