Na moda, cada escolha carrega uma mensagem, e os sapatos podem ser protagonistas nesse discurso. Apostar em modelos fora do convencional é mais do que uma decisão estética, é uma afirmação de identidade e, em tempos onde a autenticidade se tornou um valor essencial, os calçados diferentões surgem como aliados poderosos para imprimir personalidade aos looks e transformar o visual em uma extensão da sua essência.
A jornalista e empresária de moda Raquel Jones avalia que sempre há uma busca por se individualizar e fugir dos padrões na moda. “Numa era de trends e com um efeito manada no consumo de alguns itens como o Labubu, usar sapatos diferentes pode ser um grito de resistência a uma certa padronização. Uma forma de se diferenciar é se conectar com a arte que sempre estará na prateleira acima”, afirma.
Segundo a empresária, marcas como Maison Margiela e Balenciaga passaram a se inspirar na arte contemporânea em suas criações e o mundo digital tem grande impacto nisso. “O inusitado chama atenção. Quem não se lembra do modelo criado por Alexander Mcqueen para Lady Gaga e os tênis de Virgil Abloh nos desfiles da Louis Vuitton? O diferente vende e os sapatos sempre estiveram ligados ao mercado de luxo pela sua história, lembrando que, no passado, por exemplo, escravizados não podiam usar calçados e, por isso, frequentar certos ambientes”, explica.
Raquel acredita que os modelos polêmicos são uma provocação e, ao mesmo tempo, uma forma de expressão individual. “Escolher um modelo fora do padrão é uma forma de se expressar e dizer para o mundo que você é diferente. Mesmo optando por algo polêmico sem um discurso definido já é uma escolha, uma fala. O meio é a mensagem como bem definiu Marshall McLuhan”, comenta.
Segundo Jones, um dos calçados mais controversos do momento é a bota Tabi, da Maison Margiela. “Ela imita a pata de um camelo e foi criada nos anos 1980, mas só agora ganhou visibilidade entre o grande público, muito por conta do TikTok”, explica. O modelo, que divide opiniões com seu design incomum, tornou-se símbolo de ousadia fashion.
Raquel avalia que o público brasileiro é especialmente receptivo a essas ousadias no universo dos calçados. “Os itens brasileiros sempre estiveram ligados a uma estética criativa e fashion, se distanciando dos modelos clássicos italianos e ingleses. O Brasil revolucionou o mundo com as Havaianas em 1962 e inovou com os sapatos de plástico da Melissa. Temos, historicamente, uma tradição inovadora neste segmento”, destaca.
Sobre o limite entre inovação e o desejo puro de chocar, Raquel acredita que há uma linha tênue. “Há conceitos estéticos e semânticos que tornam um produto relevante. Tudo passa pelo ‘belo’, mesmo que aquela peça seja considerada ‘feia’ num primeiro momento. Escolher um item dentro dessa estética é uma arte, exige um olhar apurado, um conhecimento além”, afirma.
Para ela, os sapatos polêmicos não são uma moda passageira, mas parte de um movimento maior dentro da indústria. “Sempre haverá questionamentos na moda. Ela é uma antena cultural, um reflexo de questões sociais, políticas, ambientais e artísticas. Moda é tudo isso — é visão de futuro, é a busca constante pelo novo. Eu vi um desfile da Dolce&Gabbana em que as bolsas eram levadas por drones. Aquilo era uma mensagem sobre o avanço das máquinas e o lugar do ser humano. Isso é moda: uma narrativa viva do nosso tempo”, conclui.
Na prática
A jornalista e entusiasta da moda Theodora Zaccara também é a favor de looks com personalidade, o que não significa necessariamente que eles sejam “belos”, da forma convencional. “Dá para se divertir. Acho que existe uma comunhão nesse sentimento, mas também acredito que o potencial de ‘viralidade’ dessas peças não deixa de ser um fator a se levar em consideração no cenário midiático de 2025”, comenta.
Criativa quando o assunto é montar looks de personalidade, Zaccara acredita que a tendência acaba e o exagero começa quando há um hiperconsumo. “Quando uma tendência (ou uma série de tendências) passa a reivindicar um pedaço da sua conta bancária e todo o espaço do seu guarda-roupa, é hora de analisar as dinâmicas de controle dentro do sua bússola fashion. Quem “veste as calças” no seu estilo é você ou o algoritmo?”, questiona a produtora de conteúdo.
Entre os modelos queridinhos no closet da jornalista estão as Birkenstocks e as botas, sendo de cowboy, estampadas, plataformas e saltos tratorados. “Tenho inúmeros pares e faço uso extenso de cada uma”, comenta Theodora, que já considerou as papetes de plataformas feias, mas, atualmente, ama. “São confortáveis e te dão altura, como não amar?”, brinca.
Para Theodora, a escolha por um sapato polêmico vai muito além da estética, ela passa por uma conexão emocional. “Acredito que existe uma afinação não apenas estética, mas emocional com a peça. Pegue as Crocs decoradas com tags, por exemplo: elas não afirmam luxo ou beleza, mas são um acessório que traz conforto e afeto. Funcionam como um ‘cobertorzinho de segurança’, um lembrete de que podemos nos levar menos a sério de vez em quando”, afirma.
Na hora de compor o look com esse tipo de calçado, Raquel aposta no equilíbrio. “Gosto de combinar com itens mais clássicos, para criar uma harmonia visual, e também com peças mais relaxadas, que trazem essa vibe despretensiosa. É um jogo entre o ousado e o básico que deixa o visual interessante sem esforço”, explica.