GPS Brasília comscore

ONU calcula impacto ambiental de 8 bilhões de pessoas

Crescimento demográfico acelerado em países pobres aumenta a pressão por recursos naturais

Compartilhe:

O planeta chegou a **8 bilhões de habitantes** neste ano, calcula a Organização das Nações Unidas (ONU). Reflexo do avanço da medicina e da ciência nas últimas décadas, esse marco também aumenta os desafios no combate às mudanças climáticas. O crescimento populacional, mais veloz em países pobres, eleva a demanda global por alimentos, energia e a pressão sobre recursos naturais, como florestas e cursos d’água.

“_É uma ocasião para celebrarmos a diversidade e os avanços, enquanto consideramos a responsabilidade compartilhada da humanidade com o planeta_”, disse **António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU)**.

Representante do fundo de população da ONU (UNFPA) no Brasil, a **antropóloga e socióloga Astrid Bant** explica que esse aumento populacional é consequência do avanço em tecnologia e acesso à saúde e deve ser celebrado. “_O mundo, de alguma maneira, está cuidando melhor da sua população. Isso dá esperança também para o meio ambiente_”, afirma.

“_Problemas graves de meio ambiente são complexos e podemos tê-los ou não. A concepção da UNFPA e da ONU é a de nos assegurarmos que esses 8 bilhões tenham boa qualidade de vida_”, aponta. “_Uma tendência demográfica não é só boa ou má, tudo depende dos nossos esforços._”

A marca dos 8 bilhões foi atingida em meio às discussões da **Cúpula do Clima (COP-27)**, realizada até a semana passada no Egito, onde o principal debate foi sobre criar um fundo monetário financiado por países mais ricos (e com maior emissão de gases do efeito estufa) para ajudar **nações de renda baixa** ou em desenvolvimento a enfrentarem os efeitos das mudanças climáticas, como maremotos, furacões, tempestades e outros desastres naturais que se agravaram nos últimos anos.

**Colaboração**

Todos concordam que uma **cooperação internacional** firme e efetiva é a única saída, mas as ações para chegar até lá ainda estão aquém do esperado. “_Ainda é uma cooperação muito frágil_”, avalia o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores referências no mundo em aquecimento global. “_Realmente, para vencermos os maiores desafios da humanidade e chegarmos à meta do Acordo de Paris estamos indo em uma direção de forma lenta e é importante a colaboração dos países._”

Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu como meta cortar as **emissões de gases poluentes** e impedir que a temperatura média do planeta aumentasse mais de 2ºC – e, idealmente, ficasse em até 1,5ºC. Mas cientistas já avisaram que será **difícil cumprir o prometido**.

“_A primeira questão é fazer com que os países ricos, maiores responsáveis pelas mudanças climáticas, paguem pelo dano que já estão trazendo aos países mais vulneráveis. A conversa tem de começar por aí, para que eles assumam a responsabilidade histórica que têm, e trabalhem na redução dos impactos dessas mudanças_”, defende **Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP)** e membro do IPCC, o painel de cientistas das Nações Unidas para discutir a crise climática.

Para ele, **o tamanho da população nem é o maior problema**. “_A questão principal não é ter 8 bilhões, mas o nível de desigualdade social e econômica e de consumo dos recursos naturais pelas pessoas mais ricas do planeta. O problema é muito mais de desigualdade do que do número absoluto de pessoas_”, diz.

**Consumo e alimentação**

É unanimidade que **o meio ambiente não consegue sustentar as demandas da humanidade**, se ela continuar crescendo exponencialmente e se comportando da mesma forma, sem medidas enérgicas para frear as mudanças climáticas. **A previsão da ONU é de que a população mundial ultrapasse a casa dos 10 bilhões nos próximos 50 anos**, aumento que será impulsionado principalmente por países de baixa ou média renda na Ásia e na África.

Na prática, esse crescimento populacional significa mais demanda de recursos, energia, alimento, território, mais poluição no ar, na água e uma série de problemas que afetam desde a biodiversidade da Amazônia à qualidade do ar na Índia. “_É uma preocupação grande, porque 2 bilhões de habitantes a mais significa um aumento ainda maior do consumo_”, destaca Nobre.

“_O risco desse crescimento populacional é muito grande_”, continua ele. “_A não ser que haja uma mudança radical no consumo, que pode ser muito mais sustentável. Você pode migrar rapidamente para energias renováveis, por exemplo, e consumir muito menos. Não podemos caminhar para uma sociedade consumista, como tem sido a tendência global há mais de 100 anos_”, alerta o pesquisador.

Segundo a ONU, uma das formas de garantir que o crescimento populacional aconteça de forma **sustentável** é mudar como nos alimentamos. “_Os sistemas de alimentação precisam incorporar práticas mais sustentáveis, enquanto garantem acesso a comida segura, suficiente, acessível e nutritiva, além do aproveitamento de uma dieta diversificada, balanceada e saudável para todos_”, diz a organização em um **relatório oficial** sobre a marca dos 8 bilhões.

Coordenador do programa de **Consumo Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)**, Rafael Rioja Arantes tem tentado mudar a forma como as pessoas lidam com hábitos de alimentação, transporte, habitação e outros já **enraizados na nossa cultura**.

“_Ainda há um distanciamento sobre a compreensão desses impactos (de aumento populacional) no meio ambiente e no dia a dia. Mas os consumidores brasileiros estão cada vez mais sensíveis e atentos a essas questões_”, avalia. “_Pesquisas apontam que os consumidores brasileiros têm interesse em sustentabilidade e percebem essa necessidade, mas também precisam que os caminhos sustentáveis sejam mais fáceis, acessíveis e baratos_”, aponta Arantes, que esteve este mês na COP-27 discutindo o tema.

Ele observa, porém, que além de **os cidadãos mudarem hábitos de vestuário, alimentação e transporte**, é preciso, principalmente, ter mudanças legislativas e estruturais que incentivem produções e consumos sustentáveis. “_Precisamos direcionar políticas públicas e leis para um conjunto de incentivos fiscais que propiciem a produção de alimentos saudáveis, como frutas, hortaliças e outros substitutos para a carne, e para energias mais limpas_”, aponta.

“_A estrutura das relações de produção e consumo precisa ser alterada de forma urgente, significativa e imediata. É o que todos os estudos apontam_”, afirma ele.

**Protagonismo brasileiro**

Durante a COP-27, o **presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT)** anunciou a intenção de trazer a 30.ª edição da Cúpula do Clima para o Brasil, preferencialmente em um Estado amazônico. Mas, além de sede do evento, especialistas apontam que o País tem o potencial de se tornar uma referência internacional em sociobiodiversidade – desde que tome os passos necessários para isso.

>”O Brasil tem grandes chances de se tornar um protagonista mundial na adoção de novas práticas, produtos e tecnologias sustentáveis. Não só na alimentação, mas também na produção de energia, biodiversidade e conhecimento”, aponta Carlos Nobre.

O primeiro passo para isso é **zerar o desmatamento dos nossos biomas**, que tem crescido nos últimos anos e isolado o Brasil nos debates ambientais internacionais. “_Um grande protagonismo que o Brasil pode ter é também um enorme desafio: podemos nos tornar a primeira potência ambiental da sociobiodiversidade, baseada na proteção do ambiente, dos biomas, das florestas, das populações originárias e na nossa riqueza imensa. Temos a maior biodiversidade do planeta_”, diz Nobre.

Se um caminho aponta para o combate ao desmatamento, o investimento em uma **agricultura cada vez mais sustentável** e a aceleração em energias renováveis como a eólica e a solar são outras oportunidades para o protagonismo.

“_O Brasil é um país de pessoas inventivas e tem muitos grupos com conhecimentos diferentes, como os povos tradicionais, que podem produzir conhecimento em muitas áreas diferentes. Tudo isso pode ser melhor desenvolvido_”, defende Astrid Bant. “_Isso sem falar na mão de obra e no cérebro das mulheres, um capital que não está sendo usado ao máximo, enquanto muitas delas fazem trabalhos simples que não pagam bem._”

Professor de Macroeconomia e Finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Claudio de Moraes defende **mais esforços regulatórios do poder público** para garantir a saúde do meio ambiente e o bem-estar da população. “_A não intervenção gera um problema. Se você deixar as coisas correrem, a sociedade vai resolver a moradia, por exemplo, com a ocupação do espaço urbano ou rural de forma a atender o interesse individual e não o geral_”, explica. “_Isso gera o desalinhamento entre o privado e o público._”

Ele usa dois exemplos, entretanto, que contrastam entre o **excesso e ausência de intervenção** pública do meio ambiente. De um lado, segundo ele, o arquipélago de Fernando de Noronha, protegido com tamanho rigor que chega a prejudicar a produção dos pescadores locais. Do outro, o abandono de décadas sobre a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, que recai sobre a responsabilidade do Estado. “_Quando você não alinha o interesse do meio ambiente e da sociedade, gera um problema econômico_”, observa.

**Equilíbrio**

São muitas as possibilidades de **colapso** do meio ambiente nas próximas décadas e, sim, o aumento populacional pode contribuir para isso, mesmo que a ONU ainda mantenha a projeção de que ele deve desacelerar no próximo século. Ainda assim, as chances de consertarmos esse problema antes que ele saia de controle também são amplas.

“_No geral, acho que todo o mundo está em busca de encontrar o equilíbrio da população e do meio ambiente_”, afirma Astrid. “_Por meio da inventividade e da ciência, nós vamos encontrar soluções_”, completa.

Últimas

Política