Dar uma volta pela Esplanada dos Ministérios ou ir a um evento no Museu Nacional da República ou na Catedral Metropolitana faz parte do cotidiano do brasiliense. Apesar da beleza e do impacto arquitetônico desses projetos, a convivência diária com essas obras notáveis de Oscar Niemeyer muitas vezes apaga o deslumbramento pela genialidade por trás delas. Reconhecido globalmente, Niemeyer não apenas moldou Brasília, mas também deixou um legado que o posiciona como um dos arquitetos mais importantes da história, requisitado para projetos emblemáticos ao redor do mundo.
Além das icônicas obras que ganharam vida no Brasil, muitos projetos de Niemeyer no exterior também marcaram seu nome, sejam concretizados ou apenas no papel. Entre eles, destaca-se o Puerto de La Música, planejado para ser um importante complexo cultural em Rosário, na Argentina, mas que nunca saiu do papel. Essa grandiosidade não realizada reflete o impacto de seu trabalho internacional, que inclui obras como a sede da editora Mondadori, na Itália, com seus arcos imponentes que remetem ao Palácio do Itamaraty. Niemeyer segue vivo em cada traço espalhado pelo planeta.
Edifício-sede da ONU, em Nova York, Estados Unidos
O edifício-sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, foi um dos projetos mais complexos para Niemeyer por ter sido um trabalho conjunto. À época da criação, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o arquiteto Wallace Harrison, famoso por projetar o Rockefeller Center, reuniu um grupo notável para pensar em como seria a base da ONU e, simbolicamente, o centro de discussão da paz mundial após o conflito. Entre os convidados, Oscar Niemeyer e também um de seus ídolos, o franco-suíço Charles-Edouard Jeanneret-Gris, conhecido pelo pseudônimo Le Corbusier.
Os relatos históricos contam que Le Corbusier, sendo um dos mais proeminentes do grupo, tentou monopolizar as ações e impor suas ideias, relegando o então jovem arquiteto em ascensão, Oscar Niemeyer, ao papel de assistente. Quis o destino que o francês precisasse retornar ao seu país durante os trabalhos por questões profissionais e, com sua ausência, Harrison passasse a instigar que os demais membros opinassem mais. Eis que Niemeyer fez a sua sugestão, bastante divergente da ideia de Corbusier, e criou-se um impasse.
Niemeyer queria três prédios espaçados entre si, com possivelmente uma praça ou um jardim entremeando as edificações para dar uma vista melhor da cidade aos frequentadores. Já Corbusier queria prédios grudados, para promover um sentido de austeridade e união. Entre grosserias e discussões relatadas e com certeza várias outras jamais registradas ou reveladas, o projeto final recebeu a assinatura conjunta de ídolo e novato por justamente reunir um pouco do que cada um havia imaginado. As obras começaram em 1948 e foram concluídas em 1952, em Manhattan, às margens do East River, com os edifícios conectados como queria Corbusier, porém separados e espaçados minimamente, tanto para se diferenciarem quanto para abrigarem outras estruturas ao redor, como propôs Niemeyer.
Quando mais velho, entrevistado sobre o projeto, o brasileiro revelou que a assembleia da ONU, situada no centro do terreno, só ficou ali por insistência do francês. A área seria uma praça de convivência, mas o brasileiro acatou a sugestão tardia de seu ídolo por pura diplomacia. Mais tarde, porém, revelou que só aquiesceu por ser muito jovem e que o correto seria ter negado, por acreditar ser a melhor opção para o desenho.
Feira Internacional de Trípoli, Líbano
Em 1962, Niemeyer foi contratado pelo então presidente do Líbano, Fouad Chéhab, para projetar um complexo de feiras internacionais em Trípoli, segunda maior cidade do país e importantíssima para a economia nacional, por abrigar o principal porto e o principal complexo fabril da nação árabe. Seria uma obra para simbolizar a expectativa de prosperidade daquele período em uma possível alavancada econômica do pequeno país espremido entre Israel e a Síria, na extremidade do Mar Mediterrâneo.
Portentoso, o projeto previa ocupar um terreno nobre de mais de setenta hectares, próximo ao centro da cidade, com as linhas sinuosas e curvas arrojadas de Niemeyer. O complexo que ficou conhecido como Feira Internacional Rachid Karamé (às vezes chamado Rachid Karami), em homenagem a um ex-primeiro ministro libanês, ficou próximo da completude, mas a realidade entrou no caminho. Após mais de uma década de obras, com atrasos e diversos percalços burocráticos, o país entrou em guerra civil, em 1975, e até em abrigo militar o monumento foi transformado, sem que os trabalhos fossem concluídos. Mesmo assim, foram construídos 15 edifícios em uma área de quinhentos mil metros quadrados, com direito a um jardim desenhado por Burle Marx. Entre dificuldades, a arte prosperou e ainda resiste.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, esse foi o primeiro projeto de Niemeyer a ser candidato a Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco. Desde 2023, porém, também está inscrito pela Unesco na lista de patrimônios ameaçados e que demandam restauração, situação agravada pela guerra atual na região, que já resultou em diversos bombardeios.
Centro Cultural de Le Havre, França
Após a Segunda Guerra Mundial, a cidade portuária de Le Havre, na França, uma das muitas devastadas durante o conflito, começou a ser reconstruída. Um dos arquitetos responsáveis por esse trabalho foi Auguste Perret, que, dentre suas atribuições, quis reconstituir um teatro. Nada mais adequado do que acionar um dos pupilos de Le Corbusier, ícone do modernismo francês: Oscar Niemeyer. Foram quase trinta anos de idas e vindas burocráticas até que, em 1978, o Centro Cultural de Le Havre começou a ser erguido, e o resultado impressionou.
Em contraste com os ângulos retos da cidade, Niemeyer entregou edificações onduladas que parecem se projetar a partir do chão e foram acertadamente apelidadas de Le Volcan (O vulcão). Atualmente, o complexo abriga um centro de performance e a principal biblioteca da cidade, a Bibliotèque Oscar Niemeyer. À noite, o jogo de luzes ainda produz sombras e efeitos que lembram as cúpulas do Congresso ou o Museu Nacional.
O projeto em Le Havre é um dos melhores do arquiteto. Quem afirmou isso foi o renomado urbanista italiano Bruno Zevi, admirador do trabalho do arquiteto brasileiro (e vice-versa). Em depoimento reproduzido pelo site do instituto Niemeyer, Zevi disse: “Coloco a Praça do Havre entre as dez melhores obras da arquitetura contemporânea”.
Universidade de Haifa, Israel
Quando já era renomado mundialmente por Brasília, Niemeyer conheceu o rico empresário israelense Yekutiel Federmann, proprietário de inúmeras terras em Tel Aviv. O homem de negócios buscava um arquiteto para realizar construções em uma área ainda pouco desenvolvida, um projeto bastante ambicioso, e se encantou pelo trabalho do brasileiro. Eles fecharam acordo e, no final de março de 1964, Niemeyer partiu para Israel com a família.
Durante sua estadia em Tel Aviv, o Brasil sofreu o golpe militar que transformou os membros do Partido Comunista brasileiro em personas non gratas no País. Notório integrante do partido, Niemeyer teve de estender sua estadia em território judeu por vários meses e, por isso, se envolveu em diversos projetos. Um dos de maior destaque foi o da Universidade de Haifa, cuja aparência o faz parecer um pedaço de Brasília em meio ao estado israelense.
Uma torre semelhante às edificações do Congresso Nacional se ergue por 20 andares sobre uma ampla placa horizontal para abrigar os diversos blocos e departamentos da instituição. Tudo isso adornado por jardins vultosos, com o mar no horizonte criando uma composição única. No projeto original, havia ainda a previsão de uma pirâmide invertida, tal qual o Panteão da Praça dos Três Poderes, que não chegou a ser construída.
Além da universidade, Niemeyer fez vários outros desenhos, mas nenhum saiu do papel, como a Casa Rotschild, projetada inicialmente como a residência de Yekutiel Federmann, o Nordia, que seria um gigantesco complexo de edifícios comerciais no coração de Tel Aviv, e o Kikar HaMedina, também chamada de Praça do Estado. Esta última foi parcialmente feita em colaboração com um escritório de arquitetura local, mas não teve continuidade após a conclusão da primeira etapa por divergências burocráticas no processo.
Por: Eric Zambon