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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: comendo com a mente

A técnica da atenção plena pode ajudar na busca por uma alimentação saudável, com consciência do que se é consumido
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A alimentação consciente, também conhecida como “mindfulness”, deriva da filosofia mais ampla da atenção plena, uma prática secular e difundida, usada em muitas religiões. Mindfulness é um foco intencional nos pensamentos, emoções e sensações físicas no momento presente.

A atenção plena visa tornar-se mais consciente, em vez de reagir, à situação e às escolhas de alguém. Comer conscientemente significa que você está usando todos os seus sentidos físicos e emocionais para experimentar e desfrutar das escolhas alimentares que faz. Isso ajuda a aumentar a gratidão pela comida, o que pode melhorar a experiência alimentar geral.

Essa abordagem incentiva a fazer escolhas que serão satisfatórias e nutritivas para o corpo. No entanto, desencoraja “julgar” os comportamentos com relação à comida, pois existem diferentes tipos de experiências alimentares. À medida que nos tornamos mais conscientes dos nossos hábitos alimentares, podemos tomar condutas no sentido de mudanças de comportamento que irão beneficiar a nós mesmos e ao nosso ambiente.

A alimentação consciente concentra-se em suas experiências alimentares, sensações relacionadas ao corpo, pensamentos e sentimentos sobre a comida, com maior consciência e sem julgamento. É dada atenção aos alimentos escolhidos, aos sinais físicos internos e externos e às suas respostas a esses sinais. O objetivo é promover uma experiência alimentar mais agradável e a compreensão do ambiente alimentar. Fung e colaboradores descreveram um modelo de alimentação consciente que é guiado por quatro aspectos: o que, por que, quanto e como comer. Clique aqui para acessar o estudo.

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Em síntese:

  • Considera o espectro mais amplo da refeição: de onde veio a comida, como foi preparada e quem a preparou;
  • Percebe sinais internos e externos que afetam o quanto comemos;
  • Percebe a aparência, o sabor, o cheiro e a sensação da comida em nossos corpos enquanto comemos;
  • Reconhece como o corpo se sente depois de comer a refeição;
  • Expressa gratidão pela refeição;
  • Pode usar respiração profunda ou meditação antes ou depois da refeição;
  • Reflete sobre como nossas escolhas alimentares afetam nosso meio ambiente local e global.

O oposto da alimentação consciente, às vezes chamada de “alimentação impulsiva”, está associada à ansiedade, compulsão e ganho de peso. Clique aqui para acessar o estudo.

 

Exemplos de alimentação impulsiva são comer enquanto dirige, trabalha ou assiste à televisão ou outras telas (telefone, tablet). Embora socializar com amigos e familiares durante uma refeição possa melhorar a experiência alimentar, falar ao telefone ou atender uma chamada de trabalho enquanto come pode prejudicá-la. Nestes cenários, não se está totalmente focado e aproveitando a experiência da refeição. O interesse pela alimentação consciente tem crescido como estratégia para comer com menos distrações e melhorar os comportamentos alimentares. Clique aqui para acessar o estudo.

Estudos de intervenção demonstraram que as abordagens de mindfulness podem ser uma ferramenta eficaz no tratamento de comportamentos desfavoráveis, como a alimentação emocional e a compulsão alimentar, que podem levar ao aumento de peso e à obesidade, embora o emagrecimento como medida de resultado nem sempre seja vista. Clique aqui e aqui para acessar os estudos.

Isso pode ser devido as diferenças nos desenhos das investigações em que informações sobre a qualidade da dieta ou emagrecimento podem ou não ser fornecidas. A atenção plena aborda a vergonha e a culpa associadas a esses comportamentos, promovendo uma atitude sem julgamento. O treinamento da atenção plena desenvolve as habilidades necessárias para estar consciente e aceitar pensamentos e emoções arbitrários; também distingue entre sinais de fome emocional e físico. Essas habilidades podem melhorar a capacidade de lidar com o sofrimento psicológico que às vezes leva à compulsão alimentar. Clique aqui para acessar o estudo.

A alimentação consciente pode se associar a uma dieta de maior qualidade, como escolher frutas em vez de doces como lanche ou optar por porções menores de alimentos com alto teor calórico.

Uma revisão da literatura de 68 estudos observacionais e de intervenção sobre atenção plena e alimentação consciente descobriu que essas estratégias melhoraram os comportamentos alimentares, como diminuir o ritmo de uma refeição e reconhecer sentimentos de saciedade e maior controle sobre a alimentação. Comer mais devagar foi associado a comer menos, pois os participantes se sentiram precocemente saciados. As intervenções de atenção plena e de alimentação consciente pareceram mais bem-sucedidas na redução da compulsão alimentar e da alimentação emocional. No entanto, a revisão não mostrou que estas intervenções reduziram consistentemente o peso corporal. As limitações dos estudos incluíram amostras pequenas, durações restritas de cerca de 6 meses ou menos, falta de foco na qualidade da dieta e escassez de seguimento clínico-nutricional, de modo que o sucesso a longo prazo não foi determinado. Clique aqui para acessar o estudo.

Um ensaio clínico randomizado que acompanhou 194 adultos portadores de obesidade (78% eram mulheres), durante 5,5 meses analisou os efeitos de uma intervenção de atenção plena na alimentação consciente, no consumo de doces e nos níveis de glicose em jejum. Os participantes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos: I) um programa de dieta e exercícios com conceitos de mindfulness (redução do estresse, yoga, meditação, autoafirmações); ou II) o mesmo programa, mas sem conceitos de mindfulness. Após 12 meses, o grupo I apresentou diminuição da ingestão de doces e manutenção da glicemia de jejum, ao contrário do grupo II que apresentou aumento da glicose sérica. Os autores da pesquisa também avaliaram a redução de peso com esses participantes, mas não encontraram uma diferença significativa nas mudanças de peso entre ambos os conjuntos amostrais. Clique aqui e aqui para acessar os estudos.

Um pequeno estudo controlado com 50 adultos portadores de diabetes tipo 2 foram randomizados para uma intervenção de alimentação consciente de 3 meses, dirigida à mitigação de excessos e na melhoria da regulação alimentar, ou para uma intervenção de educação para o autogerenciamento do diabetes, focada em melhorar a seleção dos alimentos que serão consumidos. Ambos os grupos mostraram melhorias significativas nas medidas de depressão, autoeficácia nutricional e controle de comportamentos alimentares compulsivos. Os dois conjuntos emagreceram durante a intervenção, mas não houve diferença na quantidade de redução ponderal entre eles. Clique aqui para acessar o estudo.

É importante notar que atualmente não existe um padrão para o conceito de comportamento alimentar consciente, e também não ocorre um protocolo consagrado para essa abordagem. Os estudos usam uma variedade de escalas e questionários de atenção plena. Os desenhos metodológicos também variam frequentemente, com alguns incluindo um componente de redução de peso ou educação básica sobre a qualidade da dieta, enquanto outros não.

Pesquisas adicionais são necessárias para determinar quais comportamentos constituem uma prática alimentar consciente, para que uma abordagem mais padronizada possa ser usada em estudos futuros. Ferramentas estandardizadas podem ajudar a determinar o impacto a longo prazo da alimentação consciente nos comportamentos de saúde e no risco e prevenção de doenças, e determinar quais grupos de pessoas podem se beneficiar mais com as estratégias de atenção plena.

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Potenciais armadilhas

A alimentação consciente não se destina a substituir os tratamentos tradicionais para condições clínicas graves, como distúrbios alimentares. Os desequilíbrios neuroquímicos são um fator de risco para o desenvolvimento de distúrbios alimentares, como bulimia e anorexia nervosa, e embora a atenção plena possa ser um componente eficaz de um plano de tratamento, não deve ser usada como abordagem única.

Pode não ser eficaz como estratégia de emagrecimento per si, mas sim como complemento de um programa de redução ponderal. A alimentação consciente envolve fazer escolhas alimentares que promovam o bem-estar e aumentem o prazer da experiência alimentar. Os protocolos tradicionais de emagrecimento concentram-se em seguir um plano alimentar estruturado que pode não ser necessariamente satisfatório ou agradável. Combinar a atenção plena com um plano alimentar sob a supervisão de um nutricionista pode reduzir o risco de excessos emocionais ou compulsão alimentar. As pesquisas não demonstram consistentemente que as estratégias de atenção plena levam à redução de peso, mas isso pode ser devido ao desenho dos estudos não incluir a educação sobre escolhas alimentares saudáveis como parte da intervenção de atenção plena.

A alimentação consciente é uma abordagem que pode complementar qualquer padrão alimentar. As pesquisas mostram que pode levar a um maior bem-estar psicológico, com prazer ao comer e satisfação corporal. A combinação de estratégias comportamentais, como o mindfulness, com conhecimentos nutricionais, pode levar a escolhas alimentares saudáveis que reduzem o risco de doenças crônicas, promovem experiências alimentares mais aprazíveis e apoiam uma percepção corporal sadia. Mais pesquisas são necessárias para examinar se essa abordagem é uma estratégia eficaz para o controle de peso.

Algumas dicas sobre alimentação consciente a partir do livro “Savor: Mindful Eating, Mindful Live”, de Hahn e Cheung, publicado em 2010 pela HarperCollins:

  • Honre a comida. Reconheça onde o alimento foi cultivado e quem preparou a refeição. Coma sem distrações para ajudar a aprofundar a experiência alimentar.
  • Envolva todos os sentidos. Observe os sons, cores, cheiros, sabores e texturas dos alimentos e como você se sente ao comer. Faça pausas periódicas para envolver esses sentidos.
  • Sirva porções modestas. Isso pode ajudar a evitar excessos e desperdício de alimentos. Use um prato de no máximo 23 centímetros de diâmetro e preencha-o apenas uma vez.
  • Saboreie pequenas mordidas e mastigue bem. Essas práticas podem ajudar a desacelerar a refeição e vivenciar plenamente os sabores da comida.
  • Coma devagar para evitar comer demais. Se você comer devagar, é mais provável que reconheça quando está se sentindo
    satisfeito ou quando está cerca de 80% satisfeito e possa parar de comer.
  • Não pule refeições. Ficar muito tempo sem comer aumenta o risco de fome intensa, o que pode levar a uma escolha alimentar mais rápida e fácil, nem sempre saudável. Definir as refeições aproximadamente no mesmo horário todos os dias, bem como planejar tempo suficiente para desfrutar de uma refeição ou lanche, reduz esses riscos.
  • Faça uma dieta baseada em vegetais, pela sua saúde e do planeta. Considere os efeitos a longo prazo da ingestão de certos alimentos. A carne processada e a gordura saturada estão associadas a um risco aumentado de câncer de cólon e doenças cardíacas. A produção de alimentos de origem animal, como carne e lacticínios, tem um impacto mais relevante para o meio ambiente do que os de fonte vegetal.

 

*Clayton Camargos é pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.