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Os risos que contemplam a Democracia

Por coincidências ou não, no dia 8 de fevereiro, exatos um mês após uma das maiores tentativas de golpe contra a democracia brasileira, a exposição **“Brasil futuro: as formas da democracia”** recebeu o presidente Lula no Museu Nacional em Brasília.

![Christus Nóbrega](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/Christus_Nobrega_ac39e38fb8.png)

O renomado artista plástico brasiliense **Christus Nóbrega** pega a expressão portuguesa antiga _“Rir a bandeiras despregadas”_, como mote para descrever em forma de risos os diversos **afetos circulantes** em tudo aquilo que a politica **provoca** em seus cidadãos. A expressão trazida dos nossos colonos pelo artista era aplicada quando os navios que saiam para o combate em uma guerra voltavam para terra e soltavam as bandeiras para que estas ficassem tremulando, como sinal para seus povos de que tinham vencido a batalha.

Nada mais **significativo e emblemático** para nosso momento histórico podermos pensar na obra de Christus como um **resgate** da nossa bandeira sequestrada como símbolo e como propriedade particular, tal qual testemunhamos pelo governo passado.

Expor uma obra com essa magnitude para o Brasil pós eleição, pós tentativa de golpe, significa “despregar” o riso contido por uma situação coercitiva vivida na batalha interna da nossa nação, onde a **polarização** acabou por nos tornar estrangeiros ao que seria um suposto _“nós mesmos”_ nos tornando estranhos àquilo que podemos reconhecer como _“nosso”_, àquilo que é justo a nossa maior riqueza, a nossa pluralidade étnica, sexual, ideológica, racial etc. Ou seja, uma obra como esta, de fato, **merece a assinatura** de um presidente que sobe a rampa com cada um daqueles que representa a nossa diferente brasilidade e desce, após os atos golpistas com os três poderes de mãos dadas, uma obra como o decreto de o rir torna-se extremamente **emblemática** para não dizer _”necessário”_ para o povo brasileiro.

A estranheza de si ou o estranhamento naquilo que não nos parece familiar a nós mesmos é algo que a **psicanálise** tem por conceito teórico basal para a compreensão do que a obra também revela. Os Outros, os quais supomos nos risos ou os quais supomos que estejam rindo de, podem ser qualquer um ou qualquer coisa, mas a **identificação** faz com que a obra invoque os afetos subjetivos de seu fruidor. Em cada um de nós, ela suscita de forma inconsciente a repetição em ato, dos **afetos provocados** ao longo do processo eleitoral. Cada pessoa se identificará em uma determinada posição representativa de sua própria subjetividade. Em meio a um país dividido, podemos rir de uma conquista ou nos sentirmos confrontados por esta representada na obra.

![](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/Whats_App_Image_2023_02_09_at_15_37_19_f665999a4e.jpeg)

Ontem, num **gesto solene**, a obra foi assinada pelo atual **Presidente Lula**, e o que ficou emblemático foi o resgate à cultura usurpada, à bandeira sequestrada, à democracia violada, de todos os deslocamentos autoritários e excludentes, para instaurar o riso como aquilo que legitima a igualdade e a liberdade de todo tipo de gente e de todos os tipos de risos e de afetos. Os risos também representam as reapropriações democráticas simbólicas por aqueles brasileiros que estavam na cota dos _“passíveis de não existirem”_ pela ideologia do poder passado.

![Decreto RIR](https://gpslifetime.blob.core.windows.net/medias/landing-page/Decreto_RIR_6078fb90e4.jpg)

Como já bem nos apontava **Freud**, o riso demostra a fissura que se irrompe naquilo que escapa e que é irreconciliável, algo que eclode através de uma verdade que aflora no que fica revelado. Logo no inicio de sua obra, em 1905, Freud escreveu _“Os chistes e sua relação com incoscientente”_. Chiste para Freud não é algo da ordem que necessite de explicação, pois ele carrega a capacidade de provocar riso no outro, o sujeito é pego num flagrante, um riso revelador, que provoca **surpresa, satisfação, vergonha, pavor, tristeza** ou qualquer outro afeto, pois o que ele não deixa esconder é o mistério e a diversidade multiforme.

Traz consigo uma eloquência para o sujeito que ri, que é reveladora de que algo da ordem do inconsciente tenha se dado, em termos de significante. Que a graça seja própria do ser humano já foi afirmado por **Aristóteles** em “As partes dos animais”, quando coloca que _“O homem é o único animal que ri”_. E acrescentando: é o único animal capaz de criar diferentes verdades.

Num gesto **generoso**, Christus inclui professores, atores e alunos das artes cênicas para representarem os diferentes risos, os diferentes povos e a pluralidade de saberes, os quais representam a **UnB**, seu decreto do rir está encenado em telões que ecoam a sua poesia visual por todo o museu.

Numa espécie de lavagem da escadaria da **igreja do Bonfim**, o riso traz inclusive, segundo o artista, uma referência importante advinda da **Umbanda**, os Exus e as pombas giras usam o riso para se purificarem, numa espécie de ação mágica, soltam seus risos catárticos para lavarem o ambiente, e assim o decreto do rir como um símbolo que faz alusão a uma pessoa de braços abertos, convida a todos para o novo momento nacional, o de rirmos juntos não só “dos” outros, mas “com” os outros e, quem sabe assim, num passo seguinte, podermos rir de nós mesmos e das nossas estranhas verdades.

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