O papa Francisco nos deixou nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, mas deixa também um legado como um dos pontificados mais reformistas da história recente da Igreja Católica. Primeiro latino-americano a ocupar o cargo, Francisco promoveu mudanças profundas tanto na estrutura do Vaticano quanto na postura da Igreja diante do mundo. Com ações que vão da abertura de cargos de lideranças a mulheres na Igreja, enfrentou escândalos financeiros, acolheu a comunidade LGBTQIA+ e endureceu o combate aos abusos sexuais. Seu papado marcou uma tentativa ousada de aproximar a Igreja do mundo contemporâneo — e nem sempre sem resistências.
Uma das ações mais significativas do papa foi a reestruturação da Cúria Romana, a administração da Igreja Católica. Em junho de 2022, o Papa Francisco promulgou a constituição apostólica Praedicate Evangelium, que reformou a Cúria Romana, modernizando sua estrutura e funcionamento. As principais mudanças incluem a ênfase na evangelização como missão central da Igreja, a reorganização dos dicastérios para refletir essa prioridade, uma maior colaboração entre os departamentos do Vaticano e as conferências episcopais, promovendo descentralização, e a inclusão formal de leigos e mulheres em cargos de liderança. Isso representou uma mudança significativa, pois até então apenas clérigos ocupavam tais funções.
O Papa Francisco defendia com consistência a maior participação das mulheres na Igreja. Em entrevistas e documentos, ele já disse que as mulheres trazem uma sensibilidade e visão únicas para os desafios e decisões eclesiais. Segundo o papa, abrir espaços para mulheres na Cúria Romana era essencial, por isso começou a nomear mulheres para cargos-chave, inclusive como subsecretárias de dicastérios. Também atribuiu formalmente a elas ministérios leigos, como o de leitora e acólita, algo inédito na história da Igreja.
Durante o seu pontificado papa Francisco adotou um tom mais acolhedor em relação às pessoas LGBTQIA+. Desde o início, sua famosa frase “Quem sou eu para julgar?” marcou uma mudança de abordagem. Em 2023, o Vaticano publicou o documento Fiducia Supplicans, autorizando padres a conceder bênçãos a casais do mesmo sexo, desde que não se confundam com cerimônias de casamento. Francisco argumenta que todos os fiéis têm direito a receber bênçãos e orientação espiritual, independentemente de suas escolhas, e que o mais importante é a caridade pastoral e o acolhimento.
Reforma no Banco do Vaticano e combate a abusos
Com o objetivo de enfrentar escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro, Francisco também iniciou uma profunda limpeza nas finanças do Vaticano. Em 2014, criou o Secretariado para a Economia e promoveu auditorias internas e externas. Mandou fechar mais de cinco mil contas irregulares no Instituto para as Obras de Religião, conhecido como Banco do Vaticano. Sob sua liderança, o banco foi obrigado a operar com critérios de transparência e responsabilidade, se aproximando das normas internacionais de controle financeiro.
O combate aos abusos sexuais dentro da Igreja Católica foi uma das prioridades do papa Francisco. Em 2014, ele criou a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, um organismo independente voltado para a prevenção e responsabilização. Além disso, em 2019, estabeleceu normas obrigatórias para a denúncia de casos de abuso e o acompanhamento das vítimas. Em 2021, reformou o Código de Direito Canônico para incluir sanções mais severas contra abusadores e aqueles que encobrem crimes. Francisco também se encontrou com vítimas, ouviu seus relatos e pediu perdão em diversas ocasiões.