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Os milhares de cadáveres da Copa do Mundo

**Dentro de campo, a luta pela Copa do Mundo de 2022 já começou, com a derrota dos donos da casa para o Equador, por 2 x 0.** Fora das quatro linhas, uma batalha ainda mais dura segue sem definição: **a que pretende criar um fundo de compensação para os trabalhadores mortos ou vítimas de abusos na construção dos equipamentos usados no Mundial – a esmagadora maioria era composta por imigrantes.** A ideia é que o fundo tenha recursos da ordem de US$ 440 milhões (R$ 2,3 bilhões). O valor não é aleatório: corresponde à soma dos prêmios que as seleções vão receber por jogarem a Copa mais polêmica da história. **Os beneficiados seriam as famílias dos que morreram ou os empregados submetidos aos maus tratos.**

**ONGs como a Human Rights Watch (HRW) e Anistia Internacional sugerem que a Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o governo do Catar paguem as compensações**, diante dos lucros astronômicos que a competição irá proporcionar. Apenas a Fifa sinalizou que “estuda formas de compensação” para os trabalhadores imigrantes. O governo do Catar não comentou a ideia.

Além de pedir apoio das 32 federações de futebol presentes à Copa do Mundo do Catar, as ONGs também procuraram 14 patrocinadores oficiais do evento.** Quatro demonstraram apoio à proposta: AB InBev/Budweiser, Coca-Cola, Adidas e McDonald’s.** Sete federações concordam com a compensação: Estados Unidos, Bélgica, França, Inglaterra, Alemanha, Holanda e País de Gales. **Craque em campo, o Brasil segue sem se manifestar fora dele. É como se, na cara do gol, chutasse de canela para fora.**

A diretora do escritório Brasil na Divisão das Américas da HRW, Maria Laura Canineu, conta que a ONG enviou carta à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pedindo apoio à proposta, em setembro. A correspondência foi solenemente ignorada. **”O que a gente tem visto na América Latina é um silêncio vergonhoso em relação ao que está em jogo nessa Copa”**, afirmou, em entrevista à BBC. “Nós, latinos, somos apaixonados pelo futebol, mas **temos dificuldade em apontar violações graves a direitos humanos relacionadas ao esporte”**, completou. O silêncio latino-americano, especialmente o brasileiro, tem um impacto significativo. Trabalhadores da Índia, Bangladesh e Nepal, que foram maciçamente atraídos para o Catar, são fãs da nossa seleção.

Para que não se diga que o silêncio brasileiro foi absoluto, o técnico Tite, sempre muito ligado em questões sociais, falou brevemente sobre o tema: **”Eu gostaria sempre que se tivesse um respeito à mão de obra, que fosse valorizada no seu devido tamanho. Não só no Catar. Lá em São Braz, onde nasci, eu vou apoiar”**, disse, antes de completar ser a favor do fundo. **Uma isolada e única declaração de um representante do País cinco vezes campeão do mundo.**

Para realizar a Copa de 2022, **o Catar precisou trabalhar por 12 anos para erguer sete estádios, um aeroporto e estradas.** Com território e população reduzidos, a mão de obra veio do exterior. Ano passado, levantamento do jornal britânico _The Guardian_ junto aos governos de Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka estimava **a morte de 6,5 mil trabalhadores imigrantes – não foi possível dizer quantos efetivamente atuavam nos preparativos para a Copa.** Os números foram rebatidos pelo governo catari com a alegação de “mortes naturais”, admitindo apenas 37 óbitos de pessoas que atuaram na construção de estádios – **e apenas três seriam em decorrência do trabalho. **

**Os números do Catar foram contestados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que apontou 50 mortes relacionadas ao trabalho apenas em 2020**, sem separar dados relacionados aos projetos da Copa. Quanto aos 500 feridos graves, a maioria vinha de Bangladesh, Índia e Nepal. O relatório acusava ainda a existência de divergências nos dados, o que impedia de “apresentar um número categórico de lesões ocupacionais fatais”. Parte do problema vem do aspecto climático e da condição oferecida aos operários imigrantes. **País de altíssimas temperaturas, o Catar tem jornadas extenuantes, punições com dedução de salário e controle da movimentação e situação de imigração dos trabalhadores** – até recentemente, eles precisavam de permissão do patrão para deixar um trabalho.

Em vez de se preocupar com a questão social que ronda a maior competição por ela organizada, **a Fifa preferiu enviar carta às seleções pedindo “foco no futebol”. **O documento foi publicado pela BBC Sport e afirma que o futebol não deve ser “puxado para toda batalha ideológica ou política que exista” e pediu que respeito a “opiniões e crenças, sem dar lições de moral ao resto do mundo”. **Na esteira da tentativa da Fifa de despolitizar a Copa, a CBF publicou um texto intitulado “Foco no futebol”**, em que afirma concordar com o pedido para que a comunidade desportiva se concentre apenas “no futebol antes e durante a próxima Copa do Mundo”. **Mais vergonhoso diante de tantas irregularidades, impossível.**

Para Maria Laura Canineu, da Human Rights Watch (HRW), a entidade não pedia boicote à Copa do Mundo, mas fazer do futebol uma forma para promover direitos humanos. **”O que a estamos pedindo não é que a CBF pague o fundo com seus recursos, mas pressione a Fifa para que dedique verbas para recompensar às famílias que tiveram seus entes queridos mortos por conta da construção da infraestrutura.** As federações também lucram com a Copa do Mundo, e a gente entende que elas também têm obrigações com direitos humanos”, completou.

**Apoio de estrelas**
Apresentador da Partida do Dia pela emissora inglesa BBC One, o ex-atacante Gary Lineker, artilheiro da Copa do Mundo de 1986, abraçou as críticas à Copa. **“Desde que a Fifa escolheu o Catar em 2010, a maior competição do futebol enfrenta questões que vão de acusações de corrupção no processo de licitação até o tratamento dado aos imigrantes que construíram os estádios onde muitos perderam suas vidas”**, disparou, ao vivo.

Alex Scott, também ex-jogador da seleção inglesa, cobrou posicionamentos do presidente da Fifa, Gianni Infantino, quanto aos trabalhadores. “Você nunca saberá o que é ser um trabalhador imigrante”, disparou. Já Alan Shearer, ex-capitão da Inglaterra, também bateu duro. **“A Anistia Internacional está pedindo à Fifa pouco mais de US$ 400 milhões em um fundo de compensação. Eles não concordaram com isso. Por quê?”**, questionou.

Para Lineker, a Copa no Catar ainda contraria posições que a sociedade já acatou.** “A homossexualidade é ilegal aqui. Os direitos das mulheres e a liberdade de expressão estão no centro das atenções. **Neste cenário, há um torneio a ser disputado – um torneio que será assistido e apreciado em todo o mundo. **Atenha-se ao futebol, diz a Fifa”**, lamentou.

Redação GPS

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