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“PPCUB ameaça preservação de Brasília”, dizem debatedores

Plano aprovado semana passada foi questionado em audiência pública no Senado Federal
Leila Barros: "A forma como isso foi aprovado levanta sérias preocupações e abre espaço para a especulação imobiliária" | Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado
Leila Barros: "A forma como isso foi aprovado levanta sérias preocupações e abre espaço para a especulação imobiliária" | Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado

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Os possíveis impactos do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), recém-aprovado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), nortearam os debates da audiência pública promovida nesta terça-feira (25) pela Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA). A presidente desse colegiado, senadora Leila Barros (PDT-DF), e os debatedores criticaram prerrogativas para uma possível especulação imobiliária, que privilegiariam interesses particulares em detrimento de importantes questões sociais, histórico-patrimoniais e ambientais.

O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, que foi enviado pelo governo do Distrito Federal à CLDF, na forma de um projeto de lei complementar, prevê regras para construções e atividades comerciais na capital federal. Brasília é área tombada pelo Distrito Federal, pela União e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade em 1987.

“A forma como o PPCUB foi aprovado levanta sérias preocupações. O projeto não aborda de maneira eficaz o déficit habitacional, direcionando construções para segmentos que não necessariamente contribuem para resolver esse problema urgente. Além disso, abre espaço para a especulação imobiliária, privilegiando interesses que não contemplam a realidade da população do Distrito Federal, que enfrenta carências habitacionais. A implementação dessas mudanças também pode agravar os problemas de trânsito, especialmente durante os horários de pico, sem que o projeto tenha apresentado um plano adequado de mobilidade urbana”, afirmou Leila Barros.

A presidente da CMA também chamou atenção para o fato de o PPCUB não abordar os impactos dos eventos climáticos extremos. Ela disse que “a liberação de áreas verdes para atividades econômicas sem um planejamento ambiental adequado pode fragilizar ainda mais nossa cidade frente a esses eventos”. Leila ressaltou que a comissão fará mais audiências públicas sobre o tema.

A questão ambiental também foi salientada pela senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), que destacou a importância de um desenvolvimento urbano ordenado.

“É só ver o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, onde há cidades que cresceram desordenadamente e aconteceu o que aconteceu”, afirmou.

 

Alterações

Quanto às alterações propostas pelo plano, Leila Barros afirmou que é fundamental compreender que a preservação não é um obstáculo ao desenvolvimento, e que há a necessidade da preservação não apenas do legado arquitetônico de Oscar Niemeyer e do urbanista Lúcio Costa, mas também das características ambientais e urbanísticas da cidade.

Entre as mudanças previstas pelo plano estão:

  • A autorização para o aumento significativo da altura dos hotéis no Setor Hoteleiro Norte e no Setor Hoteleiro Sul.
  • Na região final da Asa Sul, o projeto libera a instalação de lojas, restaurantes e um camping no gramado próximo ao viaduto da L4 Sul
  • No Setor de Embaixadas Norte e Sul, estão permitidas construções de comércios varejistas e lojas de materiais de construção.
  • As Quadras 900 Sul e Norte poderão agora abrigar pousadas, apart-hotéis, hotéis e motéis, substituindo as destinações anteriores para escolas e hospitais.
  • Nos Setores de Clubes Norte e Sul, às margens do Lago Paranoá, está prevista a criação de novos lotes para comércio e pequenas indústrias.

“Até mesmo nas imediações do Palácio da Alvorada e do Palácio do Jaburu, residências oficiais da Presidência e Vice-Presidência da República, respectivamente, serão permitidas construções de hotéis, apart-hotéis e residenciais”, ressaltou Leila.

 

Processo legislativo

O deputado distrital Fábio Felix (PSOL) afirmou que o PPCUB foi enviado pelo Governo do Distrito Federal à Câmara Legislativa em março de 2024 e que houve muito pouco tempo para debate — o projeto foi aprovado na semana passada. O parlamentar disse que apresentou mais de 60 emendas, cobrando, por exemplo, que houvesse garantia de que qualquer mudança deveria passar pelo devido processo legal, para que as alterações não fossem feitas de oficio pelo Governo do Distrito Federal.

“É óbvio que há mudanças nas cidades; eu sou de uma perspectiva de que as cidades precisam se modernizar. Mas não é preciso abrir mão de seus símbolos, de sua arte, de sua história. (…) O saldo final desse processo foi o atropelamento feito por um governo, que advogou nesse processo para interesses privados”, criticou o Fábio Felix.  

Já o deputado distrital Gabriel Magno (PT) destacou a preocupação com as diretrizes constitucionais da preservação de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. O texto aprovado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, segundo ele, apresenta várias incongruências e apresenta “inúmeros cheques em branco”, inclusive à especulação imobiliária.

“É preciso preservar o Distrito Federal como um todo. Ficou fora do plano, por exemplo, uma zona de amortecimento do CUB. O PPCUB deveria ser um instrumento para pensar além da cidade, e isso não foi feito”, concluiu.

A consultora legislativa do Senado Federal Romina Capparelli afirmou que grande parte das emendas aprovadas na Câmara Legislativa do Distrito Federal foram apresentadas em comissões que não são de mérito (especializadas).

Ela argumentou que, além de um grande número de emendas, há grande inconsistências entre elas. Segundo Romina, a maior parte das alterações aprovadas está em tabela, ou seja, “o processo de análise não está no corpo da normatização”, o que dificulta o entendimento e a futura fiscalização.

 

Governo

Janaina Domingos Vieira, secretária-adjunta de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal, declarou que a minuta encaminhada pelo Governo do Distrito Federal para a Câmara Legislativa estava “amadurecida” após oito audiências públicas e o trabalho da câmara técnica formada para estudar a proposição.

“Isso não é um cheque em branco, porque para qualquer alteração são necessárias leis complementares. E, para fazer a lei complementar, temos de seguir a lei orgânica”, questionou Janaina.

Ela procurou esclarecer algumas das modificações, como a referente ao setor de clubes, na qual, segundo Janaína, não estão sendo criados lotes, “porque eles já existem”. A secretária disse ainda que nessa região já estavam previstos hotéis e apart-hotéis.

“Assim que o projeto retornar para o Executivo, vamos avaliar a consequência das emendas que foram propostas. Vamos precisar de uma análise, sim, do que foi acatado”, acrescentou ela.

Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass disse que coube ao órgão orientar e fazer recomendações ao governo do Distrito Federal a partir das leis vigentes.

Segundo Grass, algumas dessas recomendações foram acatadas pelo governo do Distrito Federal e outras, não. Um exemplo de recomendação não acatada citada por ele: o governo do Distrito Federal manteve a proposta de elevação do gabarito dos hotéis menores no Setor Hoteleiro Norte e Sul, que não havia sido aprovada pelo Iphan.

O Iphan não participou do processo legislativo do plano na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Apesar de observar que o órgão não tem competência para interferir nessa fase, o presidente do Iphan salientou que o governo poderia ter orientado seus deputados a votar contra algumas emendas.

“Vamos aguardar a redação final para nos posicionarmos tecnicamente. (…) Temos uma atuação administrativa, técnica e também política”, concluiu Grass.

 

Críticas

Para Juliano Loureiro de Carvalho, coordenador do Núcleo do Distrito Federal do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), é preciso analisar as propostas e fazer estudos de impactos. Ele afirmou que determinadas emendas acatadas oferecem “insegurança jurídica gigantesca”, mas que o plano também tem coisas boas.

“O PPCUB não está sozinho na preservação de Brasília. (…) O posicionamento do nosso grupo, que vem trabalhando nisso há muitas semanas, é sobre a necessidade de sanear o PPCUB da forma como foi aprovado. Os problemas são muitos e são sérios, seja os que vêm da proposta do governo, seja os que foram inseridos na Câmara Legislativa do Distrito Federal”.

Alberto de Faria, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Brasília (Ceub), enfatizou a necessidade de haver um plano, porque “não ter nenhum plano também favorece a certos interesses”. O professor trouxe como ponto de reflexão a mobilidade — sobre como incorporar a presença do pedestre no plano. Ele lembrou que a principal avenida do plano tem velocidade máxima permitida de 80km/hora, o que dificulta a travessia e  as ligações transversais.

Para Benny Schvarsberg, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), “permissividade e licenciosidade” são palavras que definem o PPCUB.

“Esse plano não tem sequer um capitulo para os instrumentos urbanísticos de preservação”, disse ele.

O professor ressaltou que esteve em todas as audiências públicas promovidas sobre o tema e que sempre cobrou a apresentação de uma planilha de parâmetros urbanísticos, que nunca foi apresentada.

“A maioria das alterações propostas, que implicam desafetações, pegam carona no projeto de lei complementar [do PPCUB], e abre-se caminho para super poderes para a Seduh [Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação] e para a Terracap”, afirmou o proferssor.

Schvarsberg lembrou que, um ano antes de Brasília ser tombada, Lúcio Costa declarou que “a nova capital é histórica de nascença, o que não apenas justifica, mas exige que se preserve, para as gerações futuras, as características fundamentais que a singularizaram”.

 

Fonte: Agência Senado