A galeria Index Arte, no Setor Comercial Sul, recebe até 30 de agosto a exposição Pintura por Exemplo, do artista visual Ralph Gehre. A mostra reúne trinta pinturas inéditas produzidas ao longo do último ano no ateliê-residência mantido pela própria galeria, onde Gehre vem desenvolvendo uma nova fase de sua pesquisa pictórica, composta por dez problemas. “No final das contas, era só pintura”, resume o artista, com uma honestidade que só a experiência permite.
A mudança do seu ambiente de produção foi decisiva para essa nova etapa criativa. Após anos mantendo o ateliê dentro de casa, experiência intensificada no período da pandemia, Gehre passou a trabalhar em uma galeria externa da Index, com espaço generoso e iluminação natural abundante. Para ele, a simples travessia pela cidade já altera o gesto pictórico. “A cidade ao redor contamina o vocabulário da pintura. A luz muda e, com ela, muda o olhar”, declarou o artista em entrevista ao GPS|Brasília.
O deslocamento físico marca também um deslocamento simbólico. Estar no Setor Comercial Sul fez com que o artista reencontrasse paisagens guardadas em mais de seis décadas de vida em Brasília. “Refiro-me à paisagem ao meu redor e à memória da arquitetura, um conjunto de edificações e formas geométricas reconhecíveis, embora não necessariamente identificadas. Ou seja, não estou pintando determinados endereços, mas uma ideia de paisagem construída. O espaço ao meu redor organiza-se entre tais edificações e as estamparias dos produtos oferecidos pelos ambulantes no Setor Comercial Sul, numa cacofonia de cores vulgares. Essa é a paisagem de meu interesse”, comenta o artista.
As trinta pinturas em exibição se distribuem em uma ampla variedade de tamanhos e suportes, de pequenas obras sobre madeira, feitas alla prima, sem esboços ou fotografias, a grandes telas em óleo. Apesar da diversidade formal, todas partem da mesma inquietação, pensar os limites da pintura e de sua representação. “Cada pintura tem uma razão de ser. O tamanho, o suporte, a matéria… tudo isso é pensado como parte do problema pictórico”, explica Gehre.
O conceito problemas pictóricos também dá nome ao livro lançado junto à mostra. A publicação reúne dez ensaios curtos em que o artista comenta os desafios técnicos e conceituais que atravessam sua prática. A iniciativa partiu do curador Paulo Herkenhoff, que incentivou Gehre a sistematizar suas questões de ateliê. “Foi difícil escrever. Mas necessário. A escrita me ajuda a organizar o pensamento, a entender o que já está latente no gesto”, comenta o artista.
Mais do que inspiração, Gehre valoriza a continuidade do trabalho diário no ateliê. “Não acredito muito na ideia de inspiração. Prefiro pensar que, se ela vier, me encontre trabalhando, com as tintas à mão”. Para ele, a pintura é um ofício, algo que se aprende e se sustenta pela repetição, pela escuta ao próprio processo e por uma entrega que se renova a cada tela. “A pintura conduz a pintura”, resume.
O conjunto apresentado em Pintura por Exemplo se destaca pela montagem precisa e pela coerência interna, ainda que aberta à experimentação. A paisagem aparece como tema central, mas é desdobrada em uma chave abstrata, que mescla planos de cor, sobreposições e sugestões arquitetônicas. Há algo de Brasília nos quadros, mas não como reprodução. É a Brasília filtrada pelo olhar do pintor, um vocabulário urbano que se expressa em formas e cores, mais do que em traços reconhecíveis.
Para Gehre, o ambiente do Setor Comercial Sul também contribuiu para essa síntese visual. “Essas construções convivem com as cores dos produtos expostos pelos ambulantes, com o desenho da cidade, com aquilo que me cerca”, observa. Ao incorporar esses elementos visuais ao trabalho, o artista constrói uma espécie de geografia afetiva, que articula memória, modernismo e vida cotidiana.
Sobre as expectativas e repercussão da mostra, o pintor, que iniciou sua trajetória na década de 80, afirma que são as melhores possíveis. “Desde antes da inauguração oficial, começou a ter uma repercussão nas redes sociais, com a galeria divulgando o projeto. Isso é muito significativo, espero que mais pessoas possam ver e acho que essa é a parte mais bonita, poder compartilhar com outras pessoas.”
Serviço
Local: Galeria Index Arte – SCS, térreo do edifício Morro Vermelho, Brasília
Período: até 30 de agosto de 2025
Entrada: gratuita
Mais informações: @indexarte