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Redação do Enem aborda comunidades e povos tradicionais

Para especialistas, exame apresentou tema “eternamente contemporâneo”, mas com necessidades argumentativas complexas

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O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2022 é **_“Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”_**, conforme divulgado pelo Ministério da Educação. O tema vale para as duas versões do Enem: impressa e em computador.

**Especialista em redação e mestre em literatura indígena pela Universidade de Brasília (UnB), a professora Ana Clara Oliveira** avalia que o tema deste ano segue as tradições do Enem, com “_uma pegada social muito forte_” e tratando de um recorte muito específico: os povos e comunidades tradicionais.

“_Mais do que se restringir a esses povos, o tema abrange os desafios que o resto da sociedade tem para valorizá-los_”, disse a professora do cursinho de redação online Corujando.

**Eternamente contemporâneo**

“_Como sempre, o Enem foi muito bem na escolha temática_”, acrescentou a professora formada em Letras pela UnB. Segundo ela, trata-se de um tema “_eternamente contemporâneo_”, mas que ganha ainda mais força devido à **situação atual do país** – de luta de povos indígenas e tradicionais em defesa de suas terras e culturas – e também devido às recentes mudanças políticas, em um momento em que são **diferentes visões de sociedade se confrontam**.

“_É um tema contemporâneo a qualquer momento na história do nosso país. Sempre foi e continuará sendo cada vez mais contemporâneo, em especial com essa recente valorização [do tema, nacional e internacionalmente]. A academia tem prestado muita atenção no tema, e há políticas sendo anunciadas visando a valorização desses povos; para que as línguas nativas não morram e para que as comunidades sejam preservadas_”, argumentou.

**Problema social silenciado**

**Mestre em Linguística e fundadora do curso de redação @lumaeponto, a professora Luma Dittrich** também não ficou surpreendida com o tema. “_Foi exatamente o que esperávamos: um problema social silenciado; um tema-problema que segue a mesma tendência dos últimos anos_”, disse ela.

Segundo Luma, o nível de dificuldade está, em geral, mais relacionado às **habilidades esperadas do candidato** do que propriamente com o tema. “_O Enem não espera que o candidato demonstre conhecimento sobre o tema, mas sim capacidade de leitura e reflexão. Portanto, os candidatos que entenderam sobre o problema que está dentro do tema e argumentaram refletindo sobre ele se deram bem_”, disse.

**Esteriótipos**

A professora Ana Clara enumerou alguns **argumentos-chave** que podem ajudar nessa dissertação argumentativa. Ela alerta sobre algumas armadilhas que podem diminuir as notas dos candidatos, em especial relacionadas ao uso de estereótipos para se referir a povos ou comunidades tradicionais.

“_Pode-se falar sobre reservas, leis de proteção, instituições formadas para garantir a proteção das comunidades. O problema é que, infelizmente, a parte específica da valorização desses povos não é muito abordada para os estudantes em suas rotinas acadêmicas. No caso dos indígenas, sempre vistos como entidade do passado. Nesse sentido, o que é mostrado aos estudantes, desde quando ainda crianças, são formas estigmatizadas, com cocares, bochechas pintadas e um barulhinho feito com tapinhas na boca, algo que ninguém sabe de onde foi tirado, mas que virou som característicos para designá-los_”, disse.

**Argumentações**

“_Infelizmente essas populações acabam não sendo vistas como pessoas que usam roupas, estudam, trabalham no cotidiano e estão inseridas na civilidade. São estigmatizadas e apresentadas necessariamente como aquela pessoa na floresta, nua, fazendo rituais. É uma visão muito destorcida que a população, de forma geral, tem e que a escola perpetua direta ou indiretamente. Sem falar nas situações em que, na rotina escolar, a cultura indígena é apresentada de forma generalizada, como se todos fossem iguais, e, por vezes, romantizada_”, acrescentou em meio a **sugestões** sobre como trabalhar o tema.

**Professor do curso de redação online Me Salva!, Filipe Vuaden** disse que, por abrir possibilidades para a abordagem de diferentes povos e comunidades tradicionais, o tema do Enem deste ano abre um **grande leque de argumentações**.

“_Em termos de dificuldade, é um tema bastante acessível porque abre a possibilidade de o candidato direcionar para diferentes povos ou comunidades tradicionais, como ribeirinhos, quilombolas, pantaneiros, caipiras, sertanejos, o que faz com que com muita probabilidade o candidato tenha alguma referência para mobilizar o texto_”, disse ele ao lembrar que a mídia tem noticiado largamente os povos indígenas por conta de serem alvos de **conflitos** com fazendeiros, madeireiros e grileiros.

**Proposta de intervenção**

“_Há muito o que lembrar na hora da prova e levar para o texto, mas tendo como estratégia principal o domínio das competências de avaliação da prova. É preciso ter ciência de que, em algum momento do texto, é fundamental fazer referência a uma outra área de conhecimento ou disciplina, de forma a ajudar no embasamento da argumentação_”, disse.

Vuaden acrescenta ser também aconselhável a apresentação de uma “_boa proposta de intervenção para a abordagem que foi dada ao problema_”. “_No caso, como pensamos em desafios para valorização desses povos e comunidades, o candidato tem de pensar em uma maneira de valorizar ou superar esses desafios. Pode também usar informações históricas, porque desde o período da colonização brasileira os povos tradicionais vêm enfrentando problemas para manterem suas culturas e tradições vivas_”.

**Borboleta e mariposas**

Entre as propostas de intervenção, a professora Ana Clara destaca a busca por **representatividade no ambiente político**. “_Esta é uma questão vital, uma vez que a falta de representatividade é bastante explícita não só na política, mas também em novelas, livros. Sem representatividade, uma borboleta rodeada por mariposas continuará sendo mariposa, como dizia uma poetiza que adoro que é a Rupi Kaur_”, argumentou a professora do Corujando.

**Competências**

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o texto apresentado deve ser, em regra, dissertativo-argumentativo. Ou seja, as **ideias defendidas** precisam estar embasadas por explicações fundamentadas e por argumentações sobre o assunto. Para tanto, é apresentada uma **situação-problema**, além de textos motivadores, a partir dos quais os conceitos devem ser desenvolvidos, em até 30 linhas.

“_As redações são avaliadas de acordo com cinco competências. A nota pode chegar a 1.000 pontos. Por outro lado, há critérios que conferem nota zero, como fuga ao tema, extensão total de até sete linhas, trecho deliberadamente desconectado do tema proposto, não obediência à estrutura dissertativo-argumentativa e desrespeito à seriedade do exame_”, informou, em nota, o instituto.