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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: cheiro ruim dos gases intestinais

Quando bactérias no cólon metabolizam alimentos, podem produzir gases contendo enxofre
Foto: Freepik

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O pum, peido ou flato fedorento é em grande parte reflexo do que comemos e de como é processado pelo microbioma. Por exemplo, um estudo de 1971 mediu que aqueles que seguiram uma dieta rica em fibras contendo feijão produziram gases a uma taxa quase o dobro daqueles que seguiram uma alimentação restrita em fibras – uma média de 49,4 ml contra 26,7 ml por hora. 

Clique aqui para acessar o estudo: https://gut.bmj.com/content/12/9/713

Se você considera que libera gases com mais frequência do que qualquer outra pessoa, saiba que fazemos isso em média 10 vezes por dia – de toda sorte, até 20 episódios em 24h está dentro da normalidade. E os pesquisadores observaram que expelimos gases a uma taxa semelhante, quer sejamos velhos ou jovens.

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8769291/

99% dos gases intestinais são compostos por nitrogênio, oxigênio, hidrogênio, dióxido de carbono e metano. Essas substâncias são inodoras; é o 1% que contém enxofre, como o sulfeto de hidrogênio, que estraga tudo para todos os outros. Quando as bactérias no cólon metabolizam os alimentos, podem produzir gases contendo enxofre.

No arsenal terapêutico como solução pontual ocorre a indicação do subsalicilato de bismuto, que pode neutralizar mais de 95% dos gases sulfuretos no intestino e reduzir os sintomas de flatulência, e ainda prevenir a diarreia do viajante. Há alguma preocupação com sua toxicidade se consumido regularmente, portanto, deve ser feito sob prescrição médica.

Talvez amigos, e inimigos, tenham sugerido que você precise de uma solução para o problema. Nesse caso, pode haver espaço para (re)equilibrar a rotina alimentar.

Certos amidos não são bem digeridos pelo corpo humano e viajam para o cólon, onde são fermentados e correm o risco de produzir gases fétidos. Cerca de 1/3 dos adultos não consegue absorver adequadamente a lactose, um dissacarídeo encontrado em produtos lácteos.

Outros responsáveis são os alimentos da família da rafinose, incluindo feijão, vegetais crucíferos como brócolis e couve de Bruxelas, cebola, cogumelos e até alho. Se você notar que esses itens provocam flatulência desagradável, provavelmente responderá positivamente à enzima alfa-galactosidase, que é de venda livre. Ela ajudará na decomposição desses alimentos.

Foto: Unsplash

Uma dieta especial também poderá ser bem-vinda, como a de restrição em FODMAPs prescrita por um nutricionista qualificado. FODMAPs são carboidratos de cadeia curta que são mal absorvidos no intestino delgado e fermentam no cólon.

Muito da formação de gases se apoia nas intolerâncias alimentares, não apenas à lactose, mas à diversos alimentos. Existem exames laboratoriais que podem confirmar o diagnóstico, mas o principal é a identificação da clínica do paciente, que demanda uma avaliação especializada, minuciosa e experiente.

A flatulência não discrimina ninguém. O estereótipo de longa data de que os homens produzem mais gases do que as mulheres é questionável, e nunca foi comprovado pela ciência. Na verdade, um estudo mostrou que, em comparação com os homens, as mulheres apresentam concentrações mais elevadas de sulfeto de hidrogênio associado a um odor mais desagradável.

No entanto, a mesma pesquisa também observou que os homens produzem maior volume por passagem de flatos. Como a capacidade do sulfeto de hidrogênio de estimular o nariz depende mais do  volume do que da concentração, esses fatores se equilibram entre os sexos  – os gases emitidos por homens e mulheres se mostraram igualmente ofensivos.

Clique aqui para acessar o estudo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9771412/

Se você esteve em um vôo de longa duração recentemente, provavelmente notou um aumento na produção de gases – seja pessoalmente ou porque esteve sentado ao lado de um emissor de flatos. Este comportamento é atribuível às leis da física elementar: com o aumento da altitude, a pressão atmosférica – incluindo a intestinal – cai.

De acordo com a lei dos gases ideais, o volume dos flatos intestinais se expandirá. Como um pequeno músculo chamado válvula íleo cecal impede que o gás viaje de volta do cólon para o intestino delgado, ele não tem escolha a não ser mover-se para frente e para fora (provavelmente também não ajuda o fato de 50% do ar da cabine dos aviões ser reciclado).

Alguns podem ter observado que a produção de gases nocivos dispara quando estão constipados e precisam evacuar. Pense nisso: quando você está constipado, suas fezes ficam no cólon, sob fermentação por muito tempo. Quanto mais próximo o banco estiver da escotilha de saída, mais rapidamente o gás resultante escapará, para a frustração dos narizes ao seu redor. A vontade de evacuar também está associada às contrações do intestino, que aceleram o avanço do gases.

Além da constipação, se o indivíduo for portador de uma doença que afete a forma como o intestino delgado absorve nutrientes – como síndromes inflamatórias intestinais, insuficiência pancreática ou doença celíaca – também terá aumento de gases porque mais do alimento parcialmente digerido chegará ao cólon para ser banqueteado pelo microbioma.

Portanto, não deixe que o constrangimento lhe impeça de conversar com um profissional de saúde sobre suas preocupações relacionadas à flatulência, que poderá investigar se os sintomas seriam sinais de algo mais sério.

Existem outros supostos tratamentos para gases intestinais, como os probióticos: estudos limitados demonstraram que podem ajudar com o desconforto, embora não o odor em si, da flatulência, principalmente no contexto da síndrome do intestino irritável. Os pesquisadores também estudaram cuecas confeccionadas com tecido de fibra de carbono que ajudaram a absorver cheiros desagradáveis.

Clique aqui para acessar os estudos: 

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16185307/

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15667499/

No entanto, na maioria das vezes, quando alguém vem até mim preocupado com o que considera ser a pior flatulência do mundo, e relata com que frequência isso acontece – descobrimos que não é mais ordinária do que a de qualquer outra pessoa.

Você tem alguma dúvida sobre saúde, alimentação e nutrição? Envie um e-mail para dr.clayton@metafisicos.com.br e poderei responder sua pergunta futuramente.

Nenhum conteúdo desta coluna, independentemente da data, deve ser usado como substituto de uma consulta com um profissional de saúde qualificado e devidamente registrado como especialista no seu Conselho de Categoria correspondente.

 

Foto: Arquivo Pessoal

Clayton Camargos é sanitarista pós graduado pela Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz. Desde 2002, ex gerente da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC) do Ministério da Saúde. Subsecretário de  Planejamento em Saúde (SUPLAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Consultor técnico para Coordenação-Geral de Fomento à Pesquisa Em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde. Coordenador Nacional de Promoção da Saúde (COPROM) da Diretoria de Serviços (DISER) da Fundação de Seguridade Social. Docente das graduações de Medicina, Nutrição e Educação Física, e coordenador dos estágios supervisionados em nutrição clínica e em nutrição esportiva do Departamento de Nutrição, e diretor do curso sequencial de Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente é proprietário da clínica Metafísicos.

CRN-1 2970.