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Saúde e nutrição com Clayton Camargos: “Cara de bunda de Ozempic”

Comumente utilizado para o tratamento da Diabetes, o Ozempic se popularizou como uma forma rápida de emagrecimento, mas agora, começam a aparecer algumas das consequências do seu uso sem fundamento médico

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Fabricado pela multinacional dinamarquesa Novo Nordisk, o Ozempic é um medicamento injetável de aplicação semanal, cujo princípio ativo é a Semaglutida, e funciona aumentando o hormônio peptídeo-1 semelhante ao glucagon, que retarda a digestão e sacia precocemente. Isso leva a comer porções menores e reduz os desejos e impulsos por alimentos ricos em açúcar e gorduras, favorecendo a aderência à alimentação saudável com emagrecimento de grandes quantidades de peso em um curto espaço de tempo.

 

Recentemente as hashtags #Ozempicface e #Ozempicbutt, respectivamente, por livre tradução, “cara de Ozempic” e “bunda de Ozempic”, foram citadas mais de 3 milhões de vezes na rede social TikTok. Os termos referem-se ao aumento de rugas ou sulcos faciais e à flacidez dos glúteos quando as pessoas emagrecem com esse remédio.  

 

A gordura facial é sinônimo de juventude. Quando somos jovens e saudáveis, temos uma boa quantidade de volume no rosto e glúteos devido às reservas subcutâneas. À medida que envelhecemos, perdemos ossos e gordura; portanto, se aceleramos esse processo com emagrecimentos radicais, teremos uma aparência precocemente envelhecida.  

 

O consumo de tecido adiposo da face e dos glúteos é muito comum em qualquer emagrecimento, especialmente quando é significativo, ou seja, correspondendo a mais de 15% do peso corporal. De acordo com um estudo de 2019, a redução ponderal sob tratamento com Ozempic ocorre sistemicamente e não apenas no rosto ou nos glúteos. A literatura mostra que, à exceção de intervenções cirúrgicas, não é possível diminuir gordura corporal de forma regionalizada.

 

Quando a adiposidade é diminuída, o mesmo acontece com o colágeno, que é como um andaime dentro da pele que a mantém firme e jovem – seremos progressivamente privados desse capital por circunstância da senescência. Ao emagrecer, efetivamente encolhe-se a pele, enfraquecendo sua elasticidade. De modo que, especialmente para pessoas acima dos 40 anos de idade, não será surpreendente deparar-se com flacidez, sobretudo quando não se exercita e não se alimenta de forma equilibrada.  

 

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Foto: Unsplash

 

O emagrecimento, muitas vezes, não está associado à alimentação saudável; ao contrário, por conta da saciedade muito controlada em razão da presença do medicamento, os pacientes, por decisão pessoal, adotam períodos de jejuns prolongados alternados com dietas restritivas e pobres nutricionalmente. Isto é, um organismo potencialmente desnutrido.

 

Para comprometer ainda mais, uma parte considerável dos pacientes medicados com Ozempic não pratica exercícios físicos resistidos e de sobrecarga, inclusive optando pelo sedentarismo. Muitos casos de diminuição rápida de peso também são resultados dos excessos de atividades aeróbicas somadas ao déficit calórico. Devido a isso, a redução ponderal ocorrerá às custas da massa muscular, instalando-se uma sarcopenia, o que poderá levar a uma depauperação do aspecto estético. A hipertrofia dos músculos é crucial para tratar as sobras de pele.

 

A associação de inapetência com inatividade física é esgotante e não pode produzir nada menos do que um envelhecimento mal sucedido. A beleza é literalmente de dentro para fora, e a falta dela não será diferente.

 

Existem certos alimentos, bebidas e suplementos que devemos ingerir para melhorar a qualidade da pele. Frutas e vegetais ricos em antioxidantes podem protegê-la contra os prejuízos recorrentes das atividades de vida diária. Priorize o consumo regular dos seguintes itens: abóboras, beterraba, brócolis, cenoura, cogumelos, couves, espinafre, feijões, maçã, manga, mirtilo, morango e oleaginosas, que são fontes utilizadas pelo corpo para promover a saúde cutânea.

 

Comer uma porção de 120 g de peixes gordurosos, como cavala, pirarucu, sardinha e salmão, três vezes por semana fornecerá ácidos graxos, como ômega 3, que conferirão uma pele macia e flexível. Na mesma direção, de acordo com um estudo realizado pela Universidade de Stanford, indivíduos que diariamente suplementaram 10g de colágeno hidrolisado, também conseguiram melhorar sua elasticidade. Entretanto, esta opção não é adequada para vegetarianos.

 

O uso das expressões “cara de Ozempic” e “bunda de Ozempic” perpetua o estigma da obesidade que está orgânico em nossa sociedade. O rosto e os glúteos envelhecidos e emagrecidos não são produtos diretos da Semaglutida, contudo, é errado dizer “cara de Ozempic” e “bunda de Ozempic”. Sob esse raciocínio, teríamos “cara de bunda de Ozempic”, ou então “peitos da low carb”, “bochechas do jejum intermitente”, “coxas da sibutramina”, “barriga de anfepramona”, e muito mais!

 

Eis o problema quando as pessoas usam fármacos destinados a doenças importantes de maneira acrítica e ordinária. É selvagem para os profissionais de saúde que assistem portadores de agravos como obesidade, diabetes e doenças cardíacas, testemunharem recursos terapêuticos nobres que realmente salvam vidas sendo abordados com tamanha frivolidade.

 

*Clayton Camargos é pós graduado pela Fiocruz, ex Coordenador Nacional de Promoção da Saúde da Fundação de Seguridade Social, Subsecretário de Saúde do DF, professor da UCB e atualmente proprietário da clínica Metafísicos.