Tenho muitos pacientes na minha clínica de nutrição que relatam sensibilidade ao glúten, um componente do trigo, mas apresentam resultado negativo para doença celíaca. Nessa patologia, uma condição autoimune comum que está aumentando em todo o mundo, o glúten desencadeia inflamação no intestino delgado. Mas muitas pessoas sem doença celíaca percebem uma variedade de sintomas que conectam ao consumo desse nutriente: inchaço, diarreia e até mesmo confusão mental, fadiga ou dores nas articulações.
Embora alguns pacientes realmente tenham sensibilidade específica ao glúten, há uma boa chance de que não seja realmente esse nutriente o problema. Em um estudo italiano com quase 400 pacientes queixando de sintomas relacionados à ingestão de glúten, a grande maioria – 86% – não apresentou nenhuma melhora nas manifestações com uma dieta sem glúten.
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Em vez disso, costumo recomendar uma tentativa de uma dieta baixa em FODMAPs, particularmente para aqueles com síndrome do intestino irritável. FODMAPs são um grupo de carboidratos fermentáveis encontrados no trigo e em muitos outros alimentos que são notórios por problemas gastrointestinais. Exemplos de FODMAPs incluem:
- Cebola e alho;
- Frutas como maçãs e peras;
- Alimentos que contêm lactose, como queijos macios e leite;
- Oleaginosas como castanhas de caju e pistaches.
Um estudo cruzado randomizado controlado por placebo publicado na Gastroenterology mostrou que, entre os pacientes que acreditavam ter sensibilidade ao glúten, todos notaram consistentemente alívio em seus sintomas intestinais quando fizeram uma dieta baixa em FODMAP. Mais tarde, a pesquisa apontou que os sintomas retornaram independentemente de comerem alimentos com glúten ou aderirem a uma dieta estritamente sem glúten.
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Isso não significa que todos nós devemos fazer essas mudanças em nossas dietas. Se você é saudável, não economize em grãos integrais, como pão e macarrão, que eu consideraria um “glúten bom”. Além de serem saudáveis para o coração, os grãos integrais também são ricos em fibras, ajudando você a manter o funcionamento intestinal regular, reduzindo o risco de câncer colorretal, um grande ganho para todos.
Uma dieta sem glúten pode prevenir doenças futuras? Esta é uma pergunta comum dos meus pacientes. Para a maioria dos cenários, incluindo doença inflamatória intestinal ou pontuações cognitivas, os dados são tranquilizadores: a ingestão de glúten não aumenta o risco de resultados ruins.
Um grupo em que eu poderia considerar limitar a ingestão de glúten, no entanto, seria entre pessoas, especialmente crianças, nas quais há um forte histórico familiar de doença celíaca. Existem várias pesquisas analisando isso, notavelmente um estudo publicado no JAMA com um universo amostral de 6.605 crianças com predisposição genética para doença celíaca, que encontrou um risco aumentado de cerca de 7% para doença celíaca considerando cada grama de ingestão aumentada de glúten por dia (o equivalente a cerca de meia fatia de pão branco).
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Constranger a ingestão de glúten pode ser muito difícil do ponto de vista social e econômico, especialmente em uma idade jovem. Vale a pena ter uma discussão mais detalhada com seu médico e nutricionista sobre os possíveis prós e contras de fazer isso, e os limites dos dados científicos disponíveis até o momento.
Por que sou sensível ao glúten? Existem alguns cenários claros em que evitar o glúten melhorou os resultados, inclusive em pacientes que têm sensibilidade ao glúten. Nem sempre entendemos por que a sensibilidade ao glúten ocorre, mas uma pista vem de um importante estudo de 2014 que examinou o intestino delgado de pacientes que relataram sensibilidades alimentares.
Usando um microscópio poderoso, os cientistas conseguiram observar que a exposição ao trigo induziu inflamação no intestino que normalmente não seria detectada fora de um ambiente de pesquisa. Essa reação é diferente de uma alergia tradicional ao trigo, que é mais comum em crianças e geralmente se resolve na idade adulta.
No estudo, evitar o gatilho alimentar demonstrou ajudar significativamente os sintomas dos pacientes com essas descobertas. Esses pacientes teriam sido classificados como portadores de síndrome do intestino irritável.
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Por que o glúten na Europa não me deixa doente? Você pode ter visto nas redes sociais que as pessoas relatam que não toleram glúten nos Brasil, mas conseguem comer macarrão e pão na Europa. Muitas vezes é muito difícil definir o papel do glúten especificamente. Quando os sintomas das pessoas melhoram depois de ficarem sem glúten, também pode ser que elas estejam fazendo outras mudanças benéficas em sua dieta, como comer mais frutas e vegetais, o que pode ser responsável pela melhora.
Além de outras mudanças no estilo de vida, as maneiras como processamos safras e alimentos no Brasil podem ser muito diferentes de outros países, e pode ser que outros gatilhos no que comemos e como vivemos nossas vidas diárias estejam impulsionando a resposta além do próprio glúten.
As pessoas geralmente acham que adotar uma dieta sem glúten é mais saudável em parte porque alimentos que contêm glúten, como pão branco e bolos, podem ter um alto índice glicêmico. Mas muitos alimentos embalados “sem glúten” são ultraprocessados. Então, embora você possa estar removendo o glúten, pode estar substituindo-o por outras modificações indesejadas do ultraprocessamento, incluindo aditivos químicos e sódio, e acabar consumindo alimentos que não são tão ricos em nutrientes. Isto é, tirei o glúten da rotina dietética, mas piorei a qualidade alimentar.
Informação é prevenção. Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente. Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado no seu Conselho de Categoria correspondente.
Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.
CRN-1 2970.