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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: low carb emagrece?

A famosa dieta low carb, que restringe o consumo de carboidratos refinados, se tornou um sucesso pelo rápido emagrecimento.
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Da próxima vez que você quiser começar uma discussão, mencione as calorias. E que, para emagrecer, é preciso gastar mais do que se come. A matemática da entrada/saída de calorias tem que funcionar, mas as dietas com baixo teor de carboidratos, também conhecidas como low carb, afetam ambos os lados da equação, então, não podemos descartar o efeito como real, mas limitado.

Todos concordam que o conteúdo de macronutrientes da sua dieta pode afetar quantas calorias você gasta (porque gordura, carboidratos e proteínas são metabolizados de maneira diferente) e quantas você ingere (porque alguns alimentos saciam mais do que outros). A discordância é sobre a magnitude dessas mudanças, particularmente no que diz respeito às dietas com baixo teor de carboidratos. Portanto, vamos conversar sobre isso.

Primeiramente, as abordagens com baixo teor de carboidratos afetam a parte da equação que elimina calorias. Menos carboidratos significam menos insulina e, como esse hormônio é essencial para o armazenamento de gordura, segundo o raciocínio, você acaba gastando calorias em vez de armazená-las. Essa é uma teoria plausível e testável! Traga as pessoas para um ambiente controlado e alimente algumas com dietas baixas e outras ricas em carboidratos com o mesmo valor energético, e veja quem emagrece mais. Depois, há o lado da equação com calorias. Como as dietas com baixo teor de carboidratos saciam mais, diz o raciocínio, é mais fácil ingerir menos calorias. Essa também é uma teoria plausível e testável!

Atribua às pessoas diferentes tipos de dietas sem restrições calóricas e veja quem emagrece mais. Você pode encontrar “evidências” para apoiar praticamente qualquer conclusão que você gostaria de tirar. E, se você lida com o discurso sobre dieta, sem dúvida já viu longas listas de evidências que apoiam a teoria do baixo teor de carboidratos. Portanto, aqui está a pergunta que você deve fazer: alguém está tentando provar que algo é verdade ou descobrir se é verdade?

Antes de tudo, vamos ingerir calorias. Se você realmente quer descobrir se come menos com dietas baixas em carboidratos, visite o portal PubMed, o repositório de periódicos científicos. Concentro-me nas meta-análises, porque a sua função é avaliar a preponderância das evidências. Se você usar “dieta com baixo teor de carboidratos para perda de peso” como termo de pesquisa e restringir os resultados a meta-análises, obterá 61 resultados.

Todos disseram a mesma coisa, o que é reconfortante porque, em sua maioria, estão meta-analisando combinações do mesmo conjunto de estudos. O resultado final é que, em testes de curto prazo (um ano ou menos), as dietas com baixo teor de carboidratos superam as outras em alguns quilos (menos de 10). Duas meta-análises, porém, revelam que as pessoas emagrecem um pouco mais de peso com a dieta mediterrânea do que com a abordagem restritiva em carboidratos. Confira aqui e aqui os estudos.

Depois de um ano, qualquer vantagem do baixo teor de carboidratos praticamente desaparece. Algumas meta-análises encontram uma pequena vantagem, mas estamos falando de dois ou três quilos. Outros não encontraram nenhum benefício.

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Foto: Unsplash

Minha avaliação é que, a curto prazo, dietas com baixo teor de carboidratos são mais fáceis de seguir. Tirar da mesa categorias inteiras de alimentos ricos em calorias e fáceis de comer (pão, macarrão, arroz, ultraprocessados) funciona para muitas pessoas, pelo menos por um tempo. E há algumas evidências de que dietas com muito baixo teor de carboidratos (do tipo cetogênica) são mais saciantes do que outras abordagens.

Na mesma direção, um estudo convincente, entretanto, de curto prazo, mostrou que pessoas que fazem dieta cetogênica comem quase 700 calorias a mais por dia do que aquelas que seguem protocolos com baixo teor de gordura. Confira aqui o estudo.

No longo prazo, porém, os testes indicam que o baixo teor de carboidratos não é melhor do que outras dietas. Vamos para a parte de calorias eliminadas da equação: as pessoas que seguem dietas baixas em carboidratos emagrecem mais peso com o mesmo número de calorias porque seus corpos gastam mais energia?

Em ensaios estritamente controlados, onde os indivíduos são alimentados com dietas isocalóricas portadoras de composição variada de macronutrientes, isso não acontece. Ao apreciar vários desses testes, não consegui encontrar nenhum resultado em que o conteúdo de carboidratos fizesse diferença.

Em 1977, um pequeno estudo comparou uma dieta de 14 dias com 70% e outra com 10% de carboidratos. Mostrou-se que os indivíduos emagreceram mais peso com a dieta pobre em carboidratos, mas o recuperaram imediatamente quando foi interrompida, indicando que era a eliminação de líquidos que você espera de dietas com muito baixo teor de carboidratos.

Um estudo mais longo, em 1992, avaliou dietas com 15% a 85% de carboidratos e não encontrou nenhuma diferença na energia necessária para manter o peso corporal. Dietas com baixo teor de carboidratos levam a maior gasto energético, porém, os maiores efeitos só acontecem cerca depois de 17 dias.

Portanto, é uma “medida instantânea” que não exige que você espere até que o déficit se transforme em redução de gordura. Uma investigação científica mostrou que o baixo teor de carboidratos aumenta o gasto energético total em 200 a 300 calorias por dia, por exemplo, mas relatou 480 calorias a menos ingeridas do que gastas, apesar do peso médio ser estável. Confira aqui o estudo.

Em 2015, uma pesquisa do National Institute of Health, apresentou que indivíduos sob dieta pobre em carboidratos gastaram menos tecido adiposo (53 g/dia) do que aqueles com dieta pobre em gordura (89 g/dia). Adiante, em 2016, afirmou que uma dieta cetogênica realmente levava ao gasto de mais energia, no entanto, que a pequena diferença não correspondia à redução de gordura.

O padrão-ouro para testes de redução ponderal é o emagrecimento de peso real, e se a quantidade de excesso de energia gasta em dietas com baixo teor de carboidratos fosse significativa, esperaríamos ver isso aparecer na diminuição do peso (ou, mais particularmente, de gordura). E isso não acontece.

Qualquer intervenção nutricional com menos de três meses é, na minha opinião, tão irremediavelmente confundida por efeitos transitórios, e tão fraca, que é virtualmente sem sentido.

Um estudo de três meses com pacientes internados, sob dietas cuidadosamente controladas, seria proibitivamente caro e complexo de ser conduzido. De toda sorte, dietas com baixo teor de carboidratos podem, de fato, aumentar o gasto energético, mas tão pouco que o sinal não superaria o ruído até pelo menos três meses.

Por fim, sou a favor de dietas low carb; trata-se de uma abordagem que restringe grandes grupos de alimentos que a maioria de nós provavelmente deveria comer menos, e algumas pessoas encontram uma maneira de mantê-los por um longo prazo. Mas não há mágica metabólica: você emagrece com dietas baixas em contagem de carboidratos porque se come menos. É uma questão puramente de balanço calórico.

*Clayton Camargos é pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

@dr.claytoncamargos