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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: janeiro sem álcool

Depois do excesso de bebidas nas festas de fim de ano, o 'Dry January' chega com proposta de diminuir o consumo de álcool
Foto: Unsplash

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Anualmente, dezenas de milhares de pessoas iniciam o novo calendário desejando superar desafios do ano que passou e não puderam ser conquistados. Conversei sobre isso em nossa última coluna. Equilibrar o consumo de bebidas alcoólicas é um deles. Eleger janeiro para sobriedade completa pode ser muito bem-vindo, quer dizer, um “janeiro sem álcool”. Esse projeto é empreendido nos EUA há algum tempo com o título de “Dry January”.

Conheça aqui o programa:

Announcing our app, member community, and Dry(ish) January challenge

A proposta é um teste temporário de força de vontade, seguido por um retorno aos velhos hábitos de consumo quando o mês termina. Mas, muitas vezes não é isso o que acontece: a ciência revela que os compartes do “janeiro sem álcool”, e de outros desafios homólogos que envolvem sobriedade, frequentemente experimentam privilégios perenes. Muitas vezes, bebem menos a longo prazo e fazem outras mudanças sustentadas nos seus hábitos de consumo que levam a melhorias notáveis na sua saúde e bem-estar.

Então, por que o “janeiro sem álcool” parece ter um efeito duradouro? Um mês de sobriedade, embora possa parecer desafiador, não é tão longo a ponto de parecer impossível. E, no entanto, é suficientemente extenso para proporcionar oportunidades à formação de novos hábitos: como recusar o álcool em ambientes sociais, o que, em perspectiva estendida, pode ser fortalecedor. E fazer uma pausa no consumo de álcool pode trazer benefícios imediatos à saúde, como emagrecimento, melhoria na qualidade do sono, aumento do humor e da disposição, o que pode reforçar o novo hábito.

Experimentar esses benefícios pode motivá-lo a continuar bebendo menos no longo prazo. Torna-se uma mensagem de reforço em vez de punição.

Em um estudo publicado no British Medical Journal, uma equipe de investigadores em Londres e nos Estados Unidos recrutou um grupo de 94 homens e mulheres saudáveis que estavam dispostos a abandonar o álcool durante um mês. Eles os compararam com um grupo controle semelhante de 47 pessoas que continuaram bebendo. Ambos os grupos eram compostos por indivíduos que bebiam moderadamente a muito, ingerindo, em média, cerca de 2,5 doses por dia. Clique aqui para acessar o estudo.

Os investigadores observaram que as pessoas que abandonaram o álcool durante um mês tiveram melhorias significativas na sua saúde metabólica, apesar de terem feito pouca ou nenhuma alteração na sua dieta, tabagismo ou níveis de exercício. Em média, emagreceram cerca de 2,5 kg, a pressão arterial diminuiu e tiveram uma redução “dramática” nos níveis de resistência à insulina, um marcador para o risco de diabetes tipo 2. Também registaram reduções acentuadas nos fatores de crescimento relacionados ao câncer: um achado particularmente importante, porque mesmo baixos níveis de ingestão alcoólica podem aumentar o risco de diversas neoplasias malignas. Nenhuma dessas melhorias foi encontrada no grupo controle.

Os pesquisadores acompanharam os participantes do estudo de 6 a 8 meses depois para avaliar como estavam. Os abstêmios por um mês conservaram uma “redução significativa” no consumo de álcool, enquanto o grupo controle não. Utilizando uma ferramenta de triagem que pode identificar comportamentos de consumo problemáticos, os investigadores determinaram que os hábitos do grupo abstinente mudaram de “perigosos” para “de baixo risco”, enquanto os do controle permaneceram praticamente os mesmos.

Outros estudos acompanharam os participantes do “Dry January” para avaliar se o desafio levaria a transformações longevas. Eles encontraram que, em geral, os integrantes do projeto ainda bebiam consideravelmente menos no mês de agosto do mesmo ano. Em média, o número de dias em que beberam reduziu de 4,3 antes do desafio para 3,3 por semana seis meses depois. A quantidade que bebiam em cada ocasião diminuiu e embriagaram-se com menos frequência. Isto é, antes do propósito eles se alcoolizavam, em média, 3,4 vezes por mês. No entanto, no mês de agosto seguinte esse número caiu para 2,1 vezes por mês. Clique aqui para acessar o estudo.

Foto: Unsplash

A maioria dos participantes de desafios de sobriedade volta a beber posteriormente. De outra parte, expressaram supresa com as vantagens experimentadas durante o mês de abstinência. Os estudos mostraram que boa parte dos indivíduos que cursaram o “Dry January” relataram economizar dinheiro, dormir melhor, emagrecer, ter mais energia e uma capacidade de concentração mais acurada. Os pesquisados portaram maior controle sobre o consumo de álcool. Mesmo aqueles que apenas reduziram, mas não cessaram a ingestão no mesmo período; declararam essas prerrogativas.

Entendo que o objetivo do “janeiro sem álcool” não seja exclusivamente sobriedade, e sim o controle a longo prazo. Trata-se de compreender os gatilhos do seu subconsciente, superá-los e aprender como é satisfatório não beber. Isso lhe dá o poder de escolha pelo resto do ano. Nem todo mundo modera seu relacionamento com o álcool após um desafio de abstinência por 30 dias. As investigações registraram que uma pequena proporção de participantes do “Dry January”, cerca de 11%, experimentou um efeito rebote excedendo o consumo de bebidas alcoólicas nos meses seguintes.

Estes tendem a ser bebedores particularmente pesados e dependentes de álcool, os alcoolistas. Por esse motivo, é importante que os participantes destes desafios reconheçam que não são uma solução milagrosa para quem quer parar de beber. Se você tem um padrão problemático de consumo de álcool, deve conversar com um especialista e fazê-lo com algum apoio, para não ter uma experiência negativa que piore a situação.

Aqui estão algumas dicas que podem aumentar suas chances de sucesso ao empreender um “janeiro sem álcool”:

  • Encontre uma bebida não alcoólica. Trocar uma bebida alcoólica por uma não alcoólica, por exemplo, como água com gás com limão, pode ajudá-lo a eliminar o consumo desnecessário. Muitas pessoas bebem por hábito ou pela falta dele, simplesmente porque é o que estão acostumadas a fazer.
  • Gerencie seus gatilhos. Em vez de encontrar seu amigo em um bar depois do trabalho, sugira ir ao cinema, teatro ou fazer uma caminhada.
  • Acompanhe quanto dinheiro você economiza. Elabore planilhas que demonstrem claramente o custeio com a ingestão de bebidas alcoólicas, monitorando todo o dinheiro que você não gastou com esse consumo. Se presenteie com algo que gostaria muito com a economia a partir da abstinência.

Experimente uma cessação alcoólica à luz da sua realidade. Se ficar completamente sóbrio durante o mês de janeiro está fora de questão, crie a sua própria variação do “janeiro sem álcool”. Você pode definir metas tangíveis como não beber durante a semana ou reduzir 50% e depois acompanhar o progresso. O mais importante é que não deixe esse consumo dominar a sua existência, e perceba que a abstinência não só o coloca no comando, como também confere uma sensação de bem-estar duradoura, que é superior aos momentos fugazes de alegrias artificiais entregues pelas bebidas alcoólicas.

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta em uma coluna futura.

Foto: Arquivo pessoal

Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.