O pedido de guarda unilateral feito pelo cantor Murilo Huff em relação ao filho Leo, de 5 anos, reacendeu uma questão que ainda desperta dúvidas no Brasil, o que leva a Justiça a conceder a guarda de uma criança ao pai? Atualmente, o artista divide a responsabilidade pelo menino com a avó materna, Ruth Moreira, mãe de Marília Mendonça, que morreu em um acidente aéreo em 2021. Desde o nascimento de Leo, quando a cantora morava com a mãe, a avó assumiu grande parte dos cuidados diários. Após a tragédia, a guarda foi compartilhada entre ela e Huff, modelo considerado prioritário pela legislação brasileira.
De acordo com a advogada e professora Emanuela de Araújo Pereira, embora ainda seja comum a percepção de que a guarda pertence naturalmente à mãe, “a legislação brasileira não estabelece preferência automática por nenhum dos genitores. O que se busca é o melhor interesse da criança, independentemente do gênero dos pais”.
Segundo a advogada, a guarda pode ser concedida ao pai quando ficar demonstrado que ele oferece melhores condições de cuidado, afeto, estabilidade e presença. Isso ocorre, por exemplo, quando a mãe não tem condições emocionais, psíquicas ou materiais adequadas, ou mesmo quando o pai já exerce, de fato, a função parental de maneira predominante.
O critério central é o chamado “melhor interesse da criança”, previsto na Constituição Federal e amplamente validado pelos tribunais. Para chegar a uma decisão, o Judiciário avalia aspectos como vínculo afetivo, convivência, disponibilidade de tempo, ambiente familiar, estabilidade emocional e financeira, além do histórico de cuidado e responsabilidade de cada genitor. “A Justiça analisa caso a caso, e a ausência da mãe não é, por si só, determinante para a concessão da guarda ao pai”, acrescenta a especialista.
Embora a legislação brasileira não estabeleça preferência automática por nenhum dos genitores, fatores socioculturais ainda influenciam decisões de guarda. A advogada explica que, historicamente, a maternidade foi associada à responsabilidade primária pelo cuidado dos filhos, o que faz com que, muitas vezes, o pai não seja considerado a primeira opção. “Embora não haja uma regra legal nesse sentido, muitos ainda reproduzem esse entendimento tradicional. Felizmente, essa visão tem sido desafiada nos tribunais com base na análise individual de cada caso”, afirma.
Esse cenário está diretamente ligado ao preconceito jurídico e social enfrentado por pais que reivindicam a guarda. Segundo Emanuela, ainda persiste a ideia de que o homem é um ajudante e não protagonista no cuidado com os filhos, o que gera desconfiança tanto no meio social quanto no institucional.
“Esse estigma se reflete em disputas judiciais e pode dificultar o exercício da parentalidade saudável mesmo após a decisão favorável”, observa. Apesar disso, ela aponta avanços: o Judiciário tem se mostrado mais receptivo à análise equânime dos papéis parentais, reforçando a importância da participação ativa de ambos.
A advogada lembra que, desde a entrada em vigor da Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada passou a ser o modelo prioritário no Brasil. No entanto, em situações específicas, o juiz pode determinar a guarda unilateral, sempre com base no que for mais benéfico à criança. “A disposição de cada genitor para preservar vínculos e promover a convivência com o outro também é muito valorizada”, ressalta.
O que o pai deve levar em consideração na hora de solicitar a guarda
Entre os desafios enfrentados por pais que conquistam a guarda estão a adaptação à rotina de cuidados intensivos, a resistência por parte da outra genitora e o enfrentamento de preconceitos. “Esses pais muitas vezes precisam lidar com conflitos e disputas judiciais contínuas, o que pode dificultar o exercício da parentalidade saudável”, explica a advogada Emanuela.
Para aqueles que pensam em entrar com um pedido de guarda, Emanuela recomenda uma postura estratégica e responsável. “É fundamental reunir provas que demonstrem o vínculo afetivo com a criança, a participação efetiva na rotina e a capacidade de oferecer um ambiente seguro e estável. Também é importante manter uma postura respeitosa em relação à mãe da criança e evitar litígios desnecessários”, orienta.
Segundo a advogada, a Justiça brasileira tem avançado no sentido de reconhecer de forma mais equilibrada os papéis parentais. “O princípio da coparentalidade tem ganhado força e vem sendo valorizado nas decisões judiciais, independentemente do sexo dos pais”, afirma. A legislação vigente já garante direitos e deveres iguais para pai e mãe, estabelecendo a corresponsabilidade pelo sustento, educação e afeto, como previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.
Em casos de disputa, a vontade da criança também é considerada, especialmente quando há maturidade para expressá-la. “A escuta da criança, com apoio de equipe técnica, é uma prática cada vez mais comum, sempre respeitando o seu melhor interesse”, destaca Emanuela. Quando há conflito entre os genitores, o Judiciário avalia qual deles demonstra maior capacidade de preservar vínculos familiares e de garantir um ambiente emocionalmente seguro. “A disposição para o diálogo e a promoção da convivência com o outro genitor são fatores muito valorizados”, completa.
Outro ponto que pesa na decisão judicial é o histórico de participação do pai na vida do filho. “Pais que se envolvem desde o nascimento, participam da rotina, mantêm vínculos afetivos sólidos e assumem responsabilidades tendem a ser mais bem avaliados em processos de guarda”, afirma. Isso demonstra, segundo a especialista, que o Judiciário considera não apenas as condições materiais, mas também a presença efetiva e constante na vida da criança.
O cenário, segundo Emanuela, é de avanços graduais. “Há discussões legislativas e iniciativas no Judiciário que buscam consolidar práticas mais justas e igualitárias. A tendência é reforçar a guarda compartilhada, ampliar o protagonismo dos pais e fortalecer a escuta da criança no processo”. Para ela, a mudança cultural é tão importante quanto a jurídica, pois somente com a superação de estigmas será possível garantir que as decisões reflitam o que realmente importa: o bem-estar e o desenvolvimento saudável dos filhos.