O faro nos negócios a levou ao espaço que ocupa atualmente. Proprietária de uma holding que abriga cerca de 45 empresas num ecossistema que movimenta mais de R$ 3,7 bilhões anuais e emprega mais de 15 mil pessoas. A lista de premiações é robusta e segue a trilha de mulher empreendedora à inclusora social. Como Camila Farani se apresenta diante de tantas comendas?
Fundadora do Grupo Farani, congrega EdTech, InvestTech, Brand Image e o projeto Ela Vence, comunidade de lideranças femininas. Colunista dos veículos Forbes, Estadão e MIT Technology Review, tem forte presença nas redes sociais, com mais de dois milhões de seguidores. Advogada com pós-graduação em Marketing e especializações em growth, tecnologia e startups em Stanford, MIT e Babson College.
De verve altruísta, Farani vem, cada vez mais, dedicando tempo à versão educadora. O destino é inspirar e capacitar mulheres de todas as idades a alcançarem o sucesso nos negócios. Com o nome Ela Vence o projeto surge como oportunidade de aprendizado. “A nossa missão é mostrar para as mulheres que elas podem ter um negócio de sucesso”.
Em meio à maternidade, o curso trata de temas essenciais para empreendedoras e intraempreendedoras. Psicologia, marketing, finanças e negócios compõem a rede de apoio. Farani explica que a grande maioria ainda não conseguiu ter o resultado que gostaria, porque não teve acesso ao conhecimento assertivo.
“Os diferentes desafios que precisamos superar para alcançar um lugar ao sol no mundo dos negócios: preconceito de gênero, desqualificação, pressão social, demanda doméstica, são alguns dos fatores que tornam o caminho mais difícil para nós. Mas diante de todos esses obstáculos, o que uma mulher faz? Ela vence!”, explica, lembrando que atualmente são mais de 30 milhões de empreendedoras no Brasil.
O que te tornou esta mulher em que todas se espelham?
Todas as experiências que vivi e vivo diariamente – algumas das quais mencionei aqui. Como eu falei, é preciso ser forte. Mas vale a pena. E agora, tenho um motivo ainda maior para isso: um filho. Ele, mais do que ninguém, terá como referência não apenas uma, mas duas mulheres.
O número de mulheres empreendendo é uma crescente no País?
O mais recente relatório do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), divulgado em 2022, demonstrou que, sim, os homens estão mais presentes nas atividades empreendedoras, especialmente nas empresas mais estabelecidas: a proporção é de uma mulher para cada dois homens. Quando falamos em companhias nascentes, essa diferença diminui: 45,4% são do sexo feminino e 54,6% masculino.
O que explica esse gap?
Na minha visão, são os desafios que apenas as mulheres enfrentam e, sistematicamente, tiram delas condições equânimes de seguirem na jornada empreendedora. Os desafios são questões culturais e históricas, falta de rede de apoio (especialmente quando se fala de maternidade) e falta de investimentos. O cenário de capital de risco é predominantemente masculino, e quando se fala em startups, por exemplo, as fundadoras tendem a buscar investidoras – e o número ainda é muito baixo. Estudos das Universidades de Columbia e da Harvard Business School apontaram que empresas de Venture Capital questionam startups lideradas por mulheres com uma abordagem diferente em comparação às lideradas por homens, ou seja, precisamos mudar essa realidade.
Por que ainda é um desafio para mulher se posicionar como líder e gestora?
Muitas mulheres – inclusive eu – sofrem com a síndrome da impostora. Pode acontecer com qualquer um, mas, estatisticamente, afeta mais as mulheres, que acabam se auto sabotando por acreditarem que não estão à altura de determinadas funções, trabalhos ou conquistas. Como já falei, há um contexto histórico, já que, por muito tempo, as mulheres não tinham autonomia e independência para se desenvolverem profissionalmente.
A partir disso, surge esse sentimento de que não deveríamos estar naquele lugar de poder. Sensação que é baseada em crenças e vivências, que vêm até mesmo da infância. Mas eu acredito que precisamos unir forças para ultrapassar esse tipo de barreira invisível. Uma delas é a conexão – algo que trabalho na minha WomanTech Ela Vence. Por meio de uma lógica de comunidade, criamos um ciclo de alto impacto, em que mais de 650 mil mulheres compartilharam experiências, dividiram conhecimento, conectaram-se como profissionais, fornecedoras e clientes, além de oferecer a oportunidade para elas se desenvolverem por meio de cursos pensados nos desafios que só quem é mulher conhece.
Quais desafios você precisou vencer?
Todos falados até aqui: síndrome de impostora, menos espaço para mulheres no universo de investimento, menos investimento para empresas de mulheres. Mas sempre encarei todos esses desafios como questões a serem superadas e não como desculpas para me fazer desistir.
Que acertos você cometeu no processo?
Eu acredito que meu maior acerto foi perceber que meu perfil não era de alguém que trabalha em apenas um negócio e sim de uma investidora, que gosta de correr risco, busca aprender em todas áreas que atua e quer sempre descobrir novos negócios.
E quais foram os seus erros?
Tive que aprender a lidar com os erros. Principalmente não me deixar ser derrotada por eles. Os erros não são em vão. Eles sempre trazem aprendizados. No primeiro negócio que eu abri do zero, acreditei que tinha encontrado a chave para o sucesso. Investi todas as minhas economias, que eram R$ 280 mil, e trabalhei duro para fazer acontecer. No primeiro mês, as vendas foram decepcionantes, o que se repetiu no segundo e no terceiro meses. Clientes entravam no meu estabelecimento perguntando por sorvetes e eu não entendia a razão de não estar atraindo a clientela que eu esperava.
Até que, conversando com os poucos consumidores que iam ao meu restaurante, percebi que a arquitetura e as cores não estavam adequadas ao público que eu queria atender: ele era branco e lilás, por isso a confusão com a sorveteria. Então mudei tudo, inclusive o conceito. Coloquei os ingredientes das saladas no balcão para que os clientes montassem a refeição conforme eles queriam, troquei as cores e o design, imprimi folders e distribuí de porta em porta. Do quarto mês em diante, meu restaurante passou a ter fila.
Seus medos são os mesmos que você combate nos que te procuram?
Sem dúvidas. Especialmente as mulheres. O primeiro pitch que eu avaliei como investidora anjo, há cerca de 12 anos, foi de uma empreendedora. Enquanto eu a avaliava, percebia que meus colegas investidores não conseguiam se conectar com a dor que ela apresentava. Foi nesse momento que eu tive certeza que queria fazer parte do mundo do investimento de risco.
As mulheres fundadoras de startups recebem menos de 3% de todos os investimentos em capital de risco do mundo. Um dos caminhos para ampliar as chances de receberem mais aportes é termos mais investidoras. Mais adiante, quando elas precisarem de uma segunda rodada de investimento, por exemplo, é urgente que tenhamos mais diversidade nesses setores.
O que você considera vital no comando de uma empresa?
Antes de tudo, é preciso ter empatia e agir com transparência, o que só é possível a partir do autoconhecimento. E também alguns outros fatores que podem fortalecer a capacidade de liderar dos empreendedores, como propensão a assumir riscos, criatividade, senso de estética, organização e humanidade.
Qual sua recomendação para um filho que se inicia na empresa do pai?
É preciso planejar. Não achar que, por ser a empresa da sua família, você pode agir instintivamente. É necessário que haja uma preparação, principalmente em caso de sucessão. E dentro desse processo, é essencial que haja uma estruturação da equipe, prévia e durante a transição. Deve-se entender que toda mudança de gestão carrega uma alteração em objetivos estratégicos e no estilo de liderar. Um filho que assume a posição do pai na empresa (ou da mãe) não vai agir como tal e os times precisam estar preparados para compreender que a empresa seguirá sendo forte sob o comando de um sucessor.
Quais requisitos de um empresário para ganhar a sua admiração?
Ele precisa ter foco no produto ou serviço que está vendendo, ciente do diferencial e da dor que vai solucionar, além de ser um bom comunicador, recrutador e vendedor. O empreendedor ganha a minha admiração quando demonstra que entende o mercado em que entrou, conhece a tração do seu negócio e o diferencial competitivo.
Dá trabalho ser forte?
Claro. Tanto na vida pessoal, quanto na profissional. Recentemente, quando eu e a minha esposa Tula anunciamos a gravidez do Lucca, por exemplo, foi uma onda de amor e mensagens positivas. Mas, mesmo assim, houve pessoas que questionaram a falta de um pai, escancarando a homofobia por trás dessa suposta preocupação. Nesse caso, veio à minha mente se essas mesmas pessoas demonstram repúdio à notícia de que, em 2022, mais de cem mil crianças foram registradas sem o nome do pai e abandonadas pelo genitor. Mas eu sou uma mulher negra, homossexual, em breve mãe, que lidera um time de milhares de pessoas, em um meio dominado por homens, então a minha única opção é ser forte.
Empreender é um talento?
Empreendedorismo é sobre constância, insistência e resistência. Não sobre talento, ou dom. É sobre aprender com as adversidades e não gastar energia se vai dar certo ou não, e sim buscar a solução para dar certo. Eu sempre digo que é melhor feito do que perfeito. Então não adianta ter uma ideia incrível, sem colocá-la em prática. Para empreender, é preciso saber negociar. Pelo menos 80% da nossa vida é negociação. Negociação é a forma como você fala, é a forma como você se posiciona, é a forma como você consegue falar o mesmo tipo de linguagem da pessoa.
Brasília é um centro administrativo. Você acredita numa cidade com essa característica como polo empreendedor?
O estímulo ao empreendedorismo e o aporte de capital e de conhecimento são caminhos para transformar a vida das pessoas e dos negócios. Brasília é conhecida por ser uma cidade onde, de fato, há muitos servidores públicos. Mas esses servidores precisam de empresas privadas para comprar insumos para a família, para se divertir, para cuidar da saúde, entre tantas outras atividades que são oferecidas e resolvidas por empreendedores.
Você acredita em Deus?
Acredito que Deus é a causa de todas as coisas, mas que nós, enquanto seres humanos, temos livre arbítrio para agir. Deus me faz crer em uma jornada de evolução, onde somos responsáveis pelas nossas atitudes e as consequências delas.
Qual a mensagem que você deixa que todo mundo deve replicar na vida?
Desistir não é opção. E se ela vence, todas vencem.
Qual o segredo da felicidade?
Encontrar um propósito que te guie é um bom caminho para ser feliz.