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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: fashion diet

Com a chegada do fim de ano, o famoso #projetoverão é iniciado
Foto: Freepik

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O último trimestre do ano é o auge da temporada de dietas e, se você está buscando a solução mais recente para emagrecimento, não está sozinho. Mas como saber se essa escolha é apenas mais uma “fashion diet”, ou em bom português, dieta da moda?

Então, o que exatamente é uma dieta da moda? Aqui está o que eu penso: é uma maneira de comer menos envolvida por uma explicação científica de por que a combinação específica de alimentos prescritos faria uma mágica metabólica. Se a dieta dissesse apenas: “elimine alimentos ricos em carboidratos e você acabará comendo menos”, bom, esse livro não venderia muitos exemplares. Tem que haver um motivo, e é aí que seu bumbum começa a rebolar.

Sejamos claros: com certeza, pode-se emagrecer, positivamente, com uma dieta da moda. Se emagreceu por meio de uma abordagem que restringiu gordura, ou carboidratos, ou glúten, ou plantas, ou carne, ou açúcar, você não está sozinho. Mas a questão é que, se emagreceu, é porque encontrou uma maneira de comer menos calorias do que gasta. Restringir categorias de alimentos é uma maneira de fazer isso. Um bom caminho, para muita gente, pelo menos por um tempo.

Vejamos alguns exemplos de dietas que se enquadram sob esse raciocínio:

A dieta sem grãos, à la “Barriga de Trigo”, afirma que a digestão do trigo produz polipeptídeos que se ligam aos receptores opióides no cérebro, o que o tornaria um estimulante do apetite.

A dieta carnívora afirma diminuir as flutuações hormonais, porque os picos de insulina associados aos carboidratos criam uma “cascata de outros desequilíbrios” de hormônios associados à fome e ao armazenamento de gordura.

O jejum intermitente afirma que restringir a ingestão de alimentos por um longo período de tempo não dá ao corpo outra escolha a não ser aproveitar os estoques de gordura, de modo que você perderia mais do que se o organismo tivesse acesso contínuo ao açúcar no sangue.

A dieta do tipo sanguíneo diz que o tipo sanguíneo indica a ancestralidade, e nós teríamos prosperados em longevidade por meio da comida que nossos ancestrais comeram. E há muitas outras dietas apoiadas nesse argumento estapafúrdio.

E, claro, baixo teor de carboidratos/cetogênica, sustenta que, como a insulina é a chave para o armazenamento de gordura, se você não comer carboidratos não liberará insulina e armazenará menos gordura.

Foto: Unsplash

Para ser justo, existem algumas dietas que afirmam com clareza que são essencialmente uma estratégia para comer menos. A principal justificativa da abordagem com baixo teor de gordura é que 1 g de gordura tem 9 calorias e 1 g de carboidrato ou proteína tem 4, portanto, se você consumir mais macronutrientes com menos calorias, consumirá menos calorias no geral. E a dieta volumétrica postula que se você comer alimentos com menos calorias, acabará consumindo menos calorias.

Embora alguns fundamentos das dietas da moda sejam bastante tolos, nem todos são falsos. A insulina, por exemplo, realmente facilita o armazenamento de gordura. Mas há um fato nutricional que supera todos os outros, e é realmente a única coisa que precisamos saber sobre a ciência da nutrição: o que sabemos é absolutamente ofuscado pelo que não sabemos.

Lembre da parábola dos cegos e do elefante: seis homens cegos conseguiram “ver” um elefante sentindo-se parte dele, e cada um deles teve ideias muito diferentes sobre o que era um elefante. Um dos homens que segurava a presa achou que era uma lança; o que pegou a tromba achou que era uma cobra. Enfim, eles tiveram ideias imprecisas porque não conseguiam sentir o animal todo.

É isso que está acontecendo com as dietas. Ninguém consegue ver o elefante inteiro. A ciência (ainda) não resolveu isso. Assim, cada guru de dieta se apega a alguma parte do metabolismo humano e decide que essa é a chave para a saúde e o emagrecimento – mas, na verdade, é apenas ínfima poeira das poeiras. Claro, a digestão do trigo produz polipeptídeos!

De toda sorte, há tantas outras coisas acontecendo no corpo humano que é muito difícil saber como isso ocorre. Há uma maneira de descobrir, é claro: estudos científicos bem acabados. E – surpresa – os que temos (e temos muitos) mostram que, a longo prazo, nenhuma dieta funciona para emagrecimento. A trajetória onde os indivíduos emagrecem por um tempo, até dois anos, e depois recuperam, é semelhante para todos.

Retornemos àquele raciocínio em que as pessoas emagreceriam com dietas da moda. Por que? Porque, após instalar o rigor científico em sobrestado, geralmente existem estratégias razoáveis para fazer aquilo que está no cerne do emagrecimento: comer menos!

Vamos direto às estratégias. Claro, o jejum intermitente não supera outras dietas, mas isso não significa que fechar a cozinha depois do jantar seja um má ideia. Na verdade, é uma ideia muito boa.

Olhe para as abordagens com baixo teor de carboidratos. Não, a insulina não se correlaciona claramente com a alimentação e o subsequente aumento de peso corporal, mas isso não significa que cessar o consumo de açúcar e grãos refinados seja um equívoco. Ao contrário, trata-se de uma ótima iniciativa.

Para emagrecer, você não precisa entender os detalhes do metabolismo humano; dieta não é um problema conhecido. Você só precisa descobrir estratégias viáveis para comer menos; dieta é um problema. Portanto, pense no alcance das dietas da moda como uma miscelânea de estratégias e escolha aquelas que melhor se adaptam ao seu estilo de vida.

Foto: Unsplash

Em conflito, o detestável dessas abordagens dietéticas oportunistas repercutidas pela indústria do “bem-estar” é que alcançam indivíduos que desejam, muitas vezes desesperadamente, fazer uma transformação corporal radical. O corpo humano não é um pedaço de carne cujas partes selecionadas estão penduradas em ganchos de açougueiro; tampouco, dietas são peças de roupa que se distinguam nos cabides de uma butique grã-fina por um preço mais caro na alta estação e depois por uma pechincha na liquidação do final de coleção.

Estamos falando do respeito aos corpos e suas individualidades biológicas e culturais. As razões dietéticas se apresentam como tábua de salvação: o que preciso fazer é uma única coisa, isto é, por exemplo, suprimir a ingestão de carboidratos ou fazer jejum intermitente ou encerrar o consumo de glúten ou dar conta de tudo isso ao mesmo tempo e agora! E, portanto, o fracasso final parece a sua derrota. E só você sabe onde sua dieta sai dos trilhos, quais alimentos são a sua ruína, como as mudanças se encaixam ou não em sua vida.

Tiro o chapéu para as pessoas que se sentem confortáveis com qualquer peso e se concentram em outros aspectos de sua saúde. Infelizmente, não sou um deles; estar gordo me deixou infeliz. E talvez seja por isso, e também pelo fato de portar uma formação de especialista, que a falsa esperança que as dietas da moda entregam me deixa frustrado. De outra parte, entendo que o emagrecimento não é apenas possível, mas completamente simples, pelo menos em princípio.

Entenda, não é um desafio científico; então esqueça os polipeptídeos. Trata-se de um conflito de ação, e somente você determinará o que e quando fazer. Afinal, o sucesso da sua “fashion diet” dependerá da confecção ocorrer sob a sua medida.

*Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.