Paulo Emílio Azevedo é professor, doutor, antropólogo, consultor em educação e cultura, escritor, criador no campo das artes e pensador. Mas ele se apresenta muito mais despretensiosamente, e sugere, quase que de forma inconsciente, que eu faça esse exercício juntamente com ele. “Eu sou arteiro, é isso que sou”, diz.
Considerado um dos mais importantes criadores e pesquisadores das artes cênicas no Brasil, seu nome carrega o peso de prêmios como Funarte de Circulação em Dança, em 2022, FUNARJ de Dança e FOCA/SMC-RJ, em 2021, Respirarte, pela Funarte (2021), e Cultura Presente nas Redes, pelo SECEC-RJ (2021).
A conversa com o dramaturgo ocorreu dias antes da sua companhia de dança, a Cia Gente, desembarcar em Brasília para apresentar o espetáculo vencedor dos prêmios FUNARJ e FOCA, Vírgula, escrito e dirigido por ele. Na peça, Paulo une dança e teatro para tratar de uma experiência sobre o tempo, utilizando-se de falas e movimentos que questionam a correria, a lentidão e a pausa. Brasília foi uma das cinco cidades a receber o 1º ato do projeto Brasil sem Ponto Final.
Por trás de Vírgula, existe um extenso processo criativo e inventivo. Ele conta que seu trabalho é feito em ciclos, e Vírgula integra o momento em que ele inaugura o seu terceiro ciclo de produção estética, a Pausa. Esse movimento ocorre desde o final da década de 1990, quando investigou a Queda no primeiro ciclo e o Desequilíbrio no segundo.
Nascido em Macaé, no interior do estado do Rio de Janeiro, em 1975, Paulo cresceu em meio ao progresso de um lugar que, da noite para o dia, passou de uma antiga vila de pescadores para um dos principais polos responsáveis pela produção de petróleo no País. “Nem a cidade nem sua população estavam prontas para receber essa demanda e mudar tão rapidamente, e eu entro na adolescência e início da vida adulta tentando me encontrar nesse lugar”, comenta.
Ainda em Macaé, ele já tinha despertado seu interesse pelo esporte, pela arte e pela dança. “Nesse período, eu comecei a me ‘desidentificar’ dos meus colegas e da minha cidade, porque não havia espaço para o que eu queria fazer”, conta. Partiu em direção ao Rio de Janeiro, onde concluiu sua primeira formação, em Educação Física, com o sonho de ser atleta profissional de alto rendimento. Até que um acidente de carro deixou Paulo em uma cadeira de rodas por dois anos.
Seu corpo virou seu laboratório. Era necessário entender do que era capaz. Começou a trabalhar diretamente com pessoas com deficiência física, cognitiva, múltipla e visual. Em uma das primeiras aulas de performance que deu, colocou para tocar, sem saber, um CD arranhado. Ali, pôde observar o que chamou de “diversas leituras de mundo”, já que ele viu que seus alunos dançavam cada um no ritmo que escutava, alguns, na batida da música, outros, na arritmia produzida pelos arranhões no disco. “Grande parte do que eu crio hoje foi porque essa aula, lá no início de tudo, com esse CD arranhado, deu errado, mas, no fim, deu muito certo”, acredita.
A partir das observações desse período, Paulo criou uma metodologia de estudo de dança e performance, e percorreu 33 países na Europa, aperfeiçoando o que já tinha feito para, então, voltar ao Brasil e produzir ainda mais. “Tudo o que faço é para encontrar potências nas pessoas as quais a maioria ainda não sabe que tem. Eu revelo essas potências”, afirma.
Em 2007, com o nascimento do filho, Hiago, surge uma nova ótica sobre sua produção. Sua criação toma para si empréstimos de como ele vê o menino se comunicando, documentando novas informações, narrando o início da vida. Traços possíveis de serem vistos em suas peças e lidos em suas obras.
Autor de 21 livros, alguns são e-books, Paulo Emílio Azevedo não foge a temas que parecem incômodos. Em 50 Poemas para Esquecer o Ontem, o mais recente, fala sobre deixar para trás aquilo que produz frustração, ódio e mágoa.
O professor mantém o questionamento aos alunos da Cia Gente diariamente desde 2012, quando criou o coletivo que, além da dança, produz teatro, cinema, design, literatura e fotografia: “por que vocês saíram de casa para vir até aqui?”. E quando voltam no dia seguinte, o questionamento é o mesmo. “É preciso pensar no que nos move, no que nos inspira, mesmo que a pergunta ainda esteja sem resposta”, afirma.
Em seus quase trinta anos de carreira, não se acomoda. Ele quer ir além. Cada trabalho abre espaço para um debate. “A arte que não transborda, que não produz esse tipo de manifestação de criar outros mundos possíveis, sobretudo para aqueles que não conseguem se colocar no mundo real, não serve, não cumpre a função política de construir outras manifestações para as pessoas se identificarem”, comenta.
Multitarefa, seu dom maior talvez seja mesmo o de criação: “O papel do criador é transformar o ordinário no extraordinário. O meu é esse. Aquilo que está todo mundo olhando e vendo a mesma coisa, eu olho através. Eu acho que o arteiro é esse ser incomodado, inconformado”. A história de Paulo Emiliano Azevedo é feita de recomeços que transbordam até chegar a outras pessoas. Sua vivacidade está nisso: olhar para o outro e mostrar que ele é capaz. E ser capaz também.
Para o futuro, Paulo Emílio Azevedo adianta com exclusividade o que quer: irá coordenar uma pesquisa na África do Sul em 2024. Parte do elenco da sua companhia vai ao país fazer residência artística. Ele também está escrevendo um romance, ainda sem data de lançamento, e que não revela o tema, apenas o título: Alegria Imoral – e deixa o resto com nossa imaginação.
*Texto escrito por Letícia Jábali para a revista GPS 38