No mês de março falamos muito sobre a saúde física da mulher, mas devemos dar atenção também para o cuidado com a saúde mental. As mulheres enfrentam alterações e desafios hormonais ao longo de diferentes fases das suas vidas, incluindo puberdade, gravidez, pós- parto, perimenopausa e menopausa. As doenças mentais podem ser incapacitantes e trazer prejuízos para a qualidade de vida delas.
Durante a adolescência, as mudanças físicas, emocionais e hormonais podem ser difíceis e, como resultado, as adolescentes podem desenvolver transtornos de ansiedade, depressão, transtornos alimentares como bulimia, anorexia e baixa autoestima devido à pressão social para ter um determinado tipo de corpo. Além disso, também podem impactar a saúde mental das adolescentes as práticas de bullying e cyberbullying que sofrem, principalmente, no ambiente escolar.
Já no início da idade adulta, outras questões vão surgindo, como o estresse relacionado com o trabalho, cargas de trabalho excessivas, insegurança financeira e exaustão mental e física decorrentes da economia do cuidado, abrangendo todas as atividades relacionadas aos cuidados domiciliares e à maternidade. Em alguns casos, também observamos o abuso de substâncias psicoativas como medicamentos para dormir e o consumo excessivo de álcool.
Muitas vezes o uso de álcool e outras drogas funciona como escape emocional e, mesmo em pequenas quantidades, o consumo dessas substâncias não é seguro. A curto e longo prazo, pode se tornar um vício e desencadear alterações químicas no cérebro que incluem a diminuição da capacidade cognitiva, perda de memória, alucinações, surtos psicóticos e o surgimento de transtornos psiquiátricos. A automedicação e o uso inadequado de medicamentos para emagrecimento também são altamente prejudiciais.
A menopausa é marcada pela diminuição dos hormônios reprodutivos e também pode causar impactos na saúde mental, como o desenvolvimento de depressão, além de outras doenças que acometem as mulheres nessa faixa etária como Alzheimer e demência.
As mulheres em geral têm mais probabilidade de ter depressão do que os homens. Estima- se que as mulheres têm duas vezes mais depressão do que os homens. As diferenças de gênero, genéticas, sociais e econômicas são os principais fatores que destacam o
desenvolvimento da depressão nas mulheres e em homens.
De acordo com a pesquisa Vigitel realizada pelo Ministério da Saúde e lançada em 2022, o número de diagnósticos de depressão no Brasil chegou a 11,3% da população, sendo o percentual maior entre as mulheres (14,7%) do que entre os homens (7,3%). O Brasil é o país com mais pessoas depressivas e ansiosas no mundo.
A saúde mental da mulher é intrinsecamente conectada a vários aspectos de sua vida. As pressões sociais, seja no ambiente profissional, familiar ou social, podem gerar consequências para a saúde mental. Além das dificuldades enfrentadas no dia a dia, outro problema, ainda mais grave, também tem um impacto significativo na vida das mulheres: a violência.
Mulheres que sofrem ou sofreram algum tipo de violência, seja física, sexual ou psicológica, podem desenvolver transtornos como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós- traumático, fazer uso abusivo de álcool e outras drogas. Os transtornos mentais, quando associados à violência, têm um impacto muito maior na saúde mental das mulheres.
Os dados de violência contra a mulher são alarmantes. Uma pesquisa encomendada pelo Fórum de Segurança Pública mostrou que cerca de 30% das mulheres sofreram algum tipo de violência de gênero em 2022 no Brasil. As mais citadas foram as ofensas verbais e sexuais, perseguição, ameaças de violências físicas e lesões provocadas por algum tipo de arma letal ou não letal. Essas violências deixam cicatrizes emocionais para toda a vida.
Um agravante destes dados é que a violência, na maioria dos casos, é cometida por homens com quem as mulheres têm ou tiveram algum vínculo afetivo (companheiros, ex-companheiros e até mesmo familiares próximos). Em muitos casos, essas mulheres não conseguem sair do ciclo de violência, seja por conta da dependência financeira seja pela dependência emocional.
Muitas mulheres enfrentam não apenas as consequências imediatas da violência, mas também têm o desafio de lidar com os efeitos psicológicos a longo prazo. A violência pode impactar a autoestima e criar ciclos de medo e desconfiança, contribuindo assim para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos.
É importante conversar sobre transtornos mentais decorrentes dessas violências. Abordar a saúde mental da mulher requer uma compreensão sensível dessas questões, buscando não apenas tratar os sintomas, mas também abordar as suas causas, como a violência de gênero e a desigualdade social.
Hoje há muito estudo e avanço científico no que diz respeito ao diagnóstico e tratamentos para as doenças mentais. Porém, não temos no sistema público capacidade suficiente de atender adequadamente a população, e não temos disponíveis medicamentos para tratar as principais doenças mentais em farmácias populares.
Garantir o acesso a serviços de saúde mental e conscientizar sobre a importância do tratamento é fundamental para que as mulheres possam enfrentar os desafios dos transtornos mentais resultantes de situações traumáticas e combater o estigma associado ao cuidado com a saúde mental.
A promoção da saúde mental não é apenas uma responsabilidade individual, mas uma demanda coletiva. É crucial implementar políticas para combater a violência e o assédio, mas ao mesmo tempo, oferecer suporte às vítimas através da criação de espaços seguros para denúncias e apoio emocional, especialmente de psicólogos e psiquiatras.
Apesar dos desafios, é vital destacar a capacidade de adaptabilidade das mulheres diante dessas adversidades. Com apoio adequado, muitas encontram força para enfrentar e superar os impactos negativos em suas vidas.
*Dr. Antônio Geraldo da Silva é médico psiquiatra, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo. É Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo”, da Campanha ABP/CFM Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.