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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: dieta mediterrânea

Provavelmente você já ouviu falar sobre a dieta mediterrânea. Os hábitos alimentares tradicionais dos países banhados pelo Mar Mediterrâneo diferem discretamente entre si, e compreende uma região europeia que alcança Albânia, Bósnia e Herzegovina, Chipre, Croácia, Eslovênia, Espanha, França, Gibraltar, Grécia, Itália, Malta, Mônaco, Montenegro e Turquia. Contudo, trata-se de um padrão dietético estudado desde 1950 de forma longitudinal, sob espaço multicêntrico, com universo amostral robusto, acúmulo numeroso de metanálises e muitas evidências científicas com resultados eficazes. Em 2010, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) a reconheceu como Patrimônio da Humanidade.

Em 1993 a Escola de Saúde Pública de Harvard, a Oldways Preservation and Exchange Trust e o Gabinete Europeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziram a “Pirâmide da Dieta Mediterrânea” como um guia para ajudar a familiarizar as pessoas com os alimentos mais comuns desse recorte geográfico.

dieta mediterranea

 

Para além de um planejamento dietético autolimitado, esse modelo esquemático realçou determinados alimentos baseados nas tradições da cultura alimentar de Creta na Grécia e da região do sul da Itália durante meados do século XX. Naquela altura, os residentes desses países apresentavam baixas taxas de doenças crônicas e uma expectativa de vida adulta superior à média, apesar de terem acesso insuficiente aos serviços de saúde.

Acreditava-se que a rotina alimentar – principalmente o consumo de frutas e vegetais, feijão, oleaginosas, cereais integrais, peixes, azeite, pequenas quantidades de laticínios e vinho tinto – contribuía para os benefícios à saúde. A pirâmide também destacou os exercícios físicos diários e os benefícios dos aspectos sociais de realizar as refeições acompanhadas por pessoas que estimamos. Trata-se, portanto, de um estilo de vida, e não de uma dieta exclusivamente.

Embora o formato piramidal sugira a proporção de alimentos a serem consumidos (por exemplo, coma mais frutas e vegetais e menos laticínios), não especifica o tamanho das porções ou quantidades. Cabe ao indivíduo decidir exatamente quanto alimento ingerir em cada refeição, pois isso varia de acordo com a atividade física e o tamanho corporal. Existem destaques que diferenciam este plano alimentar, quais sejam:

  • Enfatizar o consumo de gorduras saudáveis. O azeite é recomendado como principal gordura adicionada, substituindo variedades como manteiga e margarina. Priorizam-se alimentos como abacate, nozes e peixes oleosos como salmão e sardinha; entre estes, as nozes e os peixes são ricos em ácidos graxos ômega-3.
  • Eleger os peixes como a proteína animal preferida pelo menos duas vezes por semana e outras fontes como aves, ovos e laticínios (queijo ou iogurte) em porções menores, diariamente ou algumas vezes por semana. O consumo de carnes vermelhas é constrangido a episódios pontuais mensais.
  • Estabelecer a água como principal fonte de bebida diária, mas permitir uma ingestão moderada de vinho às refeições, até duas taças/dia para os homens e uma/dia para as mulheres.
  • Estimular o corpo em movimento diariamente por meio de atividades prazerosas.

Foto: Unsplash

Um estudo com quase 26.000 mulheres mostrou que aquelas que seguiram esse tipo de abordagem tiveram 25% menos riscos de desenvolver doenças cardiovasculares ao longo de 12 anos. A pesquisa examinou uma série de mecanismos subjacentes que podem explicar esta redução e registrou que as alterações inflamatórias, do perfil glicêmico e no índice de massa corporal foram os motores de maior relevância.

Benefícios semelhantes foram encontrados em uma meta-análise de 16 estudos de coorte prospectivos que acompanharam mais de 22.000 mulheres por uma média de 12,5 anos. Aquelas que tiveram uma maior adesão à dieta mediterrânea apresentaram uma diminuição dos riscos, respectivamente, de 24% de doenças cardiovasculares e 23% de morte prematura em comparação àquelas que tiveram a menor adesão. Clique aqui e aqui para acessar os estudos.

Uma descoberta interessante desse plano alimentar é que fragiliza o folclore de que as pessoas portadoras de riscos de doenças cardíacas devem seguir uma dieta com baixo teor de gorduras. Embora importe quais os tipos serão escolhidos, a porcentagem de calorias provenientes do seu consumo é um problema de menor impacto sanitário.

O estudo PREDIMED, patrocinado pelo governo espanhol: um ensaio de prevenção primária que incluiu milhares de pessoas portadoras de diabetes ou outros fatores de risco para doenças cardíacas, concluiu que a dieta mediterrânea suplementada com azeite de oliva extra virgem ou oleaginosas, sem quaisquer restrições calóricas, reduziu as taxas de mortalidade por acidentes cerebrovasculares em aproximadamente 30%. A maioria das gorduras dietéticas constituintes no consumo dos pesquisados eram saudáveis, entretanto, a ingestão total foi generosa perfazendo 39-42% do total de calorias diárias, muito superior à diretriz de 20-35% conforme afirmado pelos principais organismos dietéticos em todo o mundo. O risco de diabetes tipo 2 também foi reduzido nessa investigação. Clique aqui para acessar o estudo.

Ocorre também um interesse crescente sobre os efeitos da dieta mediterrânea com relação ao envelhecimento e função cognitiva. Isto é, os danos celulares provocados por estresse e inflamação que podem levar até as doenças associadas ao avanço da idade foram conectados a uma parte específica do DNA, chamada telômeros. Estas estruturas encurtam naturalmente com a idade, e o seu tamanho pode prever a expectativa de vida e o risco de desenvolver doenças relacionadas ao envelhecimento.

Os telômeros com comprimentos longos são considerados protetores contra doenças crônicas e morte precoce, enquanto os mais curtos aumentam estes riscos. O consumo de antioxidantes podem ajudar a combater o estresse celular e preservar o comprimento dos telômeros por meio da oferta de nutrientes presentes nas frutas, vegetais, oleaginosas e grãos integrais. Esses alimentos são encontrados em standards frequentes da dieta mediterrânea. Isto foi demonstrado em uma grande coorte de 4.676 mulheres saudáveis de meia-idade, o Nurses’ Health Study, onde evidenciou-se que as participantes que se alinharam ao modelo mediterrâneo portavam telômeros mais longos. Clique aqui para acessar o estudo.

Outra pesquisa acompanhou 10.670 mulheres com idades entre 57 e 61 anos e observou o efeito dos padrões alimentares no envelhecimento. Nessa avaliação definiu-se como envelhecimento saudável viver até 70 anos ou mais e não portar doenças crônicas não-transmissíveis (por exemplo, diabetes tipo 2, doença renal, pulmonar, Parkinson, câncer, etc) ou declínios importantes na saúde mental, cognição e função física. A investigação mostrou que as mulheres que seguiram um padrão alimentar do tipo mediterrâneo tinham 46% mais probabilidade de envelhecer de forma saudável. Acredita-se que o aumento da ingestão de vegetais, grãos integrais e peixes, consumo moderado de álcool, e a baixa ingestão de carnes vermelhas e processadas contribuam para o achado. Clique aqui para acessar o estudo.

De outra parte, existe o risco da ingestão excessiva de calorias, considerando que não são determinadas as quantidades específicas de alimentos e os tamanhos das porções. No entanto, é importante notar que – provavelmente em parte devido à maior ingestão de azeite e menos alimentos processados – o padrão alimentar mediterrâneo proporcione saciedade e permite a adesão a longo prazo. Em um dos ensaios sobre emagrecimento mais bem-sucedidos, aqueles que seguiram esse protocolo mantiveram o peso emagrecido durante um período de seis anos. Clique aqui para acessar o estudo.

dieta mediterrânea

Foto: Unsplash

As pesquisas asseguram os benefícios à saúde a partir do modelo mediterrâneo, que engloba uma variedade de alimentos. A sua diversidade combinada investe proteção contra os desfechos mortais, uma vez que as vantagens não são tão fortes quando se analisam isoladamente os nutrientes que participam desse cardápio. Logo, é importante não apenas adicionar azeite ou oleaginosas ao consumo diário, mas adotar um estilo de vida na sua integralidade.

Em suma, a maioria das investigações científicas legitima a dieta mediterrânea como um padrão alimentar saudável à prevenção de um coletivo de doenças crônicas e degenerativas, aumentando a expectativa de vida e promovendo o envelhecimento saudável. Quando associada à restrição calórica pode ser uma estratégia poderosa para o tratamento do excesso ponderal.

O Brasil, por sua vez, é o “celeiro do mundo”, nutrindo anualmente 900 milhões de pessoas, contrastando com a utilização de apenas 7% de seu vasto território para a agricultura. Temos um país continental com uma riqueza de cultura alimentar ímpar e que pode ter sua potência de culinárias regionais, respeitadas as devidas proporções e peculiaridades, perscrutada à luz do padrão mediterrâneo; customizando de acordo com as necessidades locorregionais em intersecção à generosa pluralidade de tecnologias, ofertas e sabores, diminuindo o mapa da insegurança alimentar paripassu combatendo o alarmante crescimento das taxas de sobrepeso e obesidade no panorama epidemiológico.

Não por menos, podemos nos transformar em um modelo exitoso de políticas públicas fundamentadas por comidas de qualidade para a promoção da saúde de toda a nossa população. Enfim, uma alta referência de alimentação e nutrição saudáveis que repercutirá para os cidadãos brasileiros em anos de vida com qualidade desde o Oiapoque ao Chuí: inclui-se ainda uma envergadura com fôlego suficiente para servirmos como exemplo global de solidariedade.

*Clayton Camargos é pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

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