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O sotaque brasiliense em destaque nos 64 anos da capital

O GPS conversou com um especialista em sociolinguística para decifrar a formação do sotaque
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo

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O brasiliense tem ou não tem sotaque? Uma característica peculiar da capital são os sotaques que ecoam pelas ruas e praças da cidade. Conhecida por sua diversidade cultural, Brasília abriga uma multiplicidade de falares que refletem as origens e influências dos seus habitantes, criando uma sinfonia linguística única. 

Para comemorar os 64 anos da capital, o GPS conversou com o professor Newton Lima Neto, mestre em sociolinguística pela UnB, para entender a formação do sotaque e dos dialetos brasilienses. Será que Brasília já tem um sotaque próprio?

Muitos confundem os termos “sotaque” e “dialeto” e os utilizam como se fossem a mesma coisa. No entanto, a diferença entre eles é clara: enquanto o dialeto abrange todos os aspectos da língua — gramática, vocabulário e pronúncia —‚ o sotaque diz respeito apenas à pronúncia e entonação.

“Quando você pega uma comunidade de pessoas que moram no mesmo lugar,  quando se faz o recorte e grava essas pessoas falando, você analisa várias coisas, como as palavras mais usadas, se usa mais ‘tu’ ou ‘você’, a forma mais comum de montar as frases, e também se analisa aspectos fonéticos fonológicos, que é a pronúncia e entonação. O sotaque é a junção das duas. As gírias e as expressões, o vocabulário e os léxicos seriam os dialetos, como por exemplo o dialeto mineiro que tem o ‘uai’, o pernambucano com o ‘oxente’, e o brasiliense com o ‘véi'”, explica Newton. 

Em Brasília, é comum classificar o sotaque como “televisivo”, ou seja, uma pronúncia considerada neutra. Por outro lado, há características distintivas que marcam a fala dos brasilienses. Por exemplo, o ‘s’ sibilante e o ‘r’ aspirado são traços fonéticos que diferenciam o sotaque brasiliense de outras regiões do País.

Início da formação da capital (Foto: thomaz Farkas)

Entendendo as pronúncias 

Newton Lima Neto explica que a formação do sotaque brasiliense teve início com a primeira geração, nascida em 1960. Essas pessoas apresentavam uma difusão dialetal, mas foi responsável por iniciar a construção do sotaque da capital. Nas gerações subsequentes, a focalização dialetal tornou-se mais clara e característica, solidificando a forma de pronúncia.

Para determinar se um sotaque está definido, é necessário analisar amostras da fala de um grupo específico e identificar as variações na pronúncia de certas palavras. Em Brasília, por exemplo, é comum “ditongar” palavras, como na pronúncia de ‘arroz’, onde se introduz um ‘i’. Essa característica, embora também presente em outras regiões, como no Rio de Janeiro, apresenta nuances distintas que contribuem para a identidade do sotaque brasiliense.

Exemplos:

Na capital o ‘s’ é sibilante, ou seja, que produz um som agudo semelhante a um assobio, diferente do som mais chiado de algumas cidades. 

[RESssspiração] diferente de [ReSxxxxpiração] – “Sssi” não “Xxxi” – . O ‘r’ em Brasília é o aspirado, mais aberto e definido. Para perceber a diferença, se compara com o gaúcho, que possui uma pronúncia mais vibrante. Em ‘carro’, é comum escutar o gaúcho pronunciando com um ‘r’ só, o que dá um som mais vibrado: ‘caRo’.

Por aqui, também é comum “ditongar”, quando existe a junção de vogais na mesma sílaba. Na palavra ‘arroz’, para nós, é comum a pronúncia como ‘arroIz’, ou seja, a introdução de um i. No Rio de Janeiro isso acontece, mas se modifica o final: ‘arroizxx”, com som chiado no final. 

“Essa característica de ditongar as palavras é comum no Rio de Janeiro, mas no caso de palavras com ‘s’, os cariocas costumam ter um chiado, e em Brasília é o famoso ‘s’ sibilante, mostrando que mesmo nas semelhanças, a capital já possui sua forma particular”, detalha o professor.

Newton é professor do Instituto Federal de Brasília (IFB) na área de Língua Inglesa, e atualmente, é doutorando em Linguística Aplicada pela UFMG, e mestre em Linguística e licenciado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa pela UnB. O professor desenvolve pesquisas de natureza sociolinguística com enfoque em focalização dialetal e nos falares do Distrito Federal.

Assim, mesmo com uma diversidade linguística marcada pela migração de pessoas de diversas partes do País, Brasília já desenvolveu uma identidade sonora própria, refletindo a sua história e as características de seus habitantes ao longo das décadas.

Os dialetos brasilienses 

Além das características fonéticas e fonológicas (pronúncia e entonação), os dialetos brasilienses também apresentam peculiaridades gramaticais, como o ressurgimento do uso do pronome “tu” como índice de segunda pessoa, embora o pronome “você” seja mais comum no Brasil. 

Curiosamente, em vários casos na capital é comum encontrar esse tipo de conjugação do verbo “tu” seguindo a terceira pessoa: “tu foi”, “tu disse”, etc. Além disso, o brasiliense também deu novos significados às palavras, como o ‘balão’, que é a rotatória, ou ‘bloco’, os prédios residenciais.

Em Brasília uma tesourinha faz parte do trânsito (Foto: Agência Brasília/ Divulgação/ Adriano Teixeira)
Lista com dialetos usados na capital
  • Balão = Rotatória
  • Baú = Ônibus
  • Biscoito = Bolacha
  • Bloco = Prédio residencial
  • Cabuloso = Impressionante
  • Camelo = Bicicleta
  • Careta = Cigarro
  • De rocha = Sério, de verdade
  • Paia = Algo chato, ruim
  • Pão de Sal = Pão francês
  • Parada = Parada de ônibus, ponto de ônibus
  • Pardal = Radar de trânsito
  • Pegar o beco = Ir embora
  • Se pá = Se der certo
  • Tesourinha = Trevo
  • Tesourinha = Retorno feito pela Tesourinha
  • Véi = Vocativo usado entre amigos, “Meu”, “Cara”, “Mano”
  • Zebrinha = Micro-ônibus, originalmente com listras verticais nas laterais