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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: intestino em alerta! O que comemos decide nosso futuro

Como a dieta pode proteger, ou expor, o corpo a um dos cânceres que mais crescem no mundo?

No último mês, o Brasil se comoveu com as mortes de artistas brasileiros: da cantora Preta Gil, aos 50, e do ator global Maurício Silveira, aos 48 anos de idade, vítimas de câncer no intestino. Ambos carimbam uma tendência inquietante: a doença, antes associada a idosos, cresce rápido entre adultos jovens.

Em minha coluna recente sobre a trajetória de Preta, alertei para esse avanço silencioso, alimentado por dietas inadequadas, excesso ponderal, sedentarismo e diagnósticos tardios. Agora, volto ao tema para mostrar como cada refeição pode ser aliada ou inimiga na prevenção desse câncer que já redesenha a epidemiologia, e as nossas histórias.

O câncer colorretal deixou de ser um tema restrito às estatísticas médicas para tornar-se um espelho de nossas escolhas alimentares, estilos de vida e desigualdades sociais. No mundo, já é a terceira neoplasia mais frequente, com quase dois milhões de novos diagnósticos anuais.

No Brasil, ocupa o segundo lugar entre os mais incidentes em homens e mulheres, com mortalidade especialmente elevada nas regiões Sul e Sudeste.
Atrás desses números frios, pulsa uma verdade quente e incômoda: o que colocamos no prato molda, silenciosamente, o destino do nosso intestino.

Nos últimos anos, a ciência tem revelado conexões precisas entre dieta e risco de câncer colorretal. Um estudo brasileiro recente, publicado na Scientific Reports da Nature, analisou mais de 145 mil casos e demonstrou que o sobrepeso é o fator que mais pesa na mortalidade por essa doença. Cada ponto percentual a mais na prevalência de sobrepeso eleva em média 3% o risco de morte em homens e 5% em mulheres, independentemente de outras variáveis.

É a primeira fotografia em alta resolução da realidade brasileira, que combina excesso de peso, consumo de ultraprocessados e desigualdades de acesso ao rastreamento. Em todo o mundo, a história não é diferente. Um relatório publicado em 2024 pela BGI Genomics projeta que, até 2040, o mundo registrará 3,2 milhões de novos casos de câncer colorretal por ano, 66% a mais que em 2020, com o maior impacto em países de renda média e baixa, como o Brasil.

A Urbanização acelerada, dietas industrializadas e sedentarismo pavimentam essa epidemia.

Em paralelo, estudos estadunidenses e europeus apontam um aumento preocupante entre adultos jovens, possivelmente resultado de décadas de exposição precoce a dietas pobres em fibras e ricas em alimentos ultraprocessados.

A genética adiciona uma camada sofisticada a essa narrativa. Existem síndromes hereditárias como a Polipose Adenomatosa Familiar e a Síndrome de Lynch, mas o que a ciência mais recente nos mostra é que a interação entre genes e dieta também pode ser decisiva.

O Million Women Study indica que variações genéticas modulam a forma como o organismo responde a alimentos ricos em cálcio, fibras ou gorduras. Mulheres que consomem mais cálcio, por exemplo, apresentam risco 17% menor de desenvolver câncer colorretal, provavelmente porque o mineral se liga aos ácidos biliares e gorduras no intestino, reduzindo sua capacidade carcinogênica.

Se a genética nos oferece predisposição, a dieta oferece gatilhos ou proteção. Uma revisão recente sintetizou dezenas de análises de coortes internacionais e foi categórica: cada 100 gramas diárias de carne vermelha elevam o risco em até 16%, enquanto 50 gramas de carne processada, como bacon, linguiça ou presunto, aumentam em até 22%.

A razão está em compostos tóxicos gerados no preparo em altas temperaturas e na presença de aditivos nitrosados. Em contrapartida, fibras de cereais integrais, frutas, legumes e leguminosas favorecem o trânsito intestinal, alimentam um microbioma saudável e reduzem o contato da mucosa com substâncias potencialmente cancerígenas.

Para o público leigo, a tradução prática é direta: evitar carnes processadas, refrigerantes e produtos ultraprocessados, priorizar verduras, legumes, frutas, feijões, grãos integrais e laticínios fermentados, como iogurte natural.

Para o profissional de saúde, isso se converte em prescrição de estilo de vida, avaliação de risco familiar, incentivo ao emagrecimento e estímulo a hábitos preventivos que transcendem a genética.

No Brasil, enfrentar o câncer colorretal significa também combater as desigualdades sócio-étnica-econômico sanitárias. Populações negras e periféricas são diagnosticadas mais tardiamente, com maior mortalidade, enquanto dietas saudáveis permanecem inacessíveis para muitos.

Meus caros, no nosso país, a prevenção ainda tropeça em barreiras estruturais: mesmo com o avanço do câncer colorretal em populações de jovens adultos, o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece preventivamente exames como sangue oculto nas fezes ou colonoscopia antes dos 50 anos, deixando uma geração vulnerável ao diagnóstico tardio.

Ao passo que, o preço dos alimentos in natura, como frutas, verduras e legumes, pesa cada vez mais no orçamento das famílias de baixa renda, que acabam empurradas para os ultraprocessados baratos e onipresentes. Essa equação cruel transforma desigualdade em biologia, e política pública em destino.

O desafio, portanto, é tripartite:

  1. Reduzir o consumo de ultraprocessados que dominam as prateleiras. Com efeito, a aplicação de dispositivos tributários que enfraqueçam os alimentos industrializados;
  2. Ampliar o acesso aos alimentos frescos. Potencializar políticas públicas que fortaleçam o Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde;
  3. Conferir rastreamento precoce às doenças associadas aos hábitos de vida aliado a campanhas educativas.

Tudo isso pode transformar números em histórias de prevenção.

O câncer colorretal nos lembra que cada refeição é um pacto entre corpo e tempo. O prato que hoje escolhemos define a saúde que amanhã sustentará nossas vidas. Informação é prevenção, e prevenção é liberdade: liberdade para viver sem o peso de uma doença que, em muitos casos, poderia ser evitada na cozinha, na feira e nas pequenas escolhas cotidianas.

Alimentação saudável é força e proteção. Informação é prevenção. Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente. Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado no seu Conselho de Categoria correspondente.

Saúde e nutrição com Clayton Camargos: intestino em alerta! O que comemos decide nosso futuro

*Clayton Camargos é sanitarista pós-graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex-gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

CRN-1 2970.

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