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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: menstruada e faminta

Quando o período menstrual dá as caras, é comum sentir mais vontade de comer doces e comidas de maior valor calórico. Mas por que isso acontece?

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Você não está sozinha quando sente um aumento no apetite pouco antes do período menstrual. Em certos pontos do ciclo, é possível que perceba mais fome do que o normal ou deseje determinados alimentos: os hormônios podem ser considerados os principais culpados.

 

A síndrome pré-menstrual (SPM) é uma combinação de sintomas que muitas pessoas apresentam cerca de uma ou duas semanas antes da menstruação. Mudanças no apetite ou desejos alimentares estão entre suas manifestações, também conhecida como tensão pré-menstrual (TPM). Mas não se trata automaticamente de um desastre alimentar. Todos os meses, durante os anos entre a puberdade e a menopausa, o seu corpo passa por diversas mudanças para se preparar para uma possível gestação. O ciclo é o termo usado para descrever o circuito hormonal mensal que o corpo de uma mulher atravessa ao se preparar para engravidar. Considera-se que essas etapas começam no primeiro dia da menstruação, e perfazem 28 dias; no entanto, a duração pode variar de 21 a 35 dias. E divide-se em quatro fases:

 

Fase menstrual: a primeira. É também quando você menstrua.
 

Fase folicular: começa no primeiro dia da menstruação e termina quando você ovula.
 

Fase de ovulação: é quando o ovário libera um óvulo maduro, geralmente bem no meio do ciclo menstrual.
 

Fase lútea: ocorre depois que o folículo libera seu óvulo e se transforma no corpo lúteo, que secreta hormônios que mantêm o revestimento uterino espesso e pronto para a implantação de um óvulo fertilizado.

 

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Foto: Freepik

 

Num estudo de 2015 publicado no European Journal of Nutrition, os autores mediram a ingestão alimentar de mais de 250 participantes saudáveis, com menstruação regular e idades entre 18 e 44 anos, durante dois ciclos menstruais. Eles encontraram um aumento na ingestão de proteínas, especificamente de origem animal, bem como nos desejos alimentares durante a fase lútea, independentemente do estado ovulatório.

 

Uma investigação de 2016 publicado no Annals of Endocrinology analisou os hábitos alimentares, as flutuações de peso e os níveis hormonais de 30 participantes com idades entre 18 e 45 anos. Os pesquisadores descobriram que as mulheres realmente comiam significativamente mais antes da menstruação. A ingestão diária de calorias aumentou de 1.688 durante a fase folicular para 2.164 durante o período lúteínico, quase 30%, sendo os carboidratos responsáveis pela maior parte da energia extra consumida.

 

Ocorre que, após a ovulação, a progesterona começa a subir. Esse hormônio ajuda a preparar o corpo feminino para implantar e nutrir um óvulo fertilizado. Se o óvulo e o espermatozóide não se encontrarem, segue-se um período menstrual.

 

Entretanto, não depende inteiramente da progesterona. Outros hormônios estão contrabalançando isso. Por exemplo, a leptina, um hormônio que regula o apetite, também está em níveis mais altos durante a segunda metade do ciclo. Na verdade, de acordo com uma revisão sistemática de 2021 publicada no International Journal of Women’s Health, os estudos analisados mostraram alterações significativas nesse hormônio, incluindo um aumento constante desde o nível mais baixo na fase folicular inicial até ao seu pico na fase lútea tardia.

 

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Foto: Unsplash

 

Próximo à menstruação, as oscilações hormonais podem causar diminuição na secreção do “hormônio da felicidade”, a serotonina, em contraste com o aumento do “hormônio do estresse”, o cortisol. A serotonina é um neurotransmissor produzido tanto no cérebro quanto no intestino, cujo desequilíbrio pode repercutir sintomas como hiperfagia, fadiga, dificuldade de concentração e memória, irritabilidade, mau humor e insônia. O que você pode fazer para se sentir melhor? O favorito: chocolate! Chocolate faz você se sentir bem sim. A gordura e os açúcares ajudam a equilibrar os níveis de serotonina e insulina, melhorando o  humor.

 

Em um estudo divulgado no European Journal of Nutrition de 2015, os pesquisadores observaram que as participantes relataram um aumento significativo no apetite e no desejo por chocolate, doces e alimentos salgados na fase lútea tardia em comparação com as outras três do ciclo menstrual. A maioria das pessoas que menstruam gasta um pouco mais de calorias do que o normal durante a fase lútea, então as calorias extras são aproveitadas.

 

Uma meta-análise publicada no periódico Plos One, em 2020, com todos os estudos disponíveis em língua inglesa sobre alterações metabólicas durante o ciclo menstrual, compreendendo 56 registros entre 1930 e dezembro de 2019, mostrou que 47% relataram um aumento na taxa metabólica de repouso (TMR) durante a fase lútea em comparação com a folicular. Não sabemos exatamente o porquê, mas pode ser que estejam em ação mecanismos de preparação para uma possível gravidez, que exigiria um maior  gasto de energia.  

 

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alimentos podem até ajudar a aliviar os sintomas menstruais, além de impactar nos níveis de energia e humor. Inclua grãos integrais, proteínas magras, frutas, vegetais, sementes, nozes e legumes em sua rotina alimentar. Opte por lanches como homus e vegetais ou biscoitos integrais, pipoca, queijo cottage, maçã com pasta de amendoim, iogurte grego com mel e frutas. E durante aquele momento específico em que você deseja comer o mundo inteiro? Sim, não há problema em isoladamente pegar um saco de batatas fritas e uma fatia de bolo prestígio se isso faz você se sentir bem e contribui para mitigar os sintomas da TPM.

 

Honre seus desejos: restrição e privação constantes podem levar a compulsão alimentar, que é seguido por culpa e mais restrições – é um círculo infindável. Se você está com vontade, dê um passo para trás e pergunte-se, parafraseando a música dos Titãs: “você tem fome de quê?”. Por exemplo, se o que realmente quer é chocolate, então coma o chocolate. Consumi-lo com moderação, apreciando sua riqueza de sabor e textura, pode proporcionar uma saciedade ainda maior. Portanto, quanto às “comidas gostosas”, lembro às pacientes que não se sintam fracassadas por quererem comê-las mais. Entretanto, façam de forma consciente e parcimoniosa. E se movimentem!

 

*Clayton Camargos é pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de  Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.