As apresentações das **coleções de Alta-Costura em Paris**, que aconteceram nos últimos dias, tomaram a atenção de aficionados por moda e profissionais do mercado. **Um desfile em particular**, no entanto, ganhou destaque entre um público leigo e mais amplo e com isso **tomou conta das redes sociais**. A apresentação em questão foi da marca francesa **Schiaparelli**, que provocou **reações inflamadas** ao trazer para a passarela vestidos adornados por reproduções hiper-realistas de cabeças de animais selvagens, leão, loba e leopardo.

A grife, comandada pelo diretor artístico americano **Daniel Roseberry**, nasceu no final dos anos 1920 pelo trabalho de **Elsa Schiaparelli** que atraiu admiradores após fazer para si mesma peças com o que viria a ser uma de suas assinaturas: o **_trompe l’œil_**. A técnica consiste em “_enganar o olho_” ao criar **ilusões óticas** e faz parte do DNA da marca. Outro elemento-chave quando falamos de Schiaparelli é o **surrealismo**.

Os conceitos são tão fortes na grife que duas das peças mais conhecidas criadas por Elsa são um **chapéu** com formato que remete a um **sapato** e um **vestido estampado** com um desenho fidedigno de uma **lagosta**. Desde seu início, a história da marca é pautada por **transgressões, exageros e ironias**, tudo feito de uma forma extremamente intelectualizada e com primoroso rigor técnico.

Na marca desde 2019, Roseberry acumula êxitos ao unir seu **olhar pessoal e criativo às raízes da marca** – a interseção entre o mundo das artes ao representar o universo surrealista pela linguagem da moda – e nesta última coleção não foi diferente.

Para esta temporada, o americano se inspirou no livro **A Divina Comédia, de Dante Alighieri**, uma história que se desenvolve em torno da imagem do inferno criado pelo escritor italiano. Na coleção chamada **_Inferno Couture a Schiaparelli_** deixa clara sua inspiração literária e descreve a mensagem central com a frase: “_O paraíso não pode existir sem o inferno, não existe alegria sem sofrimento, não há o êxtase da criação sem a tortura da dúvida_”. Com isso em mente, a marca trouxe roupas pautadas pelo **contraste entre extremos** marcadas por dramaticidade dantesca.
**’Fogo inextinguível’**

A cantora americana **Doja Cat** foi uma das escolhidas para vestir a nova coleção e chegou ao desfile no _Petit Palais_, em Paris, coberta por 30 mil cristais Swarovski vermelhos, que Roseberry definiu como uma representação do **”_fogo inextinguível_”** do inferno. Outra escolhida foi **Kylie Jenner**, fenômeno nas mídias sociais, que esteve presente com um dos vestidos: um tubinho preto com uma enorme **cabeça de leão** aplicada no ombro. Associado à imagem de Kylie, o vestido se espalhou pelas redes sociais e com a visibilidade surgiu a polêmica.
Além do leão, também cruzaram a passarela um casaco de loba – desfilado por Naomi Campbell – e um vestido com busto de leopardo, todos com **aparência extremamente verossímil**, mas feitos de espuma esculpida à mão, resina, lã e pele falsa de seda. No entanto, os três animais, que representariam as feras na porta do inferno de Dante como símbolos de **luxúria, orgulho e avareza**, foram lidos de forma deturpada pelo público.
Ao desassociar as imagens de seu conceito inicial, **milhares de pessoas criticaram a marca** por, supostamente, estimular a crueldade animal. Muitos chegaram a acreditar que as cabeças e peles eram realmente de animais. “_É inaceitável. O que vem depois? Rostos de bebês?_”, comentou uma usuária do Instagram no perfil da marca. Curiosamente, faces e elementos do corpo humano – não necessariamente de bebês – são constantes no trabalho de Roseberry. Pense em botas com metais que imitam dedos dos pés e óculos que mimetizam os olhos com precisão.


As críticas expõem um dos lados mais negativos dessa facilidade de difusão de imagens online: o **julgamento imediato e sem contexto**. Em um desfile de alta-costura, **fantasia, arte e moda** se misturam. Quando uma casa de moda como a Schiaparelli, com toda a sua herança surrealista, se apropria da imagem de cabeças de animais, ou de partes do corpo humano e as leva para a passarela, **a intenção é a teatralidade, é contar uma história*. E neste caso a narrativa não era sobre a caça ou qualquer outro tema relacionado à crueldade animal. As cabeças foram feitas do zero, à mão, com um processo artesanal e minucioso. “_Feitas para parecerem o mais realista possível, celebrando a glória do mundo natural_”, escreveu a marca.
**Mensagem**
Nesse tipo de desfile, a **passarela extrapola o consumo**, se torna um palco, espaço de liberdade criativa e de expressão. Em uma coleção de moda **a mensagem está no todo**, na coletividade das peças, e não em cada uma individualmente.



Com as imagens tiradas de contexto, a polêmica tomou proporções tão grandes que **até mesmo o Peta** – maior organização global que trabalha pela proteção dos animais – **defendeu a Schiaparelli**. Em entrevista ao portal americano TMZ, Ingrid Newkirk, presidente da ONG, comentou: “_[A ROUPA] Celebra a beleza do leão e pode ser um ícone contra a caça por troféus, nas quais as famílias de leão são destruídas para satisfazer o ego humano… Essas cabeças de animais maravilhosamente inovadoras e tridimensionais mostram que onde há vontade há um jeito_”.